Capítulo 48

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Encarei a cidade pela janela de vidro do consultório, estávamos em um dos últimos andares do prédio então eu conseguia ver boa parte de Miami. Sempre achei essa cidade bonita, as ruas, o centro, a praia que eu adorava. Como o sol batia nos prédios mais baixos essa hora da manhã, e como aquecia o mar um pouco mais tarde.

Tenho vagas lembranças de minha mãe me dizendo como Havana em Cuba conseguia ser mais bonita, e então meu pai se intrometia para retrucar, em um tom divertido, que todo o México era ainda melhor. Eles nunca chegavam em um consenso, só concordavam que deveriam me levar de volta um dia, porque eu deveria estar em Cuba, onde nasci, e no México, onde passei alguns meses ainda bebê.

Eu não fazia tanta questão disso quando era uma criança, e só sabia falar o espanhol porque era como meus pais se comunicavam em casa. Só que na minha concepção de uma criança de sete anos, Miami era tudo que eu queria. Só queria sair dali se fosse para a Disney, - o que eu já sabia que não iria acontecer - fora isso, eu me contentava e estava feliz com minha cidade.

Ainda estou. Gostava daqui. De poder ver isso, o amanhecer sempre conseguia me acalmar. Era como o universo me dando mais uma chance.

- Então, você teve uma crise de ansiedade depois de beijar Marília - Dr Hernández voltou ao assunto, virei meu rosto em sua direção - Conversou sobre isso?

- Não - admiti um tanto envergonhada, colocando minhas mãos no bolso da calça - Eu saí correndo do carro e me tranquei em meu quarto e fiquei olhando pela janela até que ela saísse da frente de casa - contei, soltando um suspiro e caminhando de volta para a poltrona - Só consegui, de fato, me acalmar quando tive certeza que ela não iria entrar.

- Você já notou como muitas das suas crises são sobre Marília? - ele perguntou gentilmente e eu franzi o cenho, não tendo pensado sobre aquilo antes - Não estou dizendo que é a única razão, você já apresentou isso por outros motivos, porém Marília parece ser um assunto recorrente.

Cruzei os braços, analisando suas palavras. Me recordando das vezes que mal conseguia respirar e os piores pensamentos voltavam a minha mente. Costumava acontecer na prisão, quando eu pensava sobre meu futuro, quando eu sabia os próximos movimentos de cada uma ao meu redor. Só que acontecia muito mais quando eu me via em uma situação com a Marília.

Na verdade, tudo que envolvia ela me deixava nervosa. Além dos sentimentos naturais que eu tinha por ela, eu começava a surtar sobre nós duas.

- Acha que eu deveria me afastar, então? - questionei, sentindo as palmas da minha mão suarem.

- Não, Maraisa. Você deve decidir sobre isso, sobre o que sente - Dr Hernández respondeu calmamente - Estou apenas dizendo que ela é como se fosse seu vestibular, entende? - me encarou, mas tudo que fiz foi esfregar minhas mãos na calça e o encarar de volta, confusa - Por exemplo, um estudante de ensino médio pode desenvolver crises de ansiedade em relação ao seu vestibular, especificamente, sobre como a prova é difícil, sobre como aquilo define as universidades que poderá entrar - começou a explicar calmamente e eu assenti, lembrando das vezes que vi algumas colegas de sala ficarem nervosas sobre nossas provas finais - Então, quando o vestibular é finalmente feito, as crises sobre isso tendem a diminuir.

- Está dizendo que se eu me resolver com ela definitivamente, minhas crises podem diminuir? - me inclinei para frente, apoiando meus cotovelos em minhas coxas.

- É possível - Dr Hernández respondeu, com um leve aceno - Não posso dizer que iriam parar, você ainda tem coisas que te afetam e isso tende a ser algo que você terá que aprender a lidar para o resto da vida. Mas pode diminuir significativamente se você se resolver com os assuntos mais importantes que te atormentam - aconselhou sabiamente, me fazendo soltar um suspiro pesado - Fora isso, o que costuma fazer para se acalmar?

Lost Girls - MalilaOnde histórias criam vida. Descubra agora