Santo Inferno....

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Tenho sobrevivido durante três dias sem Marília, e é meu primeiro dia de trabalho. Tem sido uma boa distração. O tempo voou por entre uma névoa de caras novas, trabalho a fazer. Sr. Fernando Zor... ele sorri para mim, com seus olhos castanhos cintilantes, enquanto ele se inclina contra minha mesa.— Excelente trabalho, Mai. Eu acho que nós vamos fazer uma grande equipe.De alguma forma, eu consegui erguer a cabeça para curvar meus lábios em um semblante de um sorriso.— Eu estou indo para casa, se estiver tudo bem com você, — eu murmuro.— Claro, é cinco e meia. Vejo você amanhã.— Boa noite, Fernando.— Boa noite, Mai.Pegando a minha bolsa, eu encolho os ombros no meu casaco e saio. Para o ar do início da noite em Seattle, eu respiro fundo. Ele não consegue preencher o vazio no meu peito, um vazio que está presente desde sábado de manhã, uma lembrança dolorosa e oca, da minha perda. Eu ando em direção ao ponto de ônibus com a cabeça baixa, olhando para meus pés, meio triste por estar sem minha amada Wanda, meu velho Fusca... ou o Audi.Eu fecho imediatamente a porta desse pensamento. Não. Não posso pensar nela. Claro, eu posso comprar um carro, um carro novo, agradável. Eu suspeito que ela foi demasiada generosa em seu pagamento, e o pensamento me deixa com um gosto amargo na boca, mas eu o rejeitei e devo manter a minha mente fechada e o mais vazia possível. Eu não posso pensar nela. Eu não quero começar a chorar de novo, não na rua.O apartamento está vazio. Tenho saudades de Maraisa, e eu a imagino deitada em uma praia em Barbados, bebericando um coquetel gelado. Ligo a televisão de tela plana, mais para ter algum ruído do que para preencher o vácuo e proporcionar uma aparência de companhia, mas eu não ouço ou assisto. Eu sento e olho fixamente para a parede de tijolos. Estou dormente. Eu não sinto nada, apenas dor. Quanto tempo eu vou suportar isso?A campainha da porta me tira da minha angústia e meu coração salta uma batida. Quem poderia ser? Eu aperto o interfone.—Entrega para a Sra. Carla. — Uma voz cansada e entediada responde, e a decepção me atravessa. Eu desço as escadas com indiferença, para encontrar um jovem mascando chiclete ruidosamente, segurando uma caixa de papelão grande, e inclinando-se contra a porta da frente.Eu assino o recebimento do pacote e o levo para cima, comigo. A caixa é enorme e surpreendentemente leve. Dentro estão duas dúzias de rosas brancas com haste longa, e um cartão.
Parabéns pelo seu primeiro dia de trabalho.Espero que tudo tenha ocorrido bem.E obrigado pelo planador. Isso foi muito atencioso.Eu o tenho com orgulho sobre a minha mesa. "Marília"Olho para o cartão digitado, e o buraco no meu peito se expande. Sem dúvida, sua assistente enviou esta mensagem. Marília, provavelmente, tem muito pouco a ver com isso. É doloroso demais só de pensar. Examino as rosas, elas são lindas, e eu não posso jogá-las no lixo. Obedientemente, eu vou para a cozinha, para procurar um vaso. E assim se desenvolve um padrão: acordar, trabalhar, chorar e dormir.
Bem, tentar dormir. Eu não posso escapar dela, mesmo em meus sonhos. Olhos ardentes cinzas, seu olhar perdido, seu cabelo reluzente e brilhante, tudo meassombra. E a música... tanta música, que eu não posso suportar ouvir qualquer música. Eu tenho muito cuidado para evitá-la a todo custo. Até mesmo os jingles em comerciais me fazem tremer.Eu não falei com ninguém, nem mesmo com minha mãe ou Ray. Eu não tenho condições de conversar com ninguém agora. Não, eu mão quero nada disso. Eu me tornei uma ilha. Uma terra devastada pela guerra, onde nada cresce e os horizontes são sombrios. Sim, esta sou eu. Sou capaz de conversar impessoalmente no trabalho, mas só isso. Se eu falar com minha mãe, eu sei que vou quebrar ainda mais e já não tenho mais nada para quebrar.Estou encontrando dificuldades para comer. Na hora do almoço, na quarta-feira, eu consegui tomar um copo de iogurte, e é a primeira coisa que eu comi desde sexta-feira. Estou sobrevivendo com uma tolerância recém descoberta de café expresso com leite e Coca Cola Diet. A cafeína que me faz continuar, mas está me deixando ansiosa. Fernando começou a pairar sobre mim, me irritando, me fazendo perguntas pessoais. O que ele quer? Eu sou educada, mas eu preciso mantê-lo a distancia de um braço.
Sento-me e começo a vasculhar uma pilha de correspondência dirigida para ele, e eu estou satisfeita com a distração do trabalho adicional. Meus e-mails chegaram, e eu rapidamente reviso para ver de quem é. Puta merda. Um e-mail de Marília. Oh não, não aqui... não no trabalho.
De: Marília Mendonça
Assunto: Amanhã
Data: 08 de junho de 2015 14:05
Para: Maiara Carla
Cara Maiara Perdoe essa intromissão no seu trabalho. Espero que ele esteja indo bem. Você recebeu minhas flores? Lembrei que amanhã é a abertura da exposição da seu amiga na galeria, e eu tenho certeza que você não teve tempo para comprar um carro, e é uma longa viagem. Eu ficaria mais do que feliz em levá-la, se você assim desejar. Me informe, por favor. Lágrimas inundam meus olhos. Eu apressadamente deixo a minha mesa e vou para o banheiro para escapar em uma das cabines. A exposição de Japinha. Droga. Eu tinha esquecido tudo sobre ela,e eu prometi a ela que eu iria. Merda, Marília está certa; como vou chegar lá? Pressiono minha testa. Por que Japinha não telefonou? Pensando bem, por que
ninguém me telefonou? Eu estive tão distraída, que não reparei que o meu telefone celular estava muito silencioso.Merda! Eu sou uma idiota! Ele ainda está desviando as chamadas para o Blackberry. Santo inferno. Marília estava recebendo as minhas chamadas, ao menos que ela tenha jogado fora o Blackberry. Como ela conseguiu o meu endereço de e-mail? Ela sabe até o tamanho do meu sapato, um endereço de e-mail não seria um problema difícil de resolver. Posso vê-la novamente? Será que eu poderia suportar isso? Eu quero vê-la? Fecho os meus olhos e inclino a cabeça para trás, enquanto a tristeza cai sobre mim. Claro que sim. Talvez, talvez eu possa lhe dizer que eu mudei de ideia... Não, não, não. Eu não posso estar com alguém que tem prazer em me infligir dor, alguém que não pode me amar. Memórias torturantes lampejam através da minha mente, o planador, andar de mãos dadas, os beijos, a banheira, sua gentileza, seu humor, e seu escuro e sexy olhar pensativo. Sinto falta dela. Já se passaram cinco dias, cinco
dias de agonia, que pareceram com uma eternidade. Eu envolvo meus braços ao redor do meu corpo, me abraçando com força, me segurando. Sinto falta dela. Eu realmente sinto falta dela... Eu a amo. É Simples assim. Eu choro sozinha à noite, até dormir, desejando que eu não tivesse ido embora, desejando que ela pudesse ser diferente,desejando que estivéssemos juntos. Quanto tempo vai durar esse sentimento horrível e esmagador? Estou no purgatório. Maiara Carla, você está no trabalho! Eu devo ser forte, mas eu quero ir a exposição de Japinha, e no fundo, a masoquista em mim quer ver Marília. Tomando uma respiração profunda, eu volto para minha mesa.
De: Maiara Carla
Assunto: Amanhã
Data: 08 de junho de 2015 14:25
Para: Marília Mendonça
Oi Marília. Obrigada pelas flores, são lindas. Sim, eu gostaria de receber uma carona. Obrigada. Verifico o meu telefone, descubro que ele está programado para desviar as chamadas. Fernando está em uma reunião, então eu rapidamente ligo para Japinha. — Oi, Japinha. É Mai.
— Olá, estranha. — Seu tom é tão caloroso e acolhedor que é quase o suficiente para me empurrar para a borda novamente.— Eu não posso falar muito. A que horas devo estar lá amanhã,para sua exposição?— Você virá amanha? — Ela parece animada.— Sim, claro. — Eu sorrio meu primeiro sorriso genuíno em cinco dias, enquanto imagino seu sorriso largo.— Às sete e meia.— Vejo você depois. Adeus, Japinha.— Adeus, Mai.
De: Marília Mendonça
Assunto: Amanhã
Data: 08 de junho de 2015 14:27
Para: Maiara Carla
Cara Maiara A que horas devo buscá-la?
De: Maiara Carla
Assunto: Amanhã
Data: 08 de junho de 2015 14:32
Para: Marília Mendonça
A exposição de Japinha começa às 7:30. Que horas você sugere?
De: Marília Mendonça
Assunto: Amanhã Data: 08 de junho de 2015 14:34
Para: Maiara Carla
Cara Maiara Portland é meio longe. Vou buscá-la às 5:45. Estou ansiosa para vê-la.
De: Maiara Carla
Assunto: Amanhã
Data: 08 de junho de 2015 14:38
Para: Marília Mendonça
Vejo você então....
Oh meu Deus. Vou ver Marília, pela primeira vez em cinco dias, meu
espírito se levanta um pouco e me permito querer saber como ela está. Será que ela sentiu minha falta? Provavelmente não, não como eu senti a dela. Será que ela encontrou uma nova submissa, seja lá de onde elas venham? O pensamento é tão doloroso que eu o dispenso imediatamente. Eu olho para a pilha
de correspondência para Fernando que precisa ser classificada, e tento empurrar Marília para fora da minha cabeça, mais uma vez. Naquela noite, na cama, eu viro e reviro, tentando dormir. É a primeira vez que eu não chorei até dormir. Em minha mente, eu visualizo o rosto de Marília na última vez que a vi, quando saí do seu apartamento. Sua expressão torturada me assombra. Lembro que ela não queria que eu fosse, o que era estranho. Por que eu iria ficar quando as coisas tinham atingido tal impasse? Estávamos sempre fugindo de nossos próprios problemas, meu medo da punição, seu medo de... de quê? Amar? Virando de lado, eu abraço meu travesseiro, cheia de uma grande tristeza. Ela acha que não merece ser amada. Por que ela se sente assim? Tem algo a ver com sua criação? Com sua mãe biológica, a prostituta viciada em crack? Meus pensamentos me atormentam até as primeiras horas da madrugas, até que
finalmente, eu caio em um agitado e exausto sono. O dia se arrasta e arrasta, Fernando é extraordinariamente atencioso. Eu suspeito que é devido ao vestido ameixa de Maraisa e as botas negras de salto alto, que eu roubei do seu armário, mas eu não vou me debruçar sobre esse pensamento. Eu resolvi que iria comprar roupas com o meu primeiro salário. O vestido está mais solto em mim do que estava antes, mas eu finjo nãoperceber.Finalmente, é cinco e meia, e eu pego meu casaco e bolsa, tentando acalmar meus nervos. Eu vou vê-la!— Você tem um encontro esta noite? — Fernando pergunta enquanto ele passeia por minha mesa no seu caminho de saída. — Sim. Não. Não realmente.Ele levanta uma sobrancelha para mim, o seu interesse é claramente aberto. — Namorado? Eu ruborizo. — Não, uma amiga. Uma ex-namorada.— Talvez amanhã você pudesse tomar uma bebida depois do trabalho. Você teve uma estelar primeira semana, Mai. Devemos comemorar. — Ele sorri e alguma emoção desconhecida esvoaça em seu rosto, fazendo-me inquieta. Colocando as mãos nos bolsos, ele passa pelas portas duplas. Eu franzo a testa para as suas costas. Beber com o chefe, isso é uma boa ideia? Sacudo a cabeça. Eu tenho uma noite com Marília Mendonça para enfrentar em primeiro lugar. Como vou fazer isso? Corro para o banheiro para fazer os ajustes de última hora. No grande espelho na parede, eu dou uma olhada, muito dura em meu rosto. Eu estou com o meu jeito habitual pálida, olheiras muito grandes ao redor
dos meus olhos. Eu pareço magra, assombrada.

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