47: Entre as árvores

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    O imenso escuro da cabana era cortado apenas por uma vela acesa acima do criado mudo do pequeno quarto, onde meu corpo encolhido abaixo da coberta se mantinha paralisado, meus olhos arregalados se juntavam com meus ouvidos atentos em uma tentativa de descobrir de onde saiu o barulho que me fez acordar assustada as duas horas da manhã.

   O amigável silêncio me fez acreditar por rápidos segundos que nada havia acontecido e meu despertar foi causado apenas por um sonho ruim, o problema é que essa sensação foi nocauteada pelo som de pesados passos rodeando a cabana. 

   Meu corpo rastejou pela cama, meus pés cobertos por meias tocaram o chão frio e meus dedos trêmulos envolveram o metal prateado que mantinha a vela. Trazendo a chama laranja para mais perto do meu rosto, pude ter um pouco mais de visão sobre o ambiente.

   Respirei fundo e caminhei lentamente para fora do quarto emergindo no vazio e escuro da sala de estar, os passos afundando na neve ao redor indicavam que ele estava indo para a porta de entrada. A ansiedade por vê-lo e finalmente poder por uma forma no rosto desconhecido que assombrava meus sonhos fazia meu estômago formigar junto de meus pelos se arrepiarem pelo corpo. 

   Já se passaram seis semanas desde que me "mudei" para a cabana de campo, um mês e meio que tenho observado através das brechas da janela à espera de que ele aparecesse entre as árvores. Quarenta e cinco dias em que venho aceitando minha decisão, acreditando que não havia escapatória para meu "assassinato/suicídio".

   De toda forma eu sabia que cedo ou tarde ele me encontraria aqui, vivíamos em uma eterna caçada na cidade, onde nenhum lugar era o suficiente para me esconder. Começamos essa caça de gato e rato em minha casa, passando para a pousada e terminando em Cristopher, sua persistência em me encontrar nunca falhou, estando sempre com um pé a minha frente e outro atrás, me perseguindo, me caçando. 

    Era irônico que neste mês aqui ele me deixou em "paz", não houve ameaças e nem nenhuma morte assustadora na cidade. Bryan ficou responsável por me contar caso visse algo de estranho ou suspeito pelas ruas, mas tudo parecia calmo demais. Como se soubesse que meu desespero para vir morar no meio do nada era pra me entregar em uma bandeja para ele.

   Talvez ele tenha me deixado viver uns dias sozinha, presa entre essas quatro paredes com meus pensamentos, medos, angústias e saudades. Para antes de morrer, ter um pouco da paz e tranquilidade que eu tanto vinha implorando. 

   Mas agora, aparentemente assim como aconteceu ao meu pai, meu tempo havia se esgotado, e ele estava aqui para finalmente acabar com nossa parte da família Morton que existiu naquela pequena cidade.

   A maçaneta à minha frente girou, abrindo a porta de madeira que agora nos separava. Uma lágrima solitária escorreu de meus olhos, lembrando de Bryan e em como ele sentiria a minha falta, talvez o desespero por não saber onde eu estaria, com quem eu estaria e o que de fato havia acontecido. 

   O frio da madrugada tomou a cabana fazendo a calma chama da vela em minhas mãos se movimentar, ameaçando apagar e me deixar no escuro. Quando a porta foi aberta a silhueta masculina me causou calafrios, a mão livre da maçaneta pendia ao lado de seu tronco, segurando uma pistola que brilhava seu prateado entre a escuridão.

   Meus olhos subiram pelo corpo forte, me dando a garantia de que mesmo se eu quisesse não haveria como lutar para sobreviver. O rosto pálido à minha frente me lançou um sorriso cínico, que ao fundo escondia uma raiva interna.  

Vo... você.

   Tentei buscar palavras, frases ou qualquer coisa que fizesse sentido em meus lábios.

Em Meio Ao MistérioOnde histórias criam vida. Descubra agora