Khaotung

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[POV Khaotung]

Eu nunca tive muitas aspirações na minha vida.

Nasci numa família de ferreiros e meu destino era criar armas e utensílios para que os guerreiros e nobres usassem em guerras; ou apenas para acessórios de roupas ou mobília.

E eu odiava fazer aquilo.

Todas as vezes que meu pai me acordava e me arrastava para a oficina eu desejava me tacar na fornalha pra que, talvez em uma próxima vida, eu pudesse vir como um príncipe ou, pelo menos, um nobre desocupado.

Minha vida sempre foi baseada em cumprir ordens. Fossem essas dos meus pais ou dos clientes que queriam suas armas assim ou assado. Eu apenas assentia e jamais ousava questionar nenhuma delas. Pelo menos, não de uma forma que pudesse ser ouvida.

Graças aos deuses, homens não têm o dom de ler mentes.

Minha vida começou a ter um pouco mais de sentido depois que, em um dia raro de folga, eu estava entediado e resolvi ajudar minha mãe a colher os legumes de nossa pequena horta. Aquilo foi mais gratificante do que qualquer outra atividade que eu pudesse ter feito na oficina de meu pai até aquele momento e eu tive certeza de que era aquilo que eu gostava de fazer.

- Mas meu filho e os afazeres da oficina? - meu pai questionou quando eu contei sobre minha descoberta.

- Papai, eu vou continuar ajudando o senhor, mas eu quero mais dias de folga pra poder cuidar da horta. Mamãe está cansada e quero ajudar - argumentei.

Apesar de quase nunca discutir sobre nada, eu era muito bom na arte da persuasão.

Meu pai ponderou por alguns instantes e, no final, ficou decidido que eu trabalharia quatro dias na oficina e dois na horta.

Alguns dias depois, eu consegui, em uma troca justa, algumas sementes de uma fruta nova que havia sido descoberta na região.

Morangos.

A partir dali, minha vida parecia quase completa.

Quase.

Por mais feliz que eu ficasse enquanto plantava meus morangos, ainda sentia que algo estava faltando. Mas não sabia o que era.

Só fui descobrir quando, em um dia ensolarado e tedioso na oficina, um forasteiro parou e ficou me observando trabalhar. Eu nunca gostei de plateia, mas, por algum motivo, gostei de sentir seu olhar sobre mim. Quando vi seu sorriso tímido então, tive certeza de que queria vê-lo novamente.

Não parei de pensar em seus olhos até nos encontrarmos de novo.

E de novo.

E de novo.

Só soube que estava apaixonado quando, ao deitar a cabeça no travesseiro depois de nosso terceiro encontro, eu percebi que não sentia falta de mais nada.

A não ser do seu sorriso.

E seus olhos.

E seu cheiro.

E sua voz.

Plantar morangos já não era mais a coisa que eu mais gostava de fazer e sim passar o meu dia com ele.

Quando estávamos juntos, não importava o que eu estivesse fazendo - fosse forjando uma arma, plantando frutas ou tomando banho de rio, eu me sentia completo.

Quando deixei que ele segurasse minha mão pela primeira vez, o calor que eu senti em meu rosto se comparava ao de quando eu estava de frente pra fornalha ardente.

Quando nos beijamos na boca pela primeira vez, meu coração acelerou de tal maneira que eu pensei que iria atravessar meu peito. Minhas mãos tremiam e suavam, como se eu tivesse passado um dia inteiro forjando pra todo um exército.

In a different life - FirstKhaotungOnde histórias criam vida. Descubra agora