capítulo XVIII_Um pouco de história

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Radamor. Não tem como falar de Radamor sem um pouco de contexto.

O continente onde nos encontramos é Ampulhe, pelo fato de ter um formato em ampulheta. A norte fica o reino de Híbirus 4° e a sul o reino de Arterium 2°, no meio, um grande deserto intenso chamado de Basamortua. Os demônios foram soltos na floresta no extremo sul, do lado oeste do reino de Arterium. Nos primeiros anos, ficou mais concentrado nessa região, se espalhando aos poucos como uma praga. Nessa época, muitos arterianos migraram para o Norte, pois o Sul parecia perdido.

O rei, Híbirus 4°, mostrou sua "hospitalidade", mesmo havendo uma rixa entre os reinos anteriormente, recebeu o povo de Arterium, os estalando na região de maior temperatura, onde conseguiriam se adaptar melhor e lhes eram oferecidos trabalhos em lavouras. Não é luxuoso, mas era melhor do que nada.

O reino de Híbirus teve seu primeiro demônio há 40 anos, 10 anos depois do incidente. Mas as coisas só ficaram feias 5 anos mais tarde por conta da quantidade crescente. Foram mais de 16 anos de batalhas intensas com as bestas, e como não há comunicação entre as duas regiões há 19 anos, não se sabe o que aconteceu lá nesses últimos anos. Foi a última vez, desde que alguém atravessou o grande deserto. Acredito que ainda devem estar lutando, ou então descobriram um jeito de mantê-los longe, mas a maioria não quer acreditar em mais de 35 anos de batalha, muitos acreditam que eles foram completamente dizimados, trucidados.

E nessa mudança de cenário, os hibiranitas procuraram refúgio no sul, o rei Arterium 2° se sentiu obrigado a recebê-los. Radamor foi o lugar escolhido, no centro sul-sudeste, uma terra seca e quente, bem diferente do clima frio e úmido de Híbirus, e tendo apenas uma mina de carvão velha e abandonada para se trabalhar. A cidade era selada, precisando de uma licença especial ou naturalização para sair do vilarejo. E os que a conseguiram, ajudavam os que ficaram, e juntos eles deram um jeito de fazer o lugar prosperar, mesmo assim, todos que a visitam dizem que o visual de lá é pobre e feio, com barracos entulhados e cheira a enxofre, amônia e borracha queimada. Muito diferente de Tamir, a qual é o ponto de acesso dos imigrantes. Ela fica próxima à fronteira leste com o deserto, assim sendo, a primeira visão de uma cidade do reino de Arterium, arborizada, cercada de florestas e colinas, foi como ver um oásis ou uma miragem depois de atravessar o deserto.

Minha experiência como imigrante não foi comum, enquanto os outros passavam por uma triagem, eu fiz a prova para ser aceito na escola. E passei com louvor, depois ganhei minha naturalização. Enquanto os outros iam em direção a Radamor, eu estava me acomodando em um dos quartos de empregados da escola. Para mim, foi bem solitário, o único estudante morando na escola, diferente de todos.

Toda via, minha história nunca foi o que se pode chamar de comum. Fui concebido numa época difícil para o reino de Híbirus, muitos magos e guerreiros, poderosos ou não, foram convidados à batalha. Exceto claro, grávidas, menores de 12 anos, pessoas com comorbidades e maldições que os incapacitem de lutar com total eficiência, nenhum deles está em sua melhor forma e seria um desperdício de pessoal. Meu pai foi um dos magos convocados, e claro, não é negociável. Os convocados são marcados com magia, para localizá-los e evitar fugas. Não sei muito sobre meus pais, afinal minha mãe não teve oportunidade de me contar, ela poderia ter deixado uma carta mais explicativa, mas parece que ela não se apegava a detalhes, acredito ter puxado isso do meu pai. Quando meu pai partiu, minha mãe começou a tomar uma quantidade excessiva de poções, que ocasionou no seu falecimento precoce.

Caso não esteja familiarizado com o método de criação de magos, deixe-me explicar. A mulher grávida, toma uma porção controlada de "poções de energia mágica", que para um mago alimenta seu poder significativamente por um curto período de tempo, mas como a pessoa grávida tem "alguém" em formação dentro de si, essa energia mágica é absorvida pelo embrião, com isso nascem crianças com potencial mágico.

Minha mãe era uma maga formidável, então eu já seria uma criança com um bom potencial mágico, porém acredito que quando ela descobriu a morte de meu pai, não deve ter pensado direito. Quando se toma muito dessa poção, o corpo se fragiliza, levando a óbito. A maioria tem bom senso de não chegar a esse ponto, mas era uma época sombria. No dia do meu nascimento, também foi o dia em que ela morreu, antes mesmo de me dar um nome. Nem mesmo na carta que escrevera para mim, ela me chamou de algo que não fosse "filho". Recebi o meu nome quando cheguei ao orfanato, logo após meu nascimento, Edywani, uma mulher cega, dona do orfanato, deu-o para mim, ela dava nomes para todos que não os tinham.

Aos três anos, eu já estava lendo e interpretando algumas coisas, tudo porque me disseram haver uma carta, e que me entregariam quando aprendesse a ler. E ainda, descobri sobre um feitiço que garante a interpretação de qualquer escrita, criado para facilitar a pronúncia dos feitiços, que são, em sua maioria, em língua antiga, mas também serve para qualquer outra. Eu pedi para que Gádore, um dos tutores do orfanato, me ensinasse a pronúncia do feitiço. Ele achou que, por conta da idade, não fosse conseguir me enfeitiçar, mas para a surpresa de todos, eu consegui de primeira. Então, me entregaram a carta, muito a contra gosto, e nela estava escrito:

"Caro filho,

  Escrevi essa carta porque sabia que não iríamos nos conhecer.
  Seu pai se chamava Reldórem, nós dois nos amávamos muito, eu engravidei e ele foi convocado.
   Três meses depois, chegou uma carta dizendo que ele havia morrido, então fiquei furiosa. Os demônios mataram seu pai, e eu decidi me vingar dessas aberrações, mas não era forte o suficiente. Então, eu tomei algumas poções, que vão te tornar um mago tão poderoso quanto um dos "Cinco Grandes".
  Você carregará o nosso legado e nos dará a mais doce vingança, será brutal, mas satisfatória, e no mundo após a morte no abismo eu irei vibrar e celebrar sua vitória, pois ela também será minha.

Ladíla. "

A carta, mais parecia um bilhete de tão pequena, e para uma criança de três anos, nem ao menos era bom. O que queria saber, como qualquer órfã, era quem eles eram, do que gostavam, e se queriam estar comigo agora, se me amavam ou pensavam em mim antes de partirem dessa vida. A única coisa que descobri é que eles se amavam, tanto que ela traçou meu destino sem exitar, me fez órfã por amor, que irônico.

Aquela carta foi minha primeira grande decepção, então óbvio que ignorei o pedido egoísta de minha mãe.

Esses momentos nostálgicos me dão um nó no estômago, talvez por conta do que aconteceu pouco depois desse momento. Eu realmente não me sinto bem em lembrar disso. Geralmente não me comovo com situações, por mais sentimental, trágica ou violenta que seja. Mas, por se tratar do passado, acho que não posso evitar que essa angústia me consuma.

Devo ter transparecido meu desconforto, pois Day já estava me encarando a um tempo.

- Você está bem, Lorrem? Parece tenso... - ela fala, tirando as rédeas de minhas mãos, eu deixo que as tome, e ela assume a condução.

- Não é nada que requer atenção... - não devo ter sido convincente, ela intensificou o olhar como quem tenta enxergar no escuro.

- Você não quer ir para Radamor? É isso, não é?

"Não querer ir" será que é isso! Estou remoendo velhas memórias e deixando as emoções me afetarem desse jeito. Meu desgosto por esse lugar é tão grande, a ponto de me fazer ignorar a fonte de conhecimento mais importante para o trabalho?

- Não importa! É lá que está o que precisamos! - falei tanto para ela quanto para mim, tem coisa que é melhor reprimir antes que atrapalhe - além disso, é só um vilarejo...

- Entendi... - ela soou como se duvidasse de minhas afirmações - você pode tirar um cochilo até lá, ainda vai demorar um pouco, não é mesmo?

- Sim, eu posso...

Dormir pode ajudar a não me incomodar tanto com a situação. Afinal, é difícil alguém inconsciente ficar tão tenso. Pelo menos foi o que pensei, logo antes de trocar de lugar com Deufir e ir para dentro da carroça, enquanto ele assume meu lugar na boléia. E agora vou dormir um pouco, antes de chegarmos ao nosso destino.

Crónica Dos Magos: Relíquia Dos MortosOnde histórias criam vida. Descubra agora