Em Meio Ao Mistério

22: Garrafas quebradas

    Com atenção eu observava meu reflexo no espelho de formato oval com uma delicada moldura na cor preta, meus olhos vagavam calmamente por meu rosto observando as gotas de uma água desconfortavelmente gelada escorrer por minha pele como se aquilo fosse a coisa mais interessante que eu tinha para ver agora.

    Não fazia ideia em qual momento havia pego no sono, mas as pálpebras avermelhadas e o rosto levemente inchado indicavam que havia sido enquanto chorava na cama. Uma dor semelhante a de uma manhã de ressaca se espalhava por minha cabeça e o cansaço mais uma vez pousava em meus ombros deixando ali um peso, como se meu corpo estivesse constantemente sendo empurrado para baixo.

   Minha vontade era de me jogar no chão, me esconder embaixo da cama e nunca mais sair, acreditar que tenho cinco anos e que esse é o melhor esconderijo do mundo onde ninguém será capaz de me achar e eu estarei totalmente segura. Mas, o reflexo em minha frente me jogava um balde de água fria e eu me via novamente como uma pessoa adulta, cheia de problemas e que se quer cabe mais embaixo da cama.

   Sequei meu rosto com a toalha e sai do banheiro voltando para o "quarto", pela pequena abertura das cortinas em frente a janela pude ver a escuridão da noite enquanto os flocos de neve caiam lentamente sem cessar. Cansada, me sentei confortavelmente no sofá enquanto desbloqueava a tela de meu celular.

   O relógio marcava quase três horas da manhã e precisei respirar fundo constantes vezes para mandar embora a frustração, eu sabia que não iria mais conseguir dormir, era uma missão impossível voltar a pegar no sono depois que eu acordava durante a madrugada.

   Meus olhos vagaram pela cama encontrando em meio aos lençóis uma cartela quase vazia de comprimidos de uma leve cor de creme, mais especificamente calmantes, que eram a única coisa que me fazia dormir por milagrosas quatro horas seguidas e tenho a certeza que se não fosse eles eu nem chegaria a tanto.

   Eu poderia tomar outro e voltar para cama por mais algumas horas, mas o arrependimento de uma dose muito forte viria ao acordar quando um enjoo insuportável consumiria todo o meu corpo junto de uma sensação semelhante a de estar anestesiada, completamente dopada.

   Sai da concentração de pensamentos quando assim que abri a conversa de Bryan avistei uma foto que ele havia me enviado com a simples legenda de um coração vermelho.  A imagem nos mostrava a uns dois anos atrás rindo divertidamente na cozinha da padaria quando o dono do estabelecimento abriu um mini curso de confeitaria, como na época eu era uma das pessoas mais divertidas e ocupadas da cidade eu me metia em tudo que aparecia e consequentemente carregava Bryan junto comigo.

    Não sei se consigo contar as mil coisas que fizemos juntos mas na lista está programas inesquecíveis como salva vidas na piscina infantil pois era a única que conseguíamos entrar sem nos afogarmos, até hoje não faço ideia como a organização permitiu que duas pessoas que não sabem nadar pudessem ficar encarregadas de salvar criancinhas.

   Com um sorriso no rosto em um momento nostálgico, resolvi abrir a galeria e deslizar entre as fotos em busca de minhas antigas e divertidas versões. Haviam várias fotos do meu passado, de uma pessoa que já não existe mais onde ela se empolgava como líder de torcida do time da escola ou que amava dar aula de ballet para as meninas na igreja da cidade. Era tão estranho observar a diferença entre a garota que estava nessas imagens e a que sou agora.

   Na foto eu tinha um corpo perfeito, com curvas na medida certa, um brilho excelente de cabelos bem cuidados e uma pele rosada e saudável. Agora, aqui, minha roupas já não cabiam mais de tão folgadas pela perca de peso, meu cabelo grita por misericórdia a cada dia e minha pele se assemelha a uma pessoa doente que não pega sol a anos pela tonalidade mais esbranquiçada. Eu estava acabada, destruída e no fundo do poço.