7. A promessa de um suicida

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Ano 1502, mês de Alpha, dia 7.


Kira caminha sem rumo pela floresta, atordoada pelos próprios pensamentos e as lembranças que não consegue mais evitar. Sente a garganta se fechar e o peito doer em busca do ar, que parece se recusar a entrar em seus pulmões, ofegando mais alto até cair de joelhos com as mãos no chão, permanecendo assim enquanto luta para por para dentro um pouco de ar.

— Eu tenho uma coisa para contar! — anuncia a garota de cinco anos, se levantando a frente das outras duas. — Não quero ser guerreira... eu decidi que vou ser médica! — diz triunfante e as duas a encaram incrédulas. Ninguém quer ser da equipe de apoio! Todos querem ser guerreiro, como ela pode preferir isso? Se pergunta sem saber o que dizer e Luna continua. — Se eu for médica, vou poder curar vocês quando se machucarem, e salvar a vida de um montão de gente!

Nunca entenderam sua decisão, a consideravam meio maluca por isso, mas eram amigas e isso não importava. As lágrimas que deixam seus olhos causa surpresa, quando foi a ultima vez que chorou? Que sentiu? Voltara a respirar normalmente em algum momento durante a lembrança, a pressão desaparecera, restando apenas à dor, tão forte quanto naquele dia.

— Eu tentei impedir eles, mas eu falhei... sei que tomei a melhor decisão, a mais lógica possível! Por que não sinto que foi a certa? O que faria se estivesse aqui?

— Kira?! — chama olhando para trás e parando. Kira a fita em desespero enquanto tenta se soltar, sentindo alivio e medo em igual proporção quando ela começa a voltar.

— Corre Luna! Sai daqui! — implora ao ouvi-los tão perto. A garota a ignora, segurando sua mão e começando a puxar.

Por que você voltou? Deveria ter sido eu! Por quê? Questiona-se, começando a soluçar enquanto a cena seguinte se repete em sua mente, de novo, e de novo.

Não havia chorado novamente desde aquele dia, não se permitia lembrar. Mesmo quando as memórias insistiam em visita-la encontrava uma maneira de se livrar delas o mais rápido possível. Agora, por mais que tente, não consegue evitar reviver tudo outra vez e pela primeira vez apenas deixa fluam. Quando o choro finalmente diminui, um momento, que havia se perdido nos anos que se seguiram, lhe retorna a mente.

— Eu não vou te deixar!

A memória é tão nítida que por um instante pensa ter ouvido sua voz. Foi a ultima coisa que Luna dissera! Como pode se esquecer? Ficara tão cega com a própria culpa, com o que deveria ter feito e como falhara terrivelmente naquele dia, que se esquecera do que ela fizera. Ainda é culpada, teve a chance de salvá-la e falhou, mas Luna não morreu como uma vítima, se sacrificou para salvá-la, como também teria feito por ela... e como Arthur fizera.

— Você também não era muito de seguir a razão — diz sorrindo em meio ao choro e começando a enxugar as lágrimas. — Eu sempre fui a mais inteligente, e ainda assim, sempre tomo as decisões erradas.

***

Os três espiam o acampamento inimigo a certa distancia, haviam seguido em silencio e longe do chão para não serem descobertos. Ainda estão sobre uma arvore, perderão o elemento surpresa no momento em que pisarem no chão, só têm uma chance, e precisam fazer direito. Mas agora que estão aqui, vendo o inimigo tão perto, sentem-se aflitos e a coragem ameaça abandoná-los.

Atlas não se esquecera da noite anterior, mesmo que nunca vença uma luta, jamais fugia de uma. Não tem habilidades mágicas, não é inteligente, não leva jeito com as armas e não é mais que aceitável na luta corporal, a coragem é tudo que tem, e se deixou levar pelo medo. Não faria isso de novo! Há muito tempo fizera um juramento a si mesmo, prometera que jamais fugiria ou recuaria, e até ontem, havia cumprido.

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