Capítulo 3

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     Já faz uma semana desde a nossa briga. Desde então, Raquel e eu não falamos. Claro, já não nos falamos regularmente, mas sinto que há algo estranho demais desde que saímos no tapa.

     Ela também não tem aparecido muito na Academia e isso começa a me preocupar, pois se ela foi expulsa ou algo do tipo, significa que posso ser também. E aí, meu sonho de estagiar na polícia espanhola acaba como um passe de mágica.

     Particularmente, acho que ela não tem vindo porque está com vergonha de mostrar o rosto inchado e os machucados. Se eu a visse, sorriria por causa do triunfo que tive pela primeira vez.

     Porém, eu preciso saber se meus dias na Academia estão contados e decido ir até a diretoria para perguntar, casualmente, o motivo do sumiço da minha dupla de trabalho.

     Quando chego lá, tenho uma surpresa: Raquel.

     Seria realmente possível ela estar em todo lugar que eu vou? O que é isso, um filme?

     Desisto de pegar uma senha para ser atendida após vê-la com uma pasta cheia de documentos. Me aproximo devagar, mas fico longe o suficiente para que ela não me veja. Escuto-a falando baixo sobre transferência e gelo por um segundo.

     Como ela ousa pedir transferência da Acadepol? Com quem eu vou brigar se ela for embora? Como vai ficar o meu estágio? Será que vão cancelar o trabalho?

     Um milhão de perguntas rondam minha mente e a observo se virar para ir embora. Até que ela me vê e vem em minha direção. O rosto está melhor, mas os roxos ainda não sumiram completamente. Ela não sorri cinicamente. Ela não sorri de maneira alguma.

     Ela sequer demonstra emoção.

     — Você queria fazer o trabalho sozinha, vai poder fazer.

     — Como assim?

     — Estou sendo transferida.

     — E pra onde você vai?

     — Pra quem me odeia, você está muito interessada na minha vida.

     Raquel ainda não me chamou pelo apelido nenhuma vez. Estou realmente começando a ficar preocupada. Lembro que a mãe dela é brava e reflito se a briga foi a causadora dessa mudança.

     — Mas se você sair da Acadepol você vai perder a chance de se tornar inspetora.

     — Quem disse que eu vou sair da Acadepol, ruiva? Eu vou pra sala do lado.

     É uma vagabunda mesmo.

     Ainda bem que não me senti completamente compadecida da sua situação, senão teria sido uma vergonha enorme. Fecho a cara enquanto vejo a dela se abrir em um sorriso.

     Aquele cinismo está de volta e ele se transforma em uma risada quase maléfica. Ela deve estar se sentindo incrível após quase me enganar. Que ódio. Eu poderia bater nela de novo ali mesmo na frente da diretoria.

     Ela pisca para mim e eu tenho vontade de gritar. Minhas bochechas coram pela raiva e sinto meu sangue subir.

     Entretanto, ainda estou sem respostas sobre como ficaria meu trabalho. Eu realmente faria sozinha? Me colocariam em outra dupla ou pior, um trio? Se essa for a opção, eu prefiro me jogar da ponte.

     Mas já que Raquel não está mais comigo, significa que ela está contra mim e isso me dá uma vontade imensa de rir. Agora sim consigo sentir a adrenalina preencher meu corpo só de pensar nessa possibilidade de ter que realmente vencê-la.

     No próximo dia, os casos serão sorteados e eu estou em euforia total. Consigo me imaginar perfeitamente sendo selecionada para um dos mais complexos e entregando o trabalho com a maestria de sempre.

     Outro motivo bom de não ter Raquel como dupla é que eu posso fazer o que quiser sem me preocupar se estarei custando o estágio ou a vida dela também. Trabalhar em dupla é muito difícil e eu teria que me controlar demais caso quisesse ganhar.

     Pelo menos, com as minhas regras e meu modo de agir, sozinha tenho mais chances.

                                     ♧

     O relógio demora a passar e o professor só vai endereçar os temas nos dez minutos finais de aula. Não sei o que fiz de errado na minha vida para ter que aturar tanta gente insuportável.

     Fico tanto tempo presa em meus pensamentos que quase perco a chance de ouvir meu tema. Raquel tem razão, eu não presto atenção em nada na aula.

     — Alicia Sierra, você será encarregada de perseguir Andrés de Fonollosa. E como sua dupla resolveu te abandonar, está sozinha. Boa sorte. E por favor, Sierra, não atire nas pessoas sem antes perguntar aos supervisores.

     Aparentemente, meu passado me precede. Assinto, calada. Fico um pouco sem reação ao me dar conta de que estarei atrás de um dos maiores assaltantes da Espanha inteira. Raquel é trouxa demais. Deve ter pego um trombadinha qualquer e eu me dei super bem.

     Assim que o horário de saída ressoa nos meus ouvidos, sorrio satisfeita. Sinto uma presença se aproximar de mim e ao subir os olhos, vejo que é meu professor. O que será que ele quer comigo?

     Sempre tenho um pé atrás com homens no geral, mas com professores fico ainda mais desconfiada. Tem muitas histórias por aí e eu não quero estar em mais uma delas. Espero até que ele fale algo e arqueio minha sobrancelha, aguardando a boa vontade dele de soltar alguma palavra.

     — O caso é difícil, Sierra. Sabe disso, certo?

     — Claro que sim, professor.

     — Essa perseguição foi pensada pra você e Murillo especificamente, porque vocês são as melhores alunas dessa sala, quiçá da Acadepol inteira. Mas agora você está sozinha, então tente não morrer, tá bom? Caso queira desistir...

     — Não quero.

     — Eu sei. E pra você não dizer que não te avisei, você não tem mais sua dupla mas terá companhia. Os mesmos temas foram sorteados nas outras salas, inclusive o seu. A dupla, ou a pessoa, que se sair melhor, vence e consegue o estágio. Cuidado com as coisas que você faz.

     Caralho, não é possível. Logo quando eu acho que estarei sozinha ele me vem com essa bomba.

     — Alunos de todos os anos?

     Espero que ele negue, porque não seria nem justo ter que competir com alguém do quarto ano, sendo sincera.

     — Só os do segundo. Mas somos quatro salas, então... já sabe.

     É muito castigo mesmo. Imagina estar contra outras 7 pessoas. Poderiam ter variado um pouco os temas, né? Se foi pensado para mim, por que eu tenho que dividi-lo com mais gente?

     Sinceramente, fico puta com um negócio desses. Assinto a contragosto e o vejo ir embora, mas não há nada que eu possa fazer. Tenho que esperar mais duas semanas para descobrir quem são meus oponentes que vão comer poeira e perder o estágio.

     Só tenho certeza de uma coisa: se Raquel Murillo não for minha rival, ninguém tem chance de ser melhor que eu.

Prenda-me se puderOnde histórias criam vida. Descubra agora