LARANJA ULTRAFORTE

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ALGUMAS HORAS MAIS TARDE

— Como você vai andar de bicicleta sem a sua? — Perguntei antes que ela se aproximasse ainda mais, evitando que o silêncio nos envolvesse completamente.

— Ué, com a sua, né? — Lisa deu de ombro.

E eu? — Me senti um pouco excluída.

— Ué. — Lisa deu de ombros novamente. — Comigo.


●●●


Montei na bicicleta, sentindo minhas pernas absurdamente trêmulas. Internamente, rezei para que Lisa Manobal não notasse esse pequeno detalhe. Tive que abraçá-la pela cintura enquanto ela pedalava, e meu cabelo começou a dançar no vento que soprava, à medida que ela ganhava velocidade. Não foi apenas o meu cabelo que dançou com o vento, os de Lisa também se soltaram para uma "dança própria", trazendo consigo o perfume único dela e me atingindo em cheio no banco de carona da bicicleta.

Eu colidi contra as costas de Lisa Manobal, deitando a minha cabeça ali mesmo, capturando o máximo que pude da paisagem laranja ultraforte que estava no céu.

Ela se inclinou para tentar me olhar algumas vezes, mas não disse nada. O coração dela batia calmo perto dos meus braços enlaçados.
O meu batia acelerado contra as costas dela.

O entardecer pintava o céu com tons cálidos, enquanto Lisa pedalava. Tudo com Lisa era dez vezes mais bonito. E eu queria saber o porquê. E não queria também. Nem tudo precisa ser compreendido.

Do mesmo jeito que nem todos os asteroides destroem tudo. Eu sei disso porque colidi com Lisa Manobal bem agora. E, às vezes, colidir pode ser extraordinário.

Fui remontando todas as situações em que vi Lisa pela cidade, durante todo o nosso caminho até sei lá onde (já que era ela quem nos guiava). E, em uma velocidade menor, atravessamos o caminho da praia. A cada pedalada, o murmúrio suave do mar sussurrava promessas de aventura e segredos ainda não revelados.

Lisa inclinou um pouco a cabeça, tentando me ver. Nossos rostos se encostaram um pouco e foi estranhamente aconchegante. Fora que o cheiro dela no ar ficou ainda mais forte, assim, pertinho de mim.

— Você tá viva? — Perguntou, e eu percebi que ela estava sorrindo.

— Muito. — Respirei fundo. E repeti baixinho pra mim mesma: — Muito.

Paramos, olhando para o horizonte. Estava laranja ultraforte no pôr do sol. Os raios laranja ultraforte que banhavam a costa começaram a se metamorfosear inesperadamente diante de nossos olhos. Lentamente, as cores intensas transmutaram para uma tonalidade rosa ultraforte. Era vibrante, inesquecível e imprevisível.

O brilho rosa intenso, logo cedeu lugar a raios ultravioleta, e a paisagem transformou-se novamente.

— Você achou o seu laranja ultraforte? — Lisa me perguntou, com um sorriso no rosto.

— Com toda a certeza. Eu achei.

Nós subimos na bicicleta pra casa. Passamos pelo 'Submundo' e olhei bem para o topo do prédio, relembrando de nós duas ali em cima. Passamos pela 'Sana's Bookstore' e me peguei sorrindo, recapitulando nossas conversas doidas sobre aliens dentro da minha cabeça. E fomos nos aproximando do caminho de casa. E, por Deus, como eu queria que as ruas se esticassem mais nessa hora. Pra que demorasse só mais um pouco. Só mais alguns segundos. Por favor...

As luzes da cidade começaram a cintilar, uma dança de estrelas urbanas que nos acompanhava. Era o céu, só que no chão, assim como Lisa tinha falado.

— Chegamos... — Lisa soltou, quando paramos na frente da minha casa.

Obrigada, Lisa, você é incrível. Foi maravilhoso colidir com você.

Você deixa tudo dez vezes mais bonito. E eu queria que você terminasse o que eu sei que você começou a fazer naquele quarto de hospital.

Isso é tudo que eu preciso dizer pra ela.
De uma vez.

— Jennie Margarida? — Lisa me arrastou pra Terra novamente. Ela riu baixinho.

— Obrigada, Lisa... Por hoje. — Eu disse, assim que encostei no chão. Segurei minha bicicleta e ela continou me olhando com uma cara gostosamente confusa.

Eu preciso falar.

Lisa continuava me olhando, agora com um sorriso doce nos lábios. Embora os olhos continuassem penetrantes, intensos e famintos encarando os meus.

Engoli seco.

— Foi maravi...

E o celular dela começou a tocar.

— Pera, só um minutinho... — Pediu ela, tirando o celular do bolso.

— Calma, não precisa ligar 600 vezes. — Ela disse, mas não pra mim.
— Eu tô indo pra casa e já te ligo de volta.

E deslizou o dedo sobre o celular, fazendo com que a luz azulada que iluminava seu rosto se apagasse.

Senti que iria chorar a qualquer momento. Só queria que um buraco negro me engolisse.

— Muito obrigada por me ajudar com o poema hoje, só isso. — Forcei um sorriso, sentindo o meu olho se encher de lágrimas.

Lisa disse alguma coisa e depois outra, mas não consegui processar direito. Eu já estava chorando. As lágrimas escorriam quentes pelas minhas bochechas. E eu simplesmente não podia me virar daquele jeito... O que eu iria dizer?

Desculpe, Lisa, não sei o que está acontecendo. Talvez eu entenda o porquê de Kai ter sido trocado.

Eu trocaria ele também. E eu meio que já troquei.

Talvez eu prefira as coisas dez vezes mais bonitas. E que só ficam assim por sua causa, quando você tá perto. Mas, como sempre, a vida insiste em me lembrar, em pequenos detalhes idiotas, que eu não pertenço a certos lugares. E que certas coisas só vão acontecer nos meus sonhos.

Eu nem sei do que eu tô falando mais. Eu nem sei o que eu tô sentindo mais.

Mas me desculpe, Lisa, por não conseguir desgrudar os meus olhos de você.

Me desculpe por ter colidido.

Guardei a bike, tranquei a porta e subi as escadas, correndo desesperada, como se os degraus estivessem se desfazendo embaixo dos meus pés.


A gente sempre acha que sabe exatamente por quem vai se apaixonar, mas o amor não é óbvio. Não é óbvio, nem comum, mas autêntico e forte, igual laranja ultraforte.

O amor é tudo, menos previsível. Quando não se espera, um sentimento laranja ultraforte surge, como um pôr do sol inesperado pintando o céu de tons intensos. O sentimento laranja ultraforte é totalmente vibrante, inesquecível e imprevisível.

JENLISA | LARANJA ULTRAFORTE - O Experimento CientíficoOnde histórias criam vida. Descubra agora