Bruce

74 1 0
                                    

Bianca havia retornado e não perdeu tempo. Ela o explicou sobre o teste na noite de sua chegada e disse que partiriam no dia seguinte antes do nascer do sol. Ada já estava recuperado, ele e Ingrid já estavam no aguardo da chegada da moça. Então, antes que as aves que Barbosa criava no fundo da estalagem começassem a cantar anunciando um novo dia, eles já estavam na estrada.

Partir de madrugada para realizar uma missão deixou Bruce nostálgico. O lembrou das missões com Nora e seus companheiros da ordem, de pegar a estrada para resolver os problemas místicos do continente. Sentimentos tão confusos começaram a inundar seu peito, afinal, foram dias com pessoas que amou tanto, amigos preciosos e alguns nunca mais poderia ver. As jornadas eram tão agradáveis, contudo, sempre que partiam era para encontrar tragédia onde quer que chegassem.

Depois de tudo que passou, observava as coisas de maneira tão diferente e sentia-se tão distante de quem foi. O que antes eram memórias felizes tornaram-se combustível para alimentar seus medos. A ansiedade começo a tomar conta de sua mente e ao olhar para os rostos de seus novos amigos, sua imaginação o levou lugares terríveis que repetiam cenas de fantasmas do passado. Demônios que habitavam sua mente fazendo-o se sentir impotente e insignificante, demônios metafóricos que pareciam muito piores que os reais que vivem no Abismo, e Bruce podia banir os seres rastejantes do abismo e ainda derrotá-los, mas não poderia fazer o mesmo com os de sua mente. Exorcizá-los requeria mais do que dizer as palavras certas e acreditar que elas baniriam o mal. Não podia fazer nada, então respirou profundamente e ficou observando os rostos de seus amigos enquanto caminhavam juntos, buscando gravar aquele momento que sentia ser tão frágil e podia escapar se piscasse.

Ada desacelerou o passo para caminhar ao seu lado, também começou a respirar profundamente, colocou a mão sobre o ombro de Bruce, fechou seus olhos e disse com tom sereno como alguém que lê uma passagem religiosa ou uma mensagem de sabedoria:

- A melhor parte de estar acordado de madrugada é que você pode pegar bolo na cozinha, sentar pra comer enquanto aprecia a brisa fresca e ninguém estar lá pra te julgar. A pior parte é que você está sozinho com seus pensamentos comendo bolo de madrugada e você vai se julgar, seu merdinha patético.

Ingrid foi pega desprevenida por aquilo e acabou dando uma risadinha engasgada. Bruce também surpreendido, mas mantendo sua seriedade respondeu:

- Não tem nenhuma cozinha e nem bolo aqui por perto, Ada. – Disse enquanto sentia a brisa agradável da madrugada em seu rosto.

- É! Mas você também não está sozinho com seus pensamentos, então não precisa deixá-los te afetar.

Ada sempre falava as coisas mais estúpidas possíveis em momentos que percebia seu mal-estar e por algum motivo aquilo sempre ajudava. Ingrid ao conseguir parar rir e se recompor,virou-se na direção deles e da mesma maneira cínica que sempre se expressava falou:

-Nós vamos sobreviver, Bruce. O destino é benevolente o suficiente pra te deixar ver aquela cidade de novo e também é sádico o suficiente pra não deixar eu me livrar de vocês.

Bruce se acalmou e os pensamentos obscuros se esvaíram aos poucos e quando o mal-estar se dissipou foi capaz de recuperar a confiança. Eles estavam certos. Ele não estava sozinho e as coisas terminariam bem, além de que ficar imaginando cenários não iria garantir nada de bom.

Bianca caminhava mais à frente. Ela virou-se por um breve momento para entender do que se tratava a comoção. Bruce reparou que olhava com desdém para cena, como se os achasse bobos. Não seria fácil conquistar o respeito dela e muito menos confiança. Buscando reprimir o que acontecia, começou a explicar a missão para Ada e Ingrid.

AmaldiçoadosOnde histórias criam vida. Descubra agora