Ingrid

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Depois de apontar a direção em que Bianca e Ada deveriam seguir para encontrar a fonte do cheiro de bebida, Ingrid e Bruce partiram em busca do bando de marrentos. Os tuneis eram sinuosos, escuros e úmidos ocasionalmente davam para vertente oposta que tinham subido, quando ocorria era possível ver a estrada em que os macacos saqueavam os viajantes.

As trilhas por dentro da montanha não facilitavam em nada o caminho, muitas das direções que tomavam pareciam dar nos mesmos lugares, e havia bifurcações e encruzilhadas para todo canto, grutas que não davam em lugar algum e caminhos que levavam para direção errada. Estava certa de que estavam subindo a montanha, a temperatura havia caído um pouco e a erosão do vento e da chuva estava ficando mais aparente.

A escuridão dentro dos tuneis não era um problema, seus olhos iam se adaptando conforme a claridade diminuía. O que realmente incomodava eram os cheiros; os fungos que cresciam nos tuneis de cheiro acre; os minerais que haviam encravados nas paredes; mas o que roubava a cena e a deixava nauseada, eram os cigarros que Bruce acendia um após o outro. Na maior parte do tempo em meio ao breu completo os olhos flamejantes de Bruce e a brasa do cigarro eram os únicos pontos de luz. Um olfato muito sensível em um buraco húmido com um fumante não era o ideal, ainda mais quando era seu nariz que apontava a direção em que deveriam seguir.

Estava entediada, ficava fazendo caretas para Bruce enquanto ele não estava olhando, principalmente de nojo devido ao cheiro dos cigarros. Sabia apreciar o silêncio, mas aquilo já estava a incomodando. Bruce não estava bem quando subiram a montanha e a falta de conversa a impedia de saber se ele havia melhorado ou não. Estava preocupada e como o desprezo dele pelos marrentos era aparente, decidiu investigar mais a fundo.

-Marrentos né, já teve problemas com eles antes? – Tentou fazer a pergunta sair de maneira casual, mas se sentiu uma completa idiota depois que ouviu o que disse em voz alta.

Bruce olhou pelo canto dos olhos para ela por um instante e depois voltou sua atenção ao caminho sem perder o foco. Ele estava sempre observando o ambiente a sua volta e tomando cuidado para que não fossem surpreendidos.

-Você também tá entediada né? Eu tinha esquecido como essa parte do trabalho é chata. – Falou baixo para não chamar atenção, mas não tão baixo que ela não escutasse.

- Se tivesse alguma coisa aqui com a gente eu ia sentir o cheiro, não precisa falar tão baixo. – Ficou duas vezes irritada com a atitude dele. - E agora eu preciso estar entediada pra ter interesse na sua vida?

"É isso que ganho por tentar interagir, tomo esporro como se não soubesse fazer meu trabalho e o cretino ainda acha que estou falando com ele só pra passar o tédio", pensou.

Ele virou-se na direção dela, fazendo cara de surpreso por tê-la ofendido. -Sim, você precisa. Na maior parte do tempo se alguém tenta conversar com você, sua reação é encarar como se fosse matar a pessoa.

- Eu não sou tão cuzona assim! – Seu tom de voz levantou enquanto o encarou indignada. Antes que ele pudesse dizer qualquer outra coisa esbravejou. -E se você tiver a coragem de dizer o contrário, você pode esquecer de descer essa montanha.

Ambos ficaram sérios se encarando por um momento breve, até que começaram a dar risada. A preocupação de Ingrid diminuiu, o humor de Bruce havia melhorado nos últimos tempos, mas todos aqueles cigarros e o nervosismo pela manhã estavam a deixando aflita.

Ele estava sorrindo com mais frequência, estava bebendo menos, e recuperou um pouco de vaidade. Estava com barba aparada e havia trançado seus cabelos crespos. Ainda não era o homem elegante e imponente que ela lembrava de ver pelos corredores da Catedral, mas claramente não era o bêbado com quem lutou quando chegou em Trindade.

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