36 - A bagunça que podemos ver.

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🖇️ | Boa leitura!

V I N N I E

Minha vida passa a funcionar de forma robótica desde que eu aceito que preciso organizar tudo o que a minha mãe deseja para o seu descanso eterno. Minha tia e minha prima estão desoladas, mas fazem o possível para me apoiarem. Eu me mantendo impassível, não derrubei nenhuma lágrima desde que tudo aconteceu. Creio que precisar cuidar dos detalhes tenha tomado bastante o meu tempo, fazendo com que não sobre espaço para pensar sobre o quão vazio me sinto.

Quando liguei para a Celine para contar o que aconteceu, percebi na chamada de vídeo que ela estava usando amarelo e que parecia feliz até demais. Um feliz do tipo forçado. Foi aí que eu decidi não contar sobre a minha mãe ainda. Seja lá o que esteja acontecendo, ela está tentando esconder. Contar sobre o falecimento da minha mãe vai lhe dar carta branca para usar preto, possibilitando que ela me afaste mais um pouco de seus próprios problemas.

Não sei se tenho conseguido manter a neutralidade das minhas emoções. Talvez ela ache que estou ficando um pouco chateado porque minha mãe tem piorado de saúde. Dá para manter isso por enquanto, mas em pouco tempo eu estarei em solo americano de novo e vou aparecer sem aviso prévio.

No funeral, familiares e amigos antigos se fizeram presentes. Despedi-me dela brevemente, não conseguia sentir que ela estava ali naquele corpo sem vida. E creio que por ter passado os últimos meses me despedindo, não sinto que precise fazer isso agora. Dissemos adeus um para o outro por tanto tempo que a dor já nem é tão insuportável assim.

Ela foi sepultada no mausoléu da família junto com seus pais e avós. Era onde queria estar. Paris é sua primeira e última casa.

Não permaneço nem um dia a mais em Paris depois disso. Consigo uma autorização judicial com um pedido médico para que eu leve Merci comigo no avião como um animal terapêutico. Parece que pessoas em estado de luto também podem conseguir isso. E por ser um cão de porte pequeno, facilitou ainda mais as coisas. Quando minha mãe viajou comigo até Paris também conseguiu por ser uma paciente em estado terminal. Ela disse que odeia a ideia de passar todas aquelas horas sabendo que Merci estaria dopado em alguma gaiola longe dela.

Desembarco na América e peço um Uber para voltar para casa. Quando desço do carro, coloco Merci na calçada e seguro sua coleira com uma mão enquanto aperto a alça da minha mochila com a outra. Olho da minha casa para a casa de Celine e decido passar lá antes.

Tudo parece igual. O tapete engraçadinho da entrada ainda está lá, um pouco menos amarelo do que antes, mas intacto. Toco a campainha e aguardo. Demora alguns segundos até alguém vir abrir. É a Celine. Olho para ela de cima a baixo, encarando a calça preta e o moletom também preto. Nos pés, meias brancas combinando.

— Você nunca usa meias combinando porque nunca encontra os pares corretos. — é a primeira coisa que digo antes de subir os olhos para o rosto dela de novo.

Celine está com os lábios entreabertos, os olhos arregalados e avermelhados como se ela não dormisse bem há algum tempo.

— E você não usa preto. — continuo. — O que aconteceu?

— Ah... eu... — balbucia ainda processando o fato de eu estar bem na sua frente.

Eu queria abraçá-la, de verdade. Queria enterrar meu rosto em seu cabelo e sentir o seu cheiro. Queria beijá-la até perder o fôlego só porque estou morrendo de saudades. Mas estou preocupado demais para ficar tão feliz em vê-la. Preciso da segurança do seu sorriso de volta.

Antes que ela me responda, ouvimos o choro da babá eletrônica que está em uma das mãos dela. Ambos olhamos para o aparelho e eu a ouço soltar um suspiro cansado e resmungar alguma coisa antes de dar as costas e ir direto para a escada.

Beautiful Girl ᵛᶦⁿⁿᶦᵉ ʰᵃᶜᵏᵉʳOnde histórias criam vida. Descubra agora