Aaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa.
Isso é o que faço quando tento trocar o meu curativo após o tiro que levei na perna. Já faz cinco dias, mas ainda doi muito. A remoção da bala foi a pior parte, mesmo com a anestesia. Todo o meu corpo está em uma escala de dor inimaginável.
Por causa disso, fui afastada e me mandaram para casa para que eu possa me recuperar 100% antes de voltar. Pelo menos sei que o assaltante foi pego e estão tentando conseguir alguma informação dele na tenda.
O lado bom de eu estar em casa é que consigo estudar uma forma de nada mais dar errado. O lado ruim é que penso muito e acabo me auto sabotando às vezes.
Penso no cálculo errado que fiz, no cerco errado que mandei montar, no momento errado que achei que ele fosse aparecer. Penso, sobretudo, no beijo que Raquel me deu. Quero achá-lo errado também, mas não consigo.
Ficar sozinha é ótimo para colocar os pensamentos no lugar. Reflito sobre tudo o que aconteceu até chegarmos àquele ponto.
Desde nós duas brincando e brigando quando crianças, passando por estudarmos juntas na mesma escola e Raquel se sobressair em tudo. Por mais que eu tentasse, era impossível alcançá-la.
Até que isso foi ficando insustentável para mim, pois sou muito competitiva e eu precisava manter as notas altas para que minha mãe não me enviasse a um colégio do outro lado do país.
Raquel sempre foi a única pessoa a ficar ao meu lado, ainda que também seja a minha maior rival, mas ela é extremamente rodeada de outras.
Reflito também se realmente a odeio ou se odeio a situação em que somos colocadas.
Sei que ela precisa ser uma das melhores para manter a bolsa da Academia que a mãe dela não consegue pagar. Sei que ela quer ser investigadora para vingar a morte de seu irmão, morto por assaltantes quando eles eram adolescentes. Sei que ela usa o sarcasmo e o cinismo porque, internamente, ela não sabe o que fazer e tenta se esquivar.
Ela pode achar que eu não a conheço, mas a conheço como a palma da minha própria mão.
Eu só não sei o motivo ela tenta manter as aparências de garota rica mimada, esnobe e que adora ser bajulada. Porra, ela não é assim! E é isso que me irrita, porque eu a conheço bem demais para saber que ela é o oposto disso.
Porra!
Percebo que não odeio Raquel Murillo como um todo. Odeio a personalidade que ela cria para tentar agradar o máximo de pessoas daquele círculo social. E odeio porque, além de tudo, também a invejo.
Minha vida seria muito mais fácil se eu me camuflasse assim como ela. Imaginem onde eu poderia chegar se soubesse jogar como ela joga com os próprios sentimentos. Eu seria invencível.
Mas não sou.
Sou apenas Alicia Sierra, uma das melhores alunas da Acadepol, branca, de classe média alta, marrenta, que todos desgostam e com uma merda de tiro na perna. E ah, com sentimentos confusos também.
Como é bom ser eu. Só que não.
Igual uma piada do destino, meu celular começa a vibrar e o nome que aparece na tela é o que vem roubando meu sono e me trazendo confusão. Reluto um pouco, mas resolvo atender. Pode ser importante. Se não for, é só eu desligar. Simples.
— Oi, Murillo. Espero que não esteja me ligando para falar sobre assuntos criminais.
"Oi, ruiva. Como está se sentindo?"
— Uma merda, né? Não posso fazer quase nada!
"Pelo menos foi só na perna. Seria pior se tivesse sido na sua cara, hahaha."
— Claro, ia desfigurar meu lindo rosto. Como estão as coisas aí na tenda?
"Diferentes sem você."
Ah, pelo amor de Deus. Respiro fundo antes de falar algo. Sério mesmo que ela vai jogar essa carta para cima de mim? O caminho dela está praticamente livre e ela pode ser a melhor...
"Alicia? Está aí ainda?"
— Sim, estou.
A força do hábito é uma merda. Faz cinco minutos que tive a compreensão que não a odeio e continuo insistindo em me irritar com cada coisa que ela diz, mesmo que seja mostrando sutilmente que está sentindo a minha falta.
— Já conseguiram tirar alguma informação do homem?
"Ainda não. Ele está bem relutante, mas sinto que logo teremos novidades."
— Ótimo. Tenho certeza de que no momento que eu chegar as coisas vão melhorar.
"Claro que sim, inspetora. Quando você volta?"
— O médico disse que semana que vem posso trabalhar, mas não vou poder correr atrás de nenhum bandido.
"Vai perder a melhor parte da diversão."
— Vou ficar mandando em você de dentro da tenda.
Raquel ri do outro lado da linha. Essa interação entre nós me lembra de quando éramos só nós duas uma na casa da outra brincando com nossas bonecas. Sinto saudade daquela época.
"Preciso ir, ruiva. Se cuida."
— Tenta não sentir muito a minha falta.
"Impossível."
É ela quem desliga. Tenho ainda mais certeza de que não a odeio. Não a odeio nem um pouco, na verdade. Ao invés disso, sinto muito carinho por ela e por todas as nossas lembranças. Sinto até mais do que deveria, mas deixo esse sentimento no fundo do meu corpo, intocado.
Ele não pode sair.
Apesar de não odiá-la, acho que nunca conseguirei parar de atormentá-la. É parte do meu ser e perturbar Raquel Murillo é uma das minhas maiores diversões. E eu acho que, no fundo, ela também gosta.
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Será que o enemies tá virando lovers? rssss
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Prenda-me se puder
Fanfiction[AU Ralicia Academy] Raquel Murillo é a melhor aluna da Acadepol e Alicia Sierra a odeia com todas as forças justamente por isso. Entretanto, quando são obrigadas a trabalhar juntas, elas descobrem um novo sentimento e tentam fingir que ele não exis...