CAPÍTULO 6

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Dias se passaram desde minha noite de teste no Rita's. Todos os dias saíamos estranhamente cedo, se considerar os outros lugares que trabalhei, mas não questionei Sevenda do porquê. Talvez a feérica tivesse outro lugar para estar.

Trabalhar a noite acabava me deixando atoa o dia inteiro, sobrava tempo para passear com Graham e aproveitávamos para conhecer a cidade, mas a renda ainda era curta e me perguntava se conseguiria arranjar um segundo emprego por aqui.

As sombras continuaram aparecendo vez ou outra, mas passei a ignorá-las. Depois de um tempo elas sumiam e no começo me sentia aliviada. Até que sua ausência passou a deixar a sensação de vazio, como se algo dentro de mim estivesse incompleto.

Vez ou outra, no meio da noite quando Graham pegava no sono, ficava esperando ver as asas de morcego ou que as sombras viessem sussurrar para mim. Fazia três noites que não as via.

O caminho até o restaurante já começava a ser familiar. Pessoas das casas e lojas vizinhas passaram a nos cumprimentar regularmente.

Entrei no Rita's já esperando uma noite comum, e assim o foi -pelo menos até metade do meu turno.

Estava servindo o pedido de um cliente quando as sombras ao lado começaram a se mover. Gavinhas se soltando e esparramando sobre cadeiras e mesas. Meu coração disparou com a visão, mas tentei com afinco agir normalmente.

-Precisam de mais alguma coisa?

-Não, está ótimo, obrigada.

-Se precisar é só chamar. Com licença.

Com uma bandeja em mãos caminhei até a cozinha onde Sevenda estava com Graham. Meu irmão brincava com alguns potes enquanto Sevenda preparava algum pedido.

Minha vontade era voltar lá para frente e ver o que as sombras tinham para mim, mas não podia correr o risco de parecer uma maluca em frente aos clientes. Então me esconderia aqui um pouco.

Depois de brincar com Graham e enrolar mais um pouco conversando com Sevenda, achei melhor ir conferir se havia chegado mais alguém e, bem, eu estava certa em checar. Uma das mesas do canto, anteriormente vazia, agora estava ocupada com oito pessoas. Nem sei como fizeram para caber todos ali, mas tudo bem.

Comecei a me mover para pegar seus pedidos, mas a voz de Sevenda me parou.

-Ah, pode deixar, Lyra. Eu atendo essa. Pode dar uma olhada no ensopado, por favor?

-Tudo bem.

Minha chefe parecia contente em atendê-los e confesso que fiquei curiosa com o porquê. Sevenda era muito gentil com todos os clientes e vez ou outra saía para me ajudar a servir e cumprimentar os presentes, mas essa situação parecia diferente.

Fiquei ainda mais curiosa ao vê-la cumprimentar os novos clientes com beijos na bochecha, com exceção de uma fêmea de cabelo preto curto.

Depois de um tempo notei que duas das quatro fêmeas presentes me eram muito familiares. Foi então que me lembrei das lindas feéricas na ponte. Ao que tudo indicava eram elas ali e inclusive o garotinho alado que encantou Graham.

Percebendo que já havia enrolado muito -e meio que torcendo para não ser notada pelas duas feéricas- fui fazer o que Sevenda me pediu. Minutos depois, minha chefe entrou na cozinha. Sem dizer nada começou a preparar pratos para seus conhecidos. Questionando se deveria deixar a curiosidade me vencer ou ficar calada, acabei escolhendo a primeira opção.

-Desculpe me intrometer, Sevenda, mas posso perguntar quem são aqueles?

-Ah eles são alguns fregueses da casa.

-Ah sim... – ela só ia dizer isso?

-E também, viu a fêmea de cabelo castanho com o garotinho no colo?

-Sim

-É a Grã-Senhora da Corte Noturna – só podia ser brincadeira – e o macho do lado dela? O Grão-Senhor.

Fiquei parada por alguns minutos pensando. A boca escancarada como um peixe morto.

-É brincadeira, não é?

-Não. Por que seria?

-Os governantes dessa Corte estão aqui? – esperava que pudesse transmitir minha incredulidade. É só que não parecia um lugar que alguém do alto escalão frequentaria.

Nada contra o restaurante. Era ótimo na verdade. Aconchegante e organizado e a comida era ótima, mas ainda estava incrédula.

-É, eles aparecem com frequência na verdade.

Minha chefe não parecia impressionada, contente sim, mas eu com toda a certeza estava admirada.

As coisas nessa cidade funcionam um pouco diferente do que estou acostumada. Mais um ponto para Velaris.

-Senhoraaa.

O ar ficou preso em meu peito, havia sombras se desenrolando no batente da porta, suas gavinhas deslizando para a frente do restaurante.

-Eu...vou dar uma olhada lá na frente...

-Está bem.

Com uma ultima olhada para Graham deslizei para o cômodo ao lado. Os clientes rindo e conversando entre si não pareciam ter notado algo diferente, mas certamente não seria o caso, já que as sombras haviam desaparecido.

Andei ao redor da sala, perguntando aos fregueses se precisavam de algo, limpando mesas que já havia limpado, as sombras não haviam sumido. Elas estavam escorrendo para a rua, sua cor escura camuflando com a escuridão da noite lá fora.

Olhei para trás esperando que Sevenda não aparecesse agora. As gavinhas curvavam para o lado esquerdo da entrada. Temendo ser descoberta nesse momento de completo delírio, rapidamente me virei na direção das sombras.

Se tivesse prestado atenção notaria que havia alguém ali antes de acertar minha cara com tudo em seu peito.

-Ah! Perdão! – minhas bochechas queimaram de vergonha instantaneamente. Fios de cabelo cobrindo parcialmente meu rosto. Devia estar parecendo uma maluca agora. Olhei para cima já pronta para devidamente me desculpar com quem quer que fosse a vítima de meu desatento, mas minhas palavras ficaram presas na garganta, meus olhos se arregalando levemente.

Pois na minha frente havia um par de asas de morcego e olhos castanhos.

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