capítulo_XVII: A manhã

29 2 24
                                    

Acordei bem cedo no outro dia, Day ainda estava dormindo, seus longos cabelos, que estavam escondidos na touca de cetim e fugiam às mechas, uma de suas pernas estava para fora da cama, e os braços estavam abertos por cima do lençol, que se moldava às curvas de seu corpo. Já terminava de me arrumar, quando me distraí ouvindo a balbuciar bordões de batalhas, enquanto dormia, e não vi os feixes de luz acertarem seu rosto, ela enrugou o cenho e murmurou.

- Já é de manhã?

- Desculpa, não fechei as cortinas direito… Ainda é cedo… se quiser dormir mais um pouco…

Ela simplesmente virou-se para o outro lado e voltou a dormir. Já eu, fui até a sala de jantar onde é servido o café da manhã, peguei uma bandeja e coloquei comida o suficiente para nós dois e levei para o quarto. Deixei a bandeja em cima da cômoda ao lado da porta e saí mais uma vez, mas dessa vez bati na porta à frente, onde o jovem Deufir está acomodado. "Toc… toc… toc" Três batidas bem espaçadas. Mas o único som que saía do quarto era o silêncio, então ponho-me a abrir a porta, que precipitadamente ele deixou destrancada. Olho em volta e os dois quartos realmente se parecem, e o jovem ainda está dormindo. Eu me aproximo e cutuco seu ombro com o dedo, mas não surte efeito algum. Eu pego o seu punho para certificar que ainda tem pulso, dois dedos na parte interna e o polegar de apoio do outro lado do braço. O pulso estava um pouco fraco, ponho a mão em frente ao seu rosto para ver-lhe a respiração, que também parece um pouco fraca.

Droga! Se continuar nesse ritmo… Ele não dura nem uma semana, o que não é o suficiente para pegar as coisas de que precisamos e preparar a quebra da maldição. Dayla vai ficar chateada se ele morrer antes de sua, tão prometida, aventura. Sem contar que seria uma grande perda de tempo. Vou ter de tratá-lo para que não piore, é torcer para resistir por tempo suficiente.

Volto ao meu quarto e pego algumas ampolas e ervas secas, que guardo na bolsa para eventuais emergências. Fiz seis frascos de elixir, de três tipos diferentes, para serem consumidos ao longo do dia, um com etiqueta do nascer do sol, outro com o sol inteiro e o último com uma lua. O que lhe rende dois dias inteiros, terei que fazer mais depois, mas foi o que deu com o que tinha em minha bolsa.

Enfim, vou uma segunda vez ao quarto em frente, coloco três frascos no pequeno móvel do lado da cama dele, onde há um copo e uma jarra d'água. E então tento acordá-lo.

- Garoto! Acorde… Você precisa levantar!

O som da minha voz soou alto e grave, mas pareceu não fazer diferença alguma. Ele não teve nenhuma reação sequer, como se minha voz nem tivesse chegado aos seus ouvidos. Eu me aproximei e o balancei com as pontas dos dedos, e o mesmo não teve reação alguma. Provavelmente, seu coração está ficando cada vez mais fraco, então tenho que tomar medidas drásticas, como, por exemplo, o Choque-vitalu. Para efetuá-lo, primeiro retiro a coberta, depois levanto a blusa do rapaz acima do peito, meço aproximadamente dois centímetros do centro de seu peito para o meu lado direito, e com todos os cinco dedos na vertical. Pressione o local e, com a outra mão, eu pego um cristal azul de energia, que canaliza um relâmpago. Já que não possuo uma habilidade elemental, até porque isso é algo bem raro. Enfim, é só evocar o feitiço.

- Choque-vitalu… Quarenta e sete zam…

Enquanto falo, posso sentir a eletricidade atravessando meu corpo e o deixando pelos meus dedos. Quando ala passou para Deufir seu corpo se contorceu por uns cinco segundos, a coluna encurvou para frente, os ombros pressionaram para trás e os dedos se contraíram. Então, acabou e ele sentou bruscamente, sua blusa desceu e ele a apertou em seu peito. A respiração ficou fadigada, ele olhou para mim e puxou rapidamente o lençol para cima da clavícula.

- O que você fez? Meu peito... tá queimando e meu coração tá doendo!

- Acelerei seus batimentos com um choque! Seus órgãos internos estão fracos… — pego o primeiro frasco e estendo para ele — toma, isso vai amenizar as coisas por enquanto…

O garoto pega o frasco, olha a etiqueta, depois seu olhar percorre rápido para a mesa de cabeceira onde estão os outros dois, depois retorna o olhar para o vidro em sua mão.

- Eh… Obrigado por… Cuidar de mim.

Por mais que sua fala fosse amigável, sua expressão era de insegurança. Mesmo assim, ele abriu e tomou o elixir.

- Isso não é caridade… Depois que essa loucura acabar, eu te passo a conta!

- Hum — ele sorriu e a expressão de insegurança desapareceu.

- Não era piada!

- Eu sei, e que… Você me assustou quando trouxe os remédios, mas você continua o mesmo babaca de antes… E isso é meio reconfortante! — O sorriso dele ficou desajeitado, quase como se quisesse rir. Eu não entendo.

- Que seja — falei enquanto saia do quarto.

Fecho a porta do quarto dele e retorno para o meu quarto. Dayla já estava acordada e tomando café, eu me junto a ela e pego um pão e uma geleia de violeta, para acompanhar, um chá de ervas. Day olha para mim de trás da pilha de pães recheados de queijos e três tipos diferentes de carne fatiadas bem finas.

- Você só vai comer isso? Não fica com fome não? … Não entendo como você consegue comer desse jeito.

- Relaxa Day, sabe que não costumo comer muito de manhã… E a gente vai parar pro almoço mais tarde, não precisa comer como se fosse a última refeição do dia… — sorrio com meu olhar mais debochado para ela, que me retribui com uma careta.

- Mas o que você estava fazendo lá fora, afinal?

- Achei que o curioso aqui era eu!

- Engraçadinho.

- Fui acordar o garoto, nada de mais.

- Você também levou comida pra ele?

- Não mesmo! Ele que desça as escadas se estiver com fome.

Continuamos a comer e conversar, até que ouvimos duas batidas na porta, olhamos um pro outro e Dayla se encolheu atrás de dois pães. Revirei os olhos, andei até a porta e a abri. E lá estava Deufir, roçando uma perna na outra e coçando atrás da cabeça.

- Oi! Bom é que eu fui lá embaixo, mas já tinha acabado a comida, e...

- Entra aí, o Lorrem não come nada mesmo, fica à vontade! — ela o interrompeu abruptamente.

- É sério? — ele me encarou, como se esperasse permissão.

- Que seja! — falei enquanto escancarava a porta.

Ele entrou e puxou um pequeno banco para perto da mesa.

- Me diz, amor… posso te chamar de Cal? O seu nome é muito grande.

- Claro — ele sorriu empolgado.

Logo terminamos o café, pagamos a conta e pegamos o Felpudin e a carroça no estábulo. Com o sol nascendo no oeste, fomos por terra em direção ao sul, a caminho de Radamor, poderíamos ir voando, mas montugos não gostam muito de altura, e resolvi não estressá-lo por hora. Dayla sentou ao meu lado na boléia, enquanto Deufir foi atrás com minhas mercadorias. Provavelmente chegaremos lá bem na hora do almoço.

Crónica Dos Magos: Relíquia Dos MortosOnde histórias criam vida. Descubra agora