30 - Viver antes de morrer.

1.1K 94 8
                                    


🖇 | Boa leitura!

V I N N I E

Levanto pela manhã para trabalhar como se estivesse carregando um saco de pedras amarrado aos meus pés. A noite anterior não foi nada tranquila e eu dormi tão mal que quando achei estar pegando no sono o meu despertador tocou. Depois de me arrumar, tomar café da manhã e encher o pote de ração do Merci, eu saio de casa. Vejo um carro parado não muito longe e quando olho para a entrada da casa de Celine, avisto James prestes a tocar a campainha. É súbito o excesso de raiva que sobe pelo meu pescoço. Ele sorri e acena como se fôssemos grandes amigos e eu o ignoro totalmente, seguindo para o meu carro.

Coloco minha mente inteira para focar no trabalho e só relaxo um pouco no horário de almoço. Passo no restaurante favorito da minha mãe e vou direto para o hospital. Quero comemorar com ela o novo plano de saúde, talvez seja a conversa mais leve que teremos em tempos. Entretanto, a história é outra quando chego e sou informado de que o plano não entrou em vigor ainda porque a minha mãe se recusa a assinar a liberação.

Vou direto para o seu quarto e ela sorri assim que eu abro a porta. Hoje é um daqueles dias em que ela parece mais saudável do que realmente está, com o rosto corado e os olhos bem abertos e descansados.

— Oi, mamãe. — me acomodo na poltrona ao lado da cama. — Você viu que eu consegui um plano melhor? É incrível, não acha?

— Ah, sim. — assente.

— E por que não liberou o uso?

— Vinnie, mon amour — estende sua mão para que eu a segure.

Cubro sua mão frágil com as minhas e ela me encara com um sorriso despreocupado, como se o que vai me dizer não fosse nada demais.

— Eu estou cansada demais para continuar tentando sobreviver. Eu quero sair daqui enquanto ainda posso andar e fazer coisas divertidas, rever o lugar onde eu cresci, viver antes de morrer.

— O que? — pisco, a preocupação aperta o meu peito e meus olhos ardem se enchendo de lágrimas. — Como assim?

— Todo esse tratamento sempre me deixa muito mal, odeio os efeitos colaterais, odeio sempre me sentir cansada como se dormir nunca fosse o bastante. Além disso, a quimioterapia faz tudo doer. Eu não quero que a última coisa que eu sinta em vida seja dor.

— Você não vai morrer. — minha voz embarga. — Esse plano é melhor e...

— E pode ser tão ineficaz quanto o anterior. Isso não se trata de quanto dinheiro você investe na minha saúde, filho. O meu corpo já não aguenta mais há muito tempo, eu só quero aceitar isso e aproveitar o fim.

— Mas... — começo a negar com a cabeça e fico de pé andando de um lado para o outro. — Você falou com o terapeuta do hospital? Falou sobre essa decisão?

— Sim. — assente e mantém o sorriso tranquilo. — Tenho total certeza de que isso é o melhor que eu posso fazer por mim mesma.

— Não, mãe, as coisas não precisam ser assim. — estou a beira das lágrimas.

— Eu entendo que é impactante ouvir alguém dizer que aceita a morte, mas não é isso o que todos nós teremos que fazer um dia? Eu não quero brigar pela minha vida sabendo que ela já está tão frágil e me fazendo sentir tão mal. Sabe, não sei se isso é psicológico, mas desde que eu tomei a decisão de aceitar morrer me sinto muito mais leve. — suspira. — É como se o câncer tivesse resolvido parar de brigar comigo por um tempo porque sabe que venceu a guerra.

— Mas... não... — minha visão embaça por causa das lágrimas e eu as deixo cair e molhar a minha face. — Você não pode fazer isso. Eu não posso viver sem você.

— Vinnie. — sorri de forma triste. — Sei que te criei muito bem. Você se tornou um homem bom de quem eu tenho muito orgulho. E por muito tempo eu tive medo de morrer e te deixar sozinho nesse mundo, mas você não está mais sozinho. Se eu for embora amanhã, sei que você vai ter para onde voltar no fim do dia. — seu sorriso se torna mais alegre. — Isso me deixa tranquila, posso descansar em paz.

Minha cabeça viaja até a imagem da Celine segurando a Bela no colo. Sim, é isso que eu quero ver todo santo dia, mas não significa que eu esteja pronto para me despedir da minha mãe. É coisa demais para processar, sinto uma agonia severa crescendo dentro de mim e tenho total consciência do pensamento de que eu talvez possa implicar aos médicos que a minha mãe não está em suas perfeitas faculdades mentais para tirar dela o direito de escolher ou não o tratamento. Mas isso seria injusto e não estaria fazendo por ela. Basta olhar nos seus olhos agora e qualquer um sabe que ela está fazendo isso com plena certeza, sua mente mais sã do que jamais esteve.

— Preciso de um tempo. — digo desviando os olhos para qualquer lugar que não seja ela. Olhá-la nesse momento dói.

— Tudo bem, filho. — suspira. — Leve o tempo que precisar para lidar com isso. Mas eu espero que entenda que eu não vou mudar a minha decisão. Passei toda a minha vida colocando você em primeiro lugar, Vinnie, e eu jamais vou me arrepender disso. Mas agora eu tenho que pensar em mim e é isso o que eu quero.

Não sou capaz de fazer nada além de balançar a minha cabeça. Dou meia volta e saio do quarto. Puxo o ar para os meus pulmões algumas vezes e deixo mais lágrimas rolaram. As pessoas passam por mim alheias ao que está acontecendo, provavelmente já acostumadas com esse tipo de cena no corredor de um hospital.

Quando tomo coragem, vou atrás do médico que cuida do caso da minha mãe. Quero estar ciente do que vai acontecer quando o tratamento for encerrado, de que maneira o corpo dela vai reagir e o mais importante, quanto tempo ela pode aguentar. É terrível ouvir ele dar apenas dois ou três meses de vida para ela sem o tratamento. Três meses se tiver sorte, foram suas exatas palavras.

Não consigo entender como alguém consegue apenas desistir de si mesmo, parece uma realidade totalmente distante da minha. Sei que ela passou todos esses anos lutando contra a doença e que provavelmente está cansada de tudo, mas escolher morrer? Quem escolhe morrer? E por que tinha que ser logo a minha mãe?

Decido ser racional e aceitar que a escolha não é minha e que apesar de sentir tudo em meu peito se partir em mil pedaços, preciso aceitar o que é melhor para ela. Devo jogar minhas emoções bem fundo por enquanto e apenas pensar no bem-estar da minha mãe, coisa que foi a minha única preocupação desde que iniciamos essa luta e que não deixará de ser apenas porque agora ela está seguindo um caminho que eu jamais pensaria em seguir.

Acompanho o médico até o quarto dela e observo enquanto ele explica tudo pelo que deve ser a décima vez. Minha mãe está mais confiante do que eu jamais a vi antes e mesmo com o homem na sua frente repetindo diversas vezes o seu curto tempo de vida, ela insiste que precisa parar por aqui. Fico no canto do quarto olhando aquela conversa com o coração martelando forte contra a minha caixa torácica e a respiração ofegante como se alguém segurasse a minha garganta com força. Tudo dentro de mim parece gritar enquanto o meu exterior se mantém quieto e pacífico.

Beautiful Girl ᵛᶦⁿⁿᶦᵉ ʰᵃᶜᵏᵉʳOnde histórias criam vida. Descubra agora