45: Memórias aos cantos

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    Meus olhos cansados e levemente inchados ardiam pela quantidade de lágrimas que marejavam prestes a escorrer por minha pele mais uma vez, meus dedos trêmulos percorriam o estofado macio da poltrona marrom que ficava direcionada para a televisão da sala. Eu estava em casa, mais especificamente paralisada perto da porta de entrada, observando com atenção todos os pedaços quebrados de jarros, fotografias e decorações que se espalhavam pelo carpete.

   Mesmo depois de algum tempo me obrigando a aceitar que aqui já não era mais o meu lugar, eu ainda sentia o aperto em meu coração em relembrar de toda as vezes que meu pai descia para tomar café da manhã comigo, dos beijos macios em minha testa seguidos de um "bom dia meu amor", os seus dedos calorosos acariciando minha cabeça e desalinhando meu cabelo. Ainda doía em lembrar da minha infância correndo pela casa, do balanço que tínhamos preso na arvore do quintal, até mesmo lembrar de Madeline reclamando comigo por qualquer besteira e de seu cachorro a seguindo para cada canto me causava saudades.

   Toda a sensação especial que tinha nessa casa, onde praticamente nasci e cresci, havia sido arrancada de mim, deixando apenas um incomodo em ver todas as flores jogadas pelo chão, sem vida pela falta de cuidados. 

   O som de passos no andar de cima me fez abrir os olhos voltando a realidade depois de uma enxurrada de boas lembranças, soluços involuntários escaparam por minha garganta enquanto pelo canto do olho pude notar Bryan descer as escadas com sua mochila em mãos. As câmeras de segurança haviam sido instaladas em pontos estratégicos e bem escondidos. 

   Meu melhor amigo passou por mim sem falar nada e se dirigiu até a cozinha, um clima estranho e pesado pairava sobre nós desde o momento em que acordamos pela manhã. Tudo começou ontem a noite depois que ele e Blake me levaram para casa, em meio a conversas e desabafos para amenizar o peso de meu coração, confessei que iria embora da cidade em busca de ao menos um pouco de paz. 

    Obviamente, Bryan surtou com a informação. Em meio a uma breve discussão seu argumento era de que eu não poderia desistir de tudo agora, que lá fora eu não teria alguém para me ajudar já que ele não podia ir comigo, que tínhamos de continuar tentando sem desistir pelo caminho. 

   Eu sei que poderia acreditar nele, que mais uma em incontáveis vezes eu poderia me agarrar as esperanças de que esse pesadelo vai chegar ao fim, eu deveria pensar positivo e seguir meus dias torcendo para boas noticias chegarem. O problema é que já me sinto exausta de acreditar e no final me decepcionar mais ainda, de chegar perto e sentir o gosto da vitória tocar a ponta da minha língua e de repente ser jogada para o mais longe possível. 

   Ir embora dessa cidade que só me causa o pânico de andar pelas ruas e falar com as pessoas era minha melhor opção. Aqui já não me restava família, amigos, vida social, emprego ou qualquer outra coisa que fosse. Então só me resta ir, ficar longe da calçada onde o corpo sem vida de meu pai foi deixado e longe da casa que agora me causa arrepios.

   Foi preciso um bom tempo para "convencer" Bryan e Blake de que eu voltaria depois de algum tempo, que só precisava esfriar um pouco minha mente fora dessa pequena cidade e talvez, depois de alguns meses voltar e recomeçar do zero.

   Após afirmarem que entendiam em meio a um choro compartilhado nos deitamos os três na cama de casal do irmão mais velho tentando dormir no fim de um dia completamente bagunçado. Pela manhã quando decidimos vir até minha casa pude sentir que nossa relação estava estranha, Bryan não me encarava nos olhos, não havia interesse em nenhuma conversa aleatória que costumamos ter. Hoje eu mal pude ouvir a sua voz.

   Não bastando todo o caos que se instalava em meu peito, agora a culpa continuava a me consumir, como eu poderia ir embora sabendo que meu melhor amigo esta chateado comigo? Como eu posso ir sabendo que existe uma possibilidade de nunca mais vê-lo e nosso ultimo momento juntos será dessa forma?

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