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— passado.— ouvi ele repetir, parecia estar pensando a julgar pelas suas expressões nas vezes em que virei meu rosto em sua direção.— sabe, quando eu estava no curso, vivia imaginando o que o futuro me reservaria. Era tão inseguro que quase desisti do meu sonho e segui a carreira que o meu pai escolheu para mim. Vivia olhando para trás, para onde eu tinha certeza de que conseguiria progredir.

— O que quer dizer?

— Que o meu passado quase me fez desistir do sonho de ser policial. Não sei o que aconteceu no seu passado, mas se não foi algo positivamente memorável, é melhor ignorar. Machuca menos.

— É impressionante, como você consegue me entender dessa forma. Parece até que está me lendo com esses olhos.

Provoquei, essa era uma das formas das quais eu utilizava para fugir de certos tipos de assuntos. Procurava qualquer forma de mudar o assunto, isso já estava no automático.

— Aprendi com a minha mãe. — sorriu com ternura, ele ama falar dela enquanto estamos no escritório da delegacia, e agora, na viatura também. Não o julgo, nem todos têm a oportunidade de ter pais tão maravilhosos como ele, se eu estivesse em seu lugar, faria o mesmo sem perceber.— Escute, se precisar de alguém para desabafar, conte comigo. Afinal, somos uma dupla agora.

— Não me entenda mal, Kai. Mas, eu não sei se vou conseguir confiar em outro homem tão cedo.— me encolhi contra o banco, esperando uma reação negativa ou algo parecido. Como esperado dele, Kai soltou um eu entendo e continuo a dirigir quieto.

O que só me fez me sentir mais culpada ainda, culpada por estar sendo insensível com uma pessoa tão bondosa quanto Kai.

Droga, era pra ser um dia feliz, nós iríamos nos divertir e ajudar as pessoas, fazendo o nosso trabalho. Por que eu sempre fraquejo e volto a pensar no passado? Espero que ele não fique chateado.

Me perdoe Kai, mas eu não quero despejar toda a desgraça do meu passado em uma pessoa tão bondosa como você.

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— Graças a você, as ruas estão tranquilas hoje.— Kai comentou, me entregando um copo de café.

— Aonde arrumou isso? — questionei analisando bem o produto. Não era uma coisa comum de se encontrar na área em que estávamos.

— Ali naquela cafeteria.— apontou para uma construção humilde, decorada de maneira clássica, estilo anos 90.

— Hum, eu nunca reparei nela. Acredita?

Desde quando haviam estabelecidos nessa região? Não eram só os enormes prédios sem graça que habitavam aqui?

— Abriram recentemente. Devo admitir, o proprietário é corajoso, abrir seu comércio praticamente na cara da Yakuza.

— É o que eu diga, aparentemente eles não aparecem muito por aqui nesse horário.— conclui enquanto tomava um gole daquela bebida.— tenho peda desse senhor, quase não há movimento por aqui. Fora os nossos Yakuzas.

— Sim, eles têm hábitos noturnos. Menos trabalho para a delegacia.

— Eu não acho isso. Sabe, às vezes eu sinto uma coisa remoendo dentro de mim quando ouso as pessoas tratando esse tipo de indivíduo como se fosse um alguém de respeito, de boa índole.

— Não vou negar, também me sinto assim. Mas infelizmente não podemos simplesmente chegar e interferir. São as leis deles, nós estrangeiros somos só visitantes.

Concordei com a cabeça, já era privilégio demais para nós, que eles abrissem vagas para que pessoas de outros países pudessem viver aqui, trabalhar em suas áreas mais importantes como segurança e educação, apesar de todas as diferenças, eles depositaram sua confiança em nós. E é por isso que eu luto para protegê-los, e para pagar as minhas contas também.

— Já está escurecendo. Vai fazer alguma coisa depois que terminamos o nosso turno?

Kai começou a falar, nós estamos observando a rua. Até o momento, nada de interessante, nem mesmo havia movimento no prédio Hanayama. O que trouxe a tona a existência daquele maldito palito em minha casa. Eu iria pedir para Kate entregá-lo para o chefe da gangue, mas ela não parava em casa esses dias. Nem conversávamos mais sobre nossos dias, já que ela mal tinha tempo de passar lá em casa.

— Não sei, provavelmente Kate vai me convidar para uma social na minha própria casa.— deduzi de forma despretensiosa. Porém, algo dentro de mim avisava que provavelmente seria mais uma noite sozinha naquele apartamento.

— Quando fala sobre ela, seu rosto muda, parece até que seus olhos brilham.— sorrindo, ele ergueu sua sobrancelha esquerda. Como se estivesse vendo uma pessoa apaixonada.

E eu sou, mas não existe nenhum tipo de sentimento amoroso como o de um casal, estamos mais para sentimento parental, como o de duas irmãs inseparáveis.

— Sério? Eu nunca reparei nisso.

— Fica estampado na sua cara, o quanto você gosta dela.

— Sim, Kate é minha irmã de outra mãe.

— Irmã de outra mãe? Nunca ouvi essa expressão.— tombou sua cabeça para o lado.

— É coisa do meu país. Lá nós temos o costume de chamar nossas melhores amigas e amigos de irmã ou irmão de outra mãe, quando nossos sentimentos de amizade são tão poderosos que equivalem a laços de sangue.

— Então, nesse caso. Você é minha irmã de outra mãe.— deduziu por conta própria.

— Kai.

— O que? Você não me considera seu amigo?

— Você é muito dengoso. A sua mãe te mimou demais.— dei um soco leve em seu antebraço.

— Não sou mimado. A expressão correta é: amado demais.

Este grande bebezão está ousando passar sua felicidade na minha cara? Não vou deixar barato.

— Mimado.

— Diana.— resmungou meu nome.— eu não tenho mais idade para ser mimado.

— Você é mimado e ponto final.

Ele ficou sério, começando a me encarar, e eu apenas comecei a imita-lo. Não demorou muito para que começasse-mos a rir.

— 7 horas em ponto. Vamos, está frio e eu quero tomar um banho quentinho.— Kai disse, abrindo a porta da viatura para mim.

— Concordo. Parece que nunca vou me acostumar com o frio dessa cidade.— adentrei rapidamente ao veículo.— tão quentinho.

Coloquei minhas mãos na frente da boca, numa tentativa patética de esquenta-las. Enquanto fazia isso, ouvi uma risadinha vinda do meu parceiro, o qual eu fiz questão de encarar.

— O quê? É engraçado ver você lutando por um pouco de calor, quando você se nega a aceitar meu casaco.

— Eu não vou pegar o seu casaco, vai que você adoece. Quem vai fazer a ronda na frente do prédio da Yakuza comigo?

— Te pergunto o mesmo.

— Não sou feita de porcelana, posso suportar um friozinho.

— Se você diz. Só se cuide.

Vermelho - Kaoru HanayamaOnde histórias criam vida. Descubra agora