CAPÍTULO 4

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Ainda que Sevenda tivesse me chamado para o teste amanhã -que aliás já havia me dado algumas reviravoltas no estômago e uns sete cenários imaginários diferentes em minha mente- não era certo que conseguiria o emprego, então não custava nada procurar algumas segundas opções.

A maioria das pessoas com quem falei já ficaram com um pé atrás de me oferecer uma entrevista por estar com Graham nos braços. A questão é que é muito mais difícil conseguir um emprego tendo uma criança e pior ainda quando não se tem ninguém com quem deixá-la. O que me lembra que não esclareci esse ponto com Sevenda.

Meu irmão já havia se acostumado a ir para os locais de trabalho comigo e era incrivelmente comportado. Era só arrumar um lugar onde eu pudesse vê-lo o tempo todo e algum brinquedo. Geralmente, Graham é um menino comportado, às vezes, como quando fugiu hoje de manhã, ele foge a regra, mas não posso esperar que seja perfeito todo o tempo. É uma criança e tem muita energia acumulada nesse corpinho fofinho.
Ainda que com certa dificuldade, consegui agendar mais duas entrevistas para o resto da semana, se tudo desse errado amanhã, eu tinha mais duas oportunidades.

Me sentindo muito mais aliviada decidi, ao passarmos pela mesma ponte de hoje cedo, parar um pouco com Graham.

-Olha lá! -disse o pequeno apontando para o céu e eu já sabia o que diria- aquele é o papai e do lado a mamãe! Está vendo, Lyra?

-Com certeza. Olha como estão brilhantes!

-É, quer dizer que estão felizes, não é?

-Ahã, enquanto brilharem significa que estarão bem.

Graham esticou uma de suas mãozinhas em direção as estrelas como se pudesse tocá-las.

-Oi.

Sempre que via o céu estrelado era isso que fazia. Não sabia qual era o critério para dizer qual das bilhares de estrelas eram nossos pais, mas ele parecia saber com uma certeza absurda quais eles eram. No ano passado, ele havia me perguntado pela primeira vez sobre nossos pais, depois de ver uma família jantando em um dos restaurantes que trabalhei, na hora eu não sabia o que dizer a única coisa que vinha na minha mente era que eles viraram estrelas. Então foi isso o que eu disse.

Naquela época, e ainda hoje, Graham achou incrível a ideia de viver como uma estrela e todas as vezes em que ele começa a falar para o céu noturno, como se estivesse frente a frente de nossos pais, meus olhos começam a marejar e a vontade de chorar é absurda, mas me controlo, afinal, não saberia explicar o porque de estar chorando quando disse que eles estavam bem lá. Talvez, realmente estivessem. Desejava que sim. Onde quer que estivessem.

Em um momento a ponte estava lotada e no outro vazia.

-É melhor irmos embora, Graham.
-Tudo bem...

Algo no escuro me incomodava. No silêncio, no vazio os pensamentos eram altos e o medo ganhava vida. Tentava a qualquer custo ignorar o escuro, mas as vezes era impossível então eu fugia dele.

Graham em algum momento havia notado essa minha apreensão e sempre que estávamos nessa situação não precisava de muito para convencê-lo a partir. Não estava escuro, havia luzes de todos os lados do rio e alguns postes de iluminação bem na ponta da ponte, ainda assim eu tinha uma sensação tão estranha no vazio, era incômodo.

Com o passo acelerado deixamos a ponte, Graham em silêncio observava as estrelas. Seu silêncio repentino me deixava apreensiva, nessas horas queria poder ler mentes, mas como não era o caso me sobrava curiosidade e as perguntas indiretas mais tarde no banho.

Voltando para a casa os pensamentos haviam tomado conta de mim, o caminho sendo feito sem nem notar. Quase chegando na rua da estalagem algo nas sombras me chamou atenção para o presente.

Asas de morcego enroladas em sombras era só o que podia ver, vozes distintas sussurravam ao longe. Que merda é essa?
Meu coração disparou e eu não podia desviar o olhar. "Se aproxime" era o que pareciam sussurrar. "Mais perto!" ordenavam.
Dei um passo em sua direção, meu corpo se movendo sem que eu quisesse.

-Lyra?

A voz cansada de Graham me tirou do transe, olhei para meu irmão com olhos arregalados, seus olhos verdes cheios de dúvidas. Quando retornei o olhar para as sombras não havia nada além de uma parede de pedras ali.
Estava louca?

-Lyra.
-Oi. Oi, estou bem. Tudo bem, vamos lá.

Continuamos o caminho mais uma vez em silêncio, mas aquela imagem permanecia me assombrando e tudo piorou quando ao adormecer minha mente foi tomada pelo breu, mas não pelo silêncio, quando acordei a única coisa de que me lembrava era uma voz masculina profunda murmurando uma melodia melancólica que fazia as sombras dançarem a sua vontade.





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