Naqueles dias havia um estranho presságio no ar, nada fora dito a respeito, mas todos pressentiam o augúrio que trazia, mudança. De onde viria? Tinha ela um bom palpite enquanto observava a irmã. Sua aura andava agitada, e por mais escondidas que estivessem suas intenções, naquela tarde estava especialmente nebulosa, então quando a vira sorrateiramente deixar o alojamento à noite, a seguira em silêncio até o pátio interno.
— Está indo embora — não era uma pergunta, e ela não parecia surpresa ao se virar para encará-la. Sua percepção era uma das melhores, certamente sabia que a seguia desde o início.
— Eu preciso ir — dissera simplesmente, fitando complacentemente a mais jovem. Seus olhos estavam tristes, porém, determinados.
— Não pode! Se a sacerdotisa superior souber...
Um terno adeus soara dos lábios dela, mas não respondeu enquanto corria pelos degraus do templo. Aquilo era um erro, tinha que ser, e ela a impediria! Estava tarde, mas a encontrara acordada, no altar, espreitando a neblina que se movia lentamente no centro da grande esfera, transparente e intangível sobre o pedestal.
A prisma, adormecida há séculos, havia voltado a vida como se de repente, o tempo tivesse voltado a correr. Nunca estivera de fato parado, mas a prisma do tempo mostrava apenas as grandes mudanças, e havia parado, como se estivesse quebrada desde que a luz fora arrancada daquele mundo. Este era o sinal aguardado, a profecia, tão esquecida quanto à própria ideia de paz, finalmente se cumpriria. O ciclo finalmente terminara, as engrenagens voltaram a girar e um novo tempo, estava a caminho.
Mas naquele momento, se quer se atentara a isso ao romper pelas portas do templo, chamando pela alta sacerdotisa que não parece percebê-la até que pare ofegante ao pé do altar. Vira o rosto lentamente, pousando sobre a garota, que tivera a atenção momentaneamente roubada pelo artefato a sua frente, um olhar complacente.
— Não tema criança, sua irmã recebeu um chamado.
— Mas ela está indo para as terras sem luz!
— Ela é uma filha da luz, onde quer que vá, a luz a acompanhará.
— Eu vou vê-la de novo? — perguntou, observando na prisma a silhueta, que acabara de cruzar os portões da luz.
— Temo que não. A missão de Alma a levará para muito longe, e a sua, permanece aqui — dissera sugestivamente, estendendo a mão em direção ao artefato, que respondera a sua vontade, exibindo agora o rosto da jovem que iniciava sua jornada pelo deserto.
Naquela noite, recebera também seu chamado, e embora seus caminhos jamais voltassem a se cruzar, enquanto Alma trilhava sua tortuosa jornada pelas terras sem luz, seu coração sempre estivera com ela. Às vezes mais do que deveria, por vezes perturbando seu espírito, e tentando sua carne a trair sua sagrada missão. Apesar disso, agarrou-se a seu propósito com a mesma determinação que a irmã, observando a distância, sem nunca intervir em seu destino, aguardando, até o dia em ele que viria de encontro ao seu.
Alma fora para o país de Hisótira, onde a voz que a guiara até ali se silenciara, deixando-a a mercê do caos que aquelas terras haviam se tornado. Fora difícil apenas observar quando a vira quase esquecer-se de seu propósito, nesse tempo, enquanto toda a resposta a suas preces era o silêncio, conhecera um homem e tivera uma filha. Quando o tempo de cumprir seu propósito finalmente chegou, despediu-se com a promessa de voltar.
Sua fé fora restaurada, e durante os próximos três anos fora levada de um lugar a outro, para além de Hisótira, atravessando pelo inóspito país de Canapus, até a terra de Antares. Ali, enfim descobriu o propósito que havia a trazido até ali, e soube naquele momento que sua missão estava próxima do fim. O mundo precisava ser lembrando que a luz não se fora, e de que ainda existia esperança. A profecia tinha que ser anunciada, e não seria bem recebida.
E naqueles dias essa palavra se espalhou, como vento pelas quatro nações, ressoando para todos que pudessem escutar, despertando naqueles que realmente a ouviram a fé, a muito esquecida.
Mas a esperança não foi a única a ser despertada. Afinal, nem todos buscavam a paz, e aquelas doces palavras, com cheiro de rebelião, precisavam ser apagadas. Alma nunca voltou, e ainda que pudesse, o vilarejo em que vivia fora sitiado pela guerra pouco depois que saíra. O marido foi morto, e a filha, levada para um dos abrigos militares.
Essa fora a segunda vez que seu coração se partira e seu propósito fora abalado, aquela criança, cresceria sem nunca conhecer sua origem, e nesta única vez, não fora seu bom senso que a impedira de ir até lá. Mas aquela criança, era o legado de Alma, e também tinha um propósito a cumprir.
Parte de si morrera ao observar, de longe, enquanto seu coração era tomado pelas trevas antes que se quer tivesse a chance de descobrir a luz em seu interior. Vinte e dois longos anos se passaram desde então, com habilidades desconhecidas, se tornara uma guerreira como nunca antes visto. A espada de Hisótira, fora um dos vários títulos que recebeu enquanto trilhava o caminho de sangue no qual fora ensinada.
Em uma noite de tempestade, a primeira parte da profecia finalmente se cumpriu, o herói esperado havia finalmente chegado a este mundo, e muitos foram enviados a seu encontro. Não pela esperança, mas pela ganância daqueles que nunca desejaram a paz. Mas o destino tem formas peculiares de agir, e mesmo uma centelha de luz jamais conhecida, pode despertar em momento oportuno, ainda que por um breve momento.
E enquanto abria caminho pelo inimigo, à filha desgarrada da luz, abdicou da tenebrosa missão na qual fora enviada. Um sentimento desconhecido, ecoando das profundezas do abismo que havia se tornado sua alma, lhe dizia que aquela criança não poderia se tornar uma arma de seu, ou qualquer outro país. E a decisão que tomara ali, em uma caverna em meio ao deserto, de maneira inesperada, colocaria a criança em seu próprio caminho.
A criança nunca fora encontrada, quanto a guerreira das sombras, antes de seu ultimo suspiro levara consigo todos que sobre ela sabiam. E assim como havia sido, deixara também mais uma desgarrada filha da luz, naquele mesmo ano, logo antes da fatídica missão. O legado de Alma ainda não havia acabado, pois outro, ainda maior foi iniciado ali.
Tivera um início semelhante ao da mãe, e um destino ainda mais marcado pelo sangue e as trevas, mas, havia em seu caminho pequenas centelhas que manteriam viva a luz dentro de si. Até que chegue o momento de deixá-la brilhar. A centelha desgarrada que retornaria ao lugar de origem, e mais importante do que isso, a estrela guia daquele com o maior destino de todos.
Foram ainda outros treze anos antes que o prólogo da verdadeira jornada finalmente terminasse. Ao todo, quarenta e quatro anos haviam se passado desde que Alma partira, durante esse tempo, havia trilhado seu próprio caminho e da aprendiz que se tornara naquele mesmo dia, era agora a nova alta sacerdotisa do templo da luz.
De fato, a irmã que partira nunca mais voltaria a ver, e diferente dela, sua missão era bastante longa. Muitos anos ainda observaria a distância, antes que a filha perdida da luz viesse até ela em busca de direção. Logo antes do despertar.
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Lendas de Sahra - Unificação
FantasyO torneio de graduação, um momento de tensão e empolgação que deve decidir o curso de suas vidas a partir de agora, como guerreiros, ou compondo as equipes de apoio. Onde Kira, a primeira não dominadora a conquistar o título de melhor da academia, c...