𝐌𝐄𝐍𝐈𝐍𝐀 𝐕𝐄𝐍𝐄𝐍𝐎
Há algo sobre este lugar.
Há algo sobre nós dois neste lugar.
Há algo quase espiritual neste lugar.
Há poesia neste local.
Há você e eu neste local.
Este lugar não nos pertence, somos nós que pertencemos a ele.
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SÃO PAULO
Mudar. Fazer ou sofrer modificações. Modificar-se; alterar-se. Tudo aquilo que sofre uma mudança, que não continua igual. Aurora admirava como sua vida, que anos atrás não chegava nem perto do que ela vivia hoje, havia mudado tanto.
Aurora não nasceu em berço de ouro. A história não começou com ela. Elas nunca começam. Não nascemos do nada e no nada, a liberdade não passa de uma ilusão. Para o bem ou para o mal, estamos atados a nossos progenitores por fios invisíveis.
A história de Aurora Lima, assim como a de muitas pessoas, começou com a de seus pais. E com os pais deles antes disso. E assim predecessoramente. Começou décadas atrás, bem antes dela imaginar existir e a amarrou, desde o momento em que foi concebida, ao legado de sua família. Ela não vinha de uma família rica, não era uma filhinha de papai e assim como seus antepassados, teve que batalhar muito para chegar onde estava.
Nascida na Comunidade Vitória, em Ribeirão Preto, ela teve que aprender desde muito cedo a conviver com os olhares de julgamento das pessoas e com as piadinhas de mau gosto sobre sua origem oriental. Aurora não se lembrava de muita coisa da sua infância, mas definitivamente se lembrava do medo. Vivendo constantemente em uma linha tênue entre a violência e a pacificação, ela não sabia se devia confiar nas pessoas que se denominavam "os donos" da comunidade ou se deveria confiar na polícia que teoricamente estava ali para "proteger a população".
O medo era aquela angústia familiar que se escondia dentro dela, às vezes ela até se esquecia que ele estava lá, até sentir o peito apertar e temer perder tudo que tinha. Sobreviver era difícil e cansativo. E quando se era uma jovem de periferia que não tinha onde cair morta, o mundo parecia muito mais ameaçador.
Enquanto crescia, Aurora se tornou consciente de que sempre corria o risco de ser um alvo. Primeiro por ser uma jovem periférica, segundo por ser mulher, e terceiro pelas escolhas que fez em sua vida. Uma garota se metendo na cena rap em 2023 não era bem visto, mas uma garota se metendo na cena do rap em 2016 era pior ainda. Aurora conseguia se lembrar claramente de todas as vezes que foi parada pela polícia ao voltar das batalhas com seus amigos, todas as vezes que foi ofendida por algum policial e até mesmo ameaçada pelos mesmos.
