Capítulo 2

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     Eu quero morrer.

     Realmente, não estou conseguindo acreditar que o trabalho é prático. E pior, que Raquel Murillo é minha dupla na hora de caçar bandidos. Cada dia mais eu acho que alguém está brincando comigo, porque não pode ser.

     Espero ansiosamente Raquel dizer que não é verdade enquanto olho fundo nos olhos dela. Infelizmente, ela está falando sério.

     Pela primeira vez, vi que ela também não parece nem um pouco feliz com a situação e bufo. Bem, pelo menos sem as risadinhas e comentários sarcásticos dela talvez tudo flua melhor.

     Começo a divagar sobre isso e penso em cenários incríveis onde eu mostro que posso ser muito melhor que ela. Finalmente pode ser a minha chance de receber algum reconhecimento formal sobre o trabalho esplêndido que eu presto naquela Academia.

     — O que vamos fazer?

     — Como assim o que vamos fazer, Raquel?

     — Esse trabalho pode custar a porra da nossa vida, ruiva.

     Bosta.

     Fiquei tão eufórica pensando num mundo cor de rosa onde eu sou melhor que Raquel que não percebo que estaremos enfrentando bandidos reais. Os professores não nos deixarão sem assistência, certo?

     — É a vida, né? Vamos fazer o que tivermos que fazer.

     — Mas você não acha muito extremo ter que quase dar a vida pela Academia?

     — Vai amarelar, Murillo? Eu posso ir sozinha.

     — Nem fodendo! — Ela fala alto, chamando a atenção do monitor e de algumas pessoas que estudavam. — Não, Alicia, não vou te deixar ir sozinha nisso.

     Ela me chama pelo nome. Isso não pode ser bom.

     — Relaxa, loirinha — enfatizo o apelido. — Eu sei me cuidar.

     Até prefiro que ela me deixe ir sozinha, sinceramente. Pelo menos seria o meu plano, as minhas regras, o meu modo de agir.

     — Eu sei, você já é muito grandinha, ruiva, mas realmente não prestou atenção em nada, né? A dupla ganhadora vai poder fazer estágio remunerado na polícia da Espanha.

     Não acredito que eu teria que trabalhar com Raquel Murillo e ainda por cima trabalhar bem. Um estágio na polícia espanhola é o meu maior sonho, principalmente porque ainda estou no segundo ano. Qual a chance de eles me escolherem ao invés de um aluno do quarto ano, por exemplo?

     Nenhuma.

     Agora eu estou odiando ainda mais o fato de ter que trabalhar em conjunto com ela porque isso custaria o meu estágio! Enquanto ela me olha, esperando alguma resposta, minha mente só pensa "merda, merda, merda, merda".

     — Merda.

     — Olha só, ruiva, eu sei que você me odeia e eu também não sou a sua maior fã, mas vamos tentar trabalhar juntas, ok? Eu não quero perder essa chance de ouro porque você é birrenta.

     — E você é uma cínica.

     — Cínica, eu? Faz-me rir, Sierra.

     — Sim, e mandona. Acha que o mundo gira ao seu redor.

     — E você que se faz de vítima para ver se alguém te nota?

     Começamos a brigar. Raquel chega mais perto de mim, tentando me intimidar com seu meio metro de altura e dou risada por ela parecer um pinscher. Eu só não conto que ela poderia chutar minha canela por isso.

     Esquecemos totalmente que estamos em uma biblioteca e nos encontramos aos berros uma com a outra. Eu puxo seu cabelo e ela me morde. Chegamos a cair no chão, rolando uma por cima da outra.

     Raquel pode ser pequena, mas também é muito forte. Só não mais que eu. A prendo embaixo de mim no mesmo momento em que o monitor chega para nos separar.

     Olho ao redor, os alunos estão gravando a cena com seus celulares, e quando a briga cessa, eles também param a gravação. De repente, tudo fica silencioso de novo e percebo que ainda estou prendendo Murillo entre o chão e minhas pernas.

     Ela está toda bagunçada; o cabelo loiro desgrenhado cai sobre o rosto; os machucados ligeiramente sangrando; algumas partes do corpo já começam a ficar roxas pelos meus tapas. Mas não é só isso. O jeito que ela me olha é como se estivesse esperando por isso a vida toda.

     E quando eu digo "a vida toda" não é de forma metafórica, até porque nos conhecemos desde os cinco anos e, para mim, ela sempre foi minha maior rival.

     Acredito que a tenha encarado por tempo demais, pois suas bochechas ficam rosadas e ela acaba desviando o olhar. Saio de cima dela tentando arrumar meu cabelo, mas não ofereço ajuda para que ela se levante.

     Pego minhas coisas e ando em direção ao banheiro para me livrar de resquícios de sangue. Não olho para trás, nem mesmo para ouvir as reclamações do monitor dizendo que nos entregaria à direção.

     Ele que entregue. Não tenho o que fazer se Raquel me tira do sério. A culpa de termos brigado é exclusivamente dela.

     Enquanto lavo as mãos, a vejo entrar no banheiro também e bufo. Ela tem algumas partes inchadas e me pergunto se realmente bati tão forte a ponto de machucá-la a esse nível. Afinal, eu não tenho mais que alguns arranhões e roxos que sumirão em três dias.

     — Nem começamos ainda e já estamos brigando desse jeito. Se não morrermos pelos bandidos, é capaz que a gente se mate.

     Raquel tenta dar uma risada, mas não consegue por causa da dor no rosto. Reprimo um sorriso. Não quero dar esse gostinho à ela.

     — Tudo bem, vamos começar de novo, lá do começo — Ela vira na minha direção e eu quase sinto pena de como ela está. — Oi, você deve ser Alicia Sierra. Eu sou Raquel Murillo e sou sua dupla no trabalho.

Prenda-me se puderOnde histórias criam vida. Descubra agora