CAPÍTULO 36

401 55 5
                                    


Ele os fez refém. Aqueles dedos traiçoeiros presos entre seus calos e cicatrizes.

Os olhos de Lyra se arregalaram levemente ao passo que seus lábios se entreabriram em outro suspiro de surpresa e antecipação. Desejo.

Seu corpo vibrava da forma que sempre fazia a cada toque do macho a sua frente. Cada um deles gelado e quente, lhe arrepiando e queimando.

Seu coração imitava o galope de mil cavalos e ela estava queimando e ardendo quando Azriel -ainda prendendo seu pulso- a puxou para mais perto.

Ela ficou tolamente satisfeita -muito mais do que jamais vai admitir- pela falta de equilíbrio e controle que o vinho causava sobre seu corpo. Uma vez que, com aquele puxão seus pés fizeram questão de se embaralhar em si mesmos e fazerem-na cair diretamente nos braços de Azriel.

Um de seus braços a segurou na cintura, enquanto o outro mantinha o aperto em seu pulso. Que cena deveria ser para aqueles que estiverem no corredor. Talvez fosse sorte o lugar estar tão vazio.

Um pedacinho de sua mente ainda parecia funcionar, já que ela sentiu suas bochechas queimarem de leve ao levantar a cabeça e se deparar com o olhar de Azriel tão próximo. Perto o bastante para que suas respirações se misturassem.

Ela estava queimando. Queimando tanto que a tensão em seu âmago se desfez em fogo líquido. Calor escorria em suas veias como lava.

- Lyra - sussurrou Azriel, a voz rouca lhe causando arrepios por todo o corpo.

Seu nome na boca dele, parecia ganhar novos significados. O nome dela era o mesmo dado a uma constelação, mas também estava relacionado a um instrumento musical, e essa era uma curiosidade boba com a qual ela nunca se importou, porém quando aquelas letras e sílabas saíam da boca do Mestre Espião ela entendia.

Porque a voz de Azriel fazia seu nome soar como música. Seu timbre e tom fazendo de cada sílaba a melhor das melodias. E simples assim, apenas dizendo seu nome, ele poderia tê-la nas mãos.

O aperto que Azriel mantinha em sua cintura, também não lhe ajudava. A pressão que seu polegar fazia em seu pulso não era muito a seu favor.

Nem mesmo a embriaguez pareceu sua aliada naquela luta, pois agora ela se sentia incrivelmente sã. Tão em si que poderia listar pelo menos 10 tópicos do porquê aquilo era tão errado.

100 motivos para não dar ouvidos a seu coração disparado. 200 premissas sobre o porquê deveria se afastar. 300 ressalvas sobre aqueles olhos castanhos e os lábios carnudos tão, mais tão perto...

Haveria 400 razões para impedi-lo quando começou a se aproximar mais e mais e mais e mais. E haveria mais 500 pretextos para não permitir que seus lábios tocassem os dela no mais leve arrastar, mas seus pulmões estavam falhando e estrelas explodiam atrás de seus olhos fechados, sua mão esquerda apertava o tecido da túnica escura que Azriel usou aquela noite e... Talvez ela fosse desmaiar.

Como se ele fosse um imã e ela um simples objeto sendo atraído à sua órbita, Lyra selou as últimas moléculas de ar que ousavam os separar e ela tinha certeza que o mundo parou ao redor deles. As horas congelando no relógio, os segundos presos e os minutos incompletos. Nem mesmo o vento se agitou com medo de atrapalhar.

Azriel apoiou a mão que tanto insistia em segurar em seu peito e Lyra não hesitou em movê-las para cima, por seus ombros largos e na pele quente de seu pescoço até os fios macios de seu cabelo.

E então o tempo voltou e os segundos voaram e o vento apareceu, assim como -aparentemente- algum morador aleatório daquela pousada, já que foi justamente um baque alto atrás de alguma daquelas portas que os fizeram se separar as pressas, como dois adolescentes envergonhados por terem sido vistos aos beijos.

Ninguém apareceu e a estalagem continuou em completo silêncio. O único som sendo a respiração ofegante de ambos.

O desejo de retomar aquele beijo parecia uma entidade palpável no pouco espaço que mantinham entre si e ao redor de seus corpos. Ela estava realmente cogitando beijá-lo outra vez quando Azriel falou:

- Você - começou ele, a voz rouca e baixa como um trovão distante. Azriel engoliu em seco e balançou a cabeça antes de continuar - Você vai ser a causa da minha morte. Eu tenho certeza disso agora.

Lyra sentiu seu coração disparar por mil motivos diferentes. Alguns novos, outros inesperados e alguns muitos, aterrorizantes.

- Não diga isso. -ela murmurou, com uma voz um pouco chorosa.

Não sabia se Azriel havia percebido sua apreensão, mas o Encantador de Sombras a trouxe para mais perto de si e rodeou seu corpo com os braços, afundando a cabeça em seu pescoço.

O calor de seu corpo misturado as curtas respirações em sua pele a distraiu brevemente daqueles pensamentos intrusivos.

- Sabe... - ele disse, depois de um tempo em silêncio. Arrastando os lábios na base de seu pescoço - Não é como se eu desejasse a morte, mas não reclamaria, se ela fosse o preço de um ou dois de seus beijos.

E como se para pontuar sua frase, Azriel deixou dois pequenos beijos na curva entre seu ombro e a extensão do pescoço.

- Se você tiver sorte... - ela respondeu. Com muito mais atrevimento do que seus pensamentos permitiam no momento.

O sopro de sua risada espalhou por todo o corpo dela antes de ele reerguer a cabeça.

Os dois se olharam, naquele silêncio que eram tão bons em manter, entre aquelas palavras que se recusavam a dizer.

- Eu deveria ir agora... -ele disse.

- Sim, deveria... -ela respondeu.

Então havia um sorriso suave nos lábios de ambos e, apesar das palavras, nenhum deles se moveu.

Azriel não se moveu. Não até depois de muito tempo e, ainda assim, parecia um tempo curto de mais para deixá-lo ir.

Foi com um suspiro que Lyra se deitou sob os lençóis, pensamentos demais em sua cabeça para que conseguisse dormir, exausta demais para se manter em outra posição que não deitada.

Aquela noite, não houveram pesadelos, nada foi capaz de acordá-la e quando seus olhos se abriram ao amanhecer ela podia jurar ainda sentir seus lábios formigando. Ainda sentia o calor em suas palmas e o rastro ardente em seu pescoço.

Parecia tarde demais para prestar atenção naquelas 500 ressalvas anteriores.

Corte de Estrelas e SegredosOnde histórias criam vida. Descubra agora