43: Lembranças aos cantos

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    Uma vez, em algum lugar, eu li que quando estamos com o corpo muito tenso onde nossos músculos ficam doloridos um banho com água quente pode ajudar a relaxar um pouco. Mas como ultimamente as situações não tem ficado a meu favor, nem o banho mais quente que a temperatura do chuveiro podia me proporcionar estava ajudando. 

   Meu corpo inteiro doía, meu pescoço transmitia uma dor aguda toda vez em que eu tentava virá-lo para o lado, meus ombros rígidos pareciam cansados e meu maxilar tensionado fazia meus dentes doerem de tão pressionados que ficavam involuntariamente, até mesmo minhas pernas me faziam temer que em qualquer passo eu perdesse as forças e caísse pelo chão.

   Mas acho que nenhuma dor física era capaz de chegar perto da dor emocional que consumia e se espalhava por cada gota de sangue que corria por meu corpo. Meu coração parecia estar se espremendo em minha caixa torácica, isso me causava falta de ar, e a falta de ar me gerava dores de cabeça e tontura.

   No final tudo estava se misturando e tudo intensificava ainda mais o meu desespero, a minha culpa e também a vergonha. 

   Em cada segundo que meus olhos se fechavam eu via a imagem de Cristopher, via seu olhar furioso sobre de mim, lembrava do formigamento em minha cabeça causado pela sua força em puxar o meu cabelo. Sentia sua raiva queimar em minha pele, todo o seu ódio reprimido e prestes a explodir. 

   A verdade é que eu senti muito medo naquele momento, mas no fundo eu compreendia a sua raiva. Vivíamos nesse eterno looping de raiva e compreensão. Onde eu o acusava, ele ficava com raiva, e mesmo com toda sua reação de ódio eu ainda conseguia compreendê-lo. Porque a verdade é que eu era a culpada.

   Eu andava tão desesperada por uma pista que não ter nada me deixava a pilha de nervos, isso me fazia acreditar em qualquer mínimo e impossível detalhe que alguém me contasse. Se qualquer pessoa encontrasse uma camisa velha manchada com ketchup perto do local do crime e me falasse que a mancha na verdade era sangue e que aquela era a roupa do assassino, eu com certeza acreditaria, porque aquilo seria tudo o que eu tinha. 

   O problema é que de toda forma, Cristopher estava mentindo para mim desde o início. Ele conhecia o meu pai, sabia de tudo o que estava prestes a acontecer e o que aconteceu, ele me conheceu, viu meu desespero, viu as ameaças que eu recebia e sabia que eu também seria assassinada no final. E mesmo assim, durante todo esse tempo, ele se negou a me contar qualquer coisa. 

   Que razões ele teria para esconder e mentir? Mesmo que eu não seja capaz de fazer nada, mesmo que eu não tenha forças para lutar contra um psicopata, ele poderia me contar toda a história por trás desse caos. Eu merecia saber. 

— Emilly? — a voz de Bryan veio do outro lado da porta seguida por duas leves batidas na madeira — Está tudo bem aí?

   Havíamos chegado na cabana a mais de meia hora e desde então eu havia me trancado no banheiro, meus dedos já estavam com marcas irregulares devido a grande quantidade de tempo que ficaram molhados, olhando ao redor pude notar uma fina fumaça cinza preenchendo todo o cômodo e sobre a pia o espelho estava completamente embaçado devido a alta temperatura.

— Está sim — usei um tom um pouco alto para que ele me ouvisse e finalmente desliguei o registro para que a água parasse de cair sobre mim — Já irei sair, não se preocupe 

   Esperei que a maioria das gotas escorressem por minha pele e enrolei a toalha branca em volta de meu corpo, caminhei até o espelho e passei minha mão pelo vidro tirando um pouco do rastro embaçado para que pudesse ver a situação do meu rosto. 

— Olha, eu arrumei todas as coisas que eu consegui, você vai ficar bem se eu for em casa buscar o meu irmão para ajudar a levar as suas malas? 

   Mesmo sem vê-lo eu podia sentir que a aflição estava o dominando, havia um resquício de medo e preocupação quase imperceptível que saia em sua voz calma.

— Pode ir, não se preocupe — encarei no reflexo meus olhos cansados e um forçado sorriso que se formava em meus lábios — Vou terminar de organizar tudo até você chegar, ficarei bem 

— Ok, estou indo — respondeu após alguns segundos de silêncio perturbador — Mas voltaremos logo

   Apenas murmurei em concordância sem nem saber se ele conseguia realmente me ouvir, escutei seus passos se afastando até a porta e por fim ela se fechando. Automaticamente meu sorriso foi se desfazendo assim como a empolgação que se disfarçava em minha voz para que meu amigo acreditasse. 

   Eu amava tanto o Bryan, sentia que ele era um pedaço de mim, sabia que ele era o irmão ao qual eu nunca pude ter e que isso o tornou um dos maiores pilares para me apoiar em qualquer situação difícil. E sentir e saber isso só fazia doer mais ainda quando eu imaginava sua reação ao saber que eu iria embora. 

   Desde que saímos da delegacia e eu lhe contei o que havia acontecido entre mim e Cristopher na pequena enfermaria, Bryan insistiu mais do que tudo para que eu ficasse em sua casa, eu sabia que seus pais não se incomodariam com isso e que na verdade seria ótimo ter a companhia de todos eles. Mas eu não podia, de forma alguma, coloca-los em perigo.

   Ultimamente tenho sentido que todos ao meu redor correm risco devido a esse psicopata, e era um fato que Turner era o único realmente e competentemente capaz de me proteger. Eu morreria se soubesse que Bryan ou sua família foram prejudicados por minha culpa, e por isso, não posso ficar com eles por muito tempo. 

   Levarei apenas dois dias para decidir o que realmente seria essencial para se levar, para transferir algum dinheiro da conta do me pai até a minha e decidir definitivamente para onde ir.  

   Aqui já não era mais o meu lugar, já não havia mais nada para mim nessa cidade, sei que Bryan entenderia toda a bagunça que está alojada em minha mente e por mais difícil que seja ele aceitaria minha escolha. 

   Sai do banheiro sentindo o contraste do ar gelado tocando meu corpo, vesti uma calça, camisa de mangas até os pulsos e pelo frio fui obrigada a colocar três pares de meia para aquecer. Sobre a cama duas malas estavam abertas mostrando seu interior cheio de roupas dobradas e guardadas por meu amigo cuidadosamente.

   Para distrair minha mente barulhenta decidi fazer uma faxina pela cabana, o relógio mostrava que ainda faltava duas horas para o limite do prazo que Cristopher havia me dado, não queria ir embora e deixar tudo sujo e bagunçado. 

   Comecei pela pequena cozinha, lavando e secando as louças, em seguida retirei da geladeira alguns mantimentos que havia aberto como leite, achocolato e coisas assim. Limpei o banheiro secando o box e o espelho que seguia manchado, organizei os produtos de higiene no pequeno armário e parti para o quarto/sala. 

   Ainda sobre a mesa de madeira o bolo que eu e Turner fizemos durante a madrugada permanecia intacto, algo tão bobo e tão comum foi capaz de despertar todo o turbilhão de pensamentos que eu estava aprisionando, sobre a cama bagunçada o casaco que eu usava para dormir ainda estava jogado me trazendo a lembrança de quando as mãos pesadas do detetive o arrancaram de meu corpo. 

    Cada mínimo centímetro de espaço da cabana me fazia lembrar daquele homem. A cozinha significava os beijos em forma de pedidos de desculpa por ter falado de forma grosseira comigo, o banheiro me lembrava do toque macio de seus dedos ao ensaboar meu cabelo quando tomamos banho juntos, e a cama... Não havia sequer como descrever o que eu sentia ao olhar para os lençóis, toda a conexão imensa que criamos foi iniciada e quebrada em um período de menos de vinte e quatro horas. 

   Cada átomo do meu corpo amava Cristopher Turner, e ao mesmo tempo em que esse sentimento completava minha alma vazia ele me destruía em milhares de pedaços mais uma vez. 

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