⚠️ Alerta gatilho ⚠️
Pov Maraisa Pereira
Eu já estava de pé antes mesmo de ouvir os passos da guarda pelo corredor. Não precisava de uma janela ou de um relógio pra saber que já eram quase cinco da manhã. Um mês aqui já me ensinou algumas coisas. Algumas coisas que eu não precisava aprender aliás.
Fiz uma pequena careta involuntária.
Um mês aqui. E apenas o primeiro dos meus quatorze anos aqui dentro, segundo a sentença que o juiz anunciou três dias atrás.
14 anos, era quase o tanto de anos que já vivi. Talvez o tanto de anos que eu me lembrava de estar viva. Ouvi algum guarda dizendo que se eu não tivesse confessado poderia ter pegado 18 anos. Tudo isso por uma estupidez. O problema era que eu já havia feito muitas estupidezes no passado. Acho que eu estava pagando todas elas novamente. Além disso, minha família estava presa e o juíz levava em consideração que eu era como eles.
Lembro de ouvir Mário falando uma certa vez como era injusto considerar a família de um réu como agravante de seus crimes.
Balancei a cabeça para afastar os pensamentos e andei devagar ajeitando o macacão em mim, o sentindo mais folgado, antes de me aproximar da cela e colocar as mãos para fora como deveria.
- Alguém finalmente aprendeu a acordar no horário - a voz da guarda soou provocativa enquanto ela me encarava, não respondi ou fiz alguma expressão.
- Ainda bem, porque eu não aguentava mais esse estômago dela roncando de fome - uma das minhas companheiras de cela, Hannah, riu enquanto se aproximava para fazer o mesmo que eu.
Um dos meus vários problemas durante as primeiras semanas era o fato que eu não conseguia acordar no horário para ir para o refeitório e por isso passava a manhã na cela sem poder tomar o café da manhã, como castigo. Isso explicava o macacão folgado em meu corpo.
Saí dos pensamentos quando a guarda terminou a inspeção e nos mandou afastarmos da cela para que ela pudesse abrir. E como já era de rotina, me coloquei na fila para o refeitório. Não precisei dar dois passos para começar a me sentir desconfortável. Não tínhamos a liberdade para conversar na fila, o que eu agradecia mentalmente, mas isso não impedia as outras de sussurrarem xingamentos em minha direção.
Ser uma Pereira aqui não era motivo para respeito como em meu antigo bairro, mas na verdade motivo para te odiarem. Aparentemente todas as detentas odiavam meu pai de alguma forma e as poucas que não o odiavam, tinham raiva do meu tio. Todas tinham algum argumento para falar mal sobre a minha família. Não as culpo, todo dia aqui dentro era mais um pouco de ódio que eu nutria pelo meu pai.
Consegui chegar no refeitório hoje sem nenhum incidente, o que já estava ótimo para mim considerando todos os problemas que já tive por aqui em apenas um mês. Inclusive tive um ontem mesmo quando duas detentas me encurralaram no banheiro. Levei alguns socos e chutes porque, aparentemente, meu pai tinha aliciado as duas quando elas tinham 16 anos e as feito traficar.
Sim, cada dia ficava mais divertido ser filha do meu pai. Até aqui ele me perseguia.
Neguei com a cabeça, afastando os pensamentos e peguei meu café da manhã, me sentando na ponta vazia de uma mesa, sem querer incomodar ninguém. Eu tinha que sobreviver por mais de uma década aqui, não podia arrumar confusões. Respirei fundo, mordendo o pedaço de pão e tentando controlar minhas emoções. Ficar sozinha sempre me deixava um pouco sentimental. E principalmente tentando não lembrar do dia do meu julgamento.
Não lembrar de Marília. Ou de qualquer coisa que deixei lá fora. Não existia mais vida lá fora para mim. Eu sairia daqui com 32 anos, encontraria um emprego de merda que pagaria somente o suficiente para eu me alimentar. Sofia teria 25 e já estaria formada. Meus amigos já teriam suas famílias e seus empregos honestos. Se tudo ficasse certo, Henrique conseguiria um emprego melhor e ainda seria o pai incrível que é, só que ficando louco com uma adolescente. E Marília, essa provavelmente estaria ainda mais linda aos 38, e com certeza estaria casada com alguém que a merecesse, mesmo que eu ache isso impossível. Ninguém merecia uma mulher como Marília, ela era boa demais para qualquer um. Mas esperava que ela ficasse feliz, que todos ficassem felizes. E esquecessem de mim, eu só estragava a vida de todos que conhecia.
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Lost Girls - Malila
Fiksi PenggemarMaraisa sempre acreditou ser uma garota que perdia. Perdeu a mãe cedo demais para uma doença que ela mal sabia pronunciar o nome quando aconteceu. O pai, perdeu para o crime. A irmã, perdeu para uma família que ela nem ao menos conhecia. A vida? Ain...