𝖣𝖤𝖭𝖵𝖤𝖱
¹⁹⁷⁸𝗬𝗢𝗨𝗥 𝗡𝗔𝗠𝗘
NEM POR UM MOMENTO pensei que um telefone tornaria-se meu amigo, meu aliado, alguém que poderia contar em meio a esse pesadelo vivido. Pois bem, acabei me enganando fortemente sobre essa ideia que, se alguém me contasse julgaria impossível.
Achava que espíritos ou coisas do sobrenatural não existiam, na verdade, achava até tola a ideia de alguém acreditar que seres como esses estariam no mesmo plano que nós. Eu estava errada, o que não é nenhuma novidade.
Bruce; Billy; Griffin, todos esses meninos já haviam me ajudado com alguma coisa, deixando-me o mais próximo possível de bem, tanto mentalmente quanto fisicamente.
Relembrar Billy sobre os doces que sua mãe fazia para nós foi uma benção e uma maldição ao mesmo tempo, ele não lembrava-se nem mesmo do seu nome e nem queria saber qual era. Billy, se limitou em saber apenas o nome da sua mãe e me dar uma rápida dica de como sobreviver por aqueles dias.
Griffin, escreveu a senha de sua bicicleta na parede, porém, eu tenho certeza que não irei conseguir nem chegar até o cadeado, então, de nada isso importa. Bruce comentou sobre um buraco que estava cavando e ficava repetindo sobre o braço de alguém, falava que era forte e que quase pegou ele, tentei perguntar mais alguma coisa, mas ele se lembrava de tão pouco.
Tudo isso, absolutamente tudo isso, acaba com as minhas esperanças.
— Até que é bonitinho — Comentei para a parede, já que tinha visto um desenho de bonecos de palito nela. Me aproximei lentamente, tentando entender o que estava desenhado ali.
O desenho mostrava um garoto, um garoto de cabelos longos e que, aparentemente, eram cacheados pelas curvaturas mal desenhadas na parede. Ao seu lado, tinha uma garota, mais baixa que ele e do seu outro lado, tinha mais uma menina. Uma das meninas era um pouco mais alta que a outra e tinha cabelos lisos – também mal desenhados – e havia uma seta em seu cabelo, uma seta que apontava para a palavra "loiro". A cor do cabelo da menina era loiro.
Vance.
— Não sabia que ele gostava de desenhar... — Disse, mas o telefone preto tocou novamente, me fazendo rapidamente ir em direção ao seu encontro — Alô — esperei alguns segundos, mas nada acontecia, ninguém respondia. Não sabia que fantasmas gostavam de passar trotes.
Falei mais uma vez e a resposta foi a mesma, o silêncio absoluto. Respiro fundo quase colocando novamente no gancho, porém uma voz prendeu a minha atenção.
— Você não está aqui, ainda bem — Sussurrou a voz — Como está, pirralha? — Vance perguntou. Sentei-me lentamente no chão, ainda digerindo o choque de ouvir sua voz depois de tanto tempo — Diz alguma coisa!
— Não era para você estar me ligando... Não queria que estivesse me ligando — Falei, enquanto a dor consumia o meu peito e as lágrimas embaçam a minha visão — Vance...
— Não chora, isso é para os fracos! — ordenou, me fazendo tentar esquecer o bolo que se formou em minha garganta e os pequenos feixes de água que já estavam escorrendo pelo meu rosto de forma involuntária — Você vai sair daí, ok?
— Eu não vou, eu não consigo Vance… — murmurei.
— Então quer ficar aí, garota? — ironizou.
— Eu não quero ficar aqui… — desabafei, não conseguindo mais conter as lágrimas e começar a soluçar na chamada.
Deus, como isso é bom.
Todos os dias eu tinha que acordar e esconder o que sentia, tinha que fingir que não pensava no garoto e que sua falta de presença era indiferente para mim. Aquelas arquibancadas, hoje reformadas, tinham tantas histórias, tantos bons momentos. Nos intervalos, eu sempre me encontrava lá.
— Vance, eu quero morrer, eu prefiro morrer do que passar mais um dia nesse lugar! — confessei.
— Ah, com certeza você não quer isso — comentou, dando uma breve risada sarcástica que carregava alguma dor que não pude identificar.
— Ah! Com certeza eu quero! — afirmei — Tem a porra de um psicopata atrás da minha família; meus amigos não devem ter a menor ideia do lugar onde eu estou e a porra do garoto que eu gosto me entregou para o sequestrador — desabafei, mas com certeza a parte do Robin era o menor dos problemas que me atormentava — Meu pai foi morto na ditadura; meu outro pai era a porra de um assassino e a minha mãe… Droga, a minha mãe é tão maravilhosa que não deveria ter me tido… Vance, por que eu tenho que ficar em um mundo assim? Por que eu tenho que ficar aqui sendo que nem as próprias pessoas do mundo não me querem aqui? Vance, por que? — perguntei.
Não havia tom de choro em minha voz, apesar do meu rosto e a água que cai dos meus olhos mostrarem outra coisa, também não havia pena. Porém, tinha uma raiva crescente que acompanhava a minha insatisfação. Ainda mexe um pouco saber que tudo que disse é a mais pura verdade, mas acima dessa dor existe o meu ódio rancoroso.
Vance ficou minutos calado, achei que ele tinha desligado e que a nossa conversa chegou ao fim, contudo essa ideia foi rejeitada no momento em que ouvir uma melodia ser cantarolada por ele, mesmo que tivesse durado poucos segundos.
Ele retomou a falar:
— Aqui... É um vazio, não tem nada além de um enorme vazio — começou — Eu sinto falta de vocês, sinto falta da minha mãe e do meu pai, sinto falta dos meus amigos e, principalmente, da máquina de pinball do fliperama da loja... S/n, eu não escolhi morrer, eu nem queria morrer, eu ainda tinha tantas coisas para fazer, tanta gente para conhecer e isso foi tirado de mim. Não quero que isso aconteça com minha irmãzinha.
— Irmãzinha? — repeti, um pouco surpresa.
— Sim, somos irmãos, sabe disso né pirralha? — perguntou e concordei — Ótimo. Agora para de chorar — pediu.
Respirei fundo, tentando conter as lágrimas que insistiam em cair.
Mesmo após um tempo calado, eu continuei com o telefone na mão, não queria pensar que Vance já se foi, não desse lugar claro, mas que já tinha acabado aquele momento de conversa com ele; não queria aceitar que aquela seria a minha última conversa com Vance e que aquela era a nossa última ligação juntos.
— Alô... Ainda tem alguém aí? — perguntei hesitante, se não me respondesse eu saberia que aquele era o fim.
— Claro, eu ainda estou aqui, eu sempre estou aqui — Vance respondeu.
— Eu não quero ficar sozinha — assumi.
— E não vai — garantiu — É só deixar o telefone ligado.
Sorri com as palavras do loiro, deixando o microfone longe do gancho.
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𝐌𝐘 𝐃𝐄𝐀𝐑 𝐑𝐎𝐁𝐈𝐍 | ʳᵒᵇⁱⁿ ᵃʳᵉˡˡᵃⁿᵒ
Fanfiction𝐌𝐄𝐔 𝐐𝐔𝐄𝐑𝐈𝐃𝐎 𝐑𝐎𝐁𝐈𝐍 ━━ 𝖱𝖮𝖡𝖨𝖭 𝖠𝖱𝖤𝖫𝖫𝖠𝖭𝖮 Em busca de um recomeço após os eventos traumáticos acontecidos no Brasil, uma família acaba adentrando ao Programa de Proteção a Testemunha e muda-se para a pacata cidade de Denver. P...