30 minutos

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O dia na delegacia passou como o de costume. Pessoas trabalhando no seu próprio mundinho, casos engavetados, pessoas interrogadas, mais cafés feitos do que o indicado. Nada de novo.

Verônica seguia tentando terminar de arquivar as inúmeras pastas, que a loira entregara no início da manhã. Mesmo que tenha passado uns bons 40 minutos assistindo a vista não tão privilégiada de São Paulo, queria terminar pelo menos uma parte.

Algo em Verônica corria por dentro, era como uma nuvem cinza de tempestade. Por um lado; Verô gostaria de se agarrar que a tempestade seria dessas de verão mesmo, que passam depois de uns minutos. E que acabam trazendo consigo bolinhos de chuva feitos pela mamãe, e que logo a luz cairia. Mas tudo bem, as velas estariam la. O bolinho estaria. A mãe estaria.

Infelizmente o lado da realidade pesava mais, ela sabia que certamente não era agradável. Seria uma das tempestades que você ta na rua, desabrigado de baixo da água gelada. Dos trovões gritando em suas orelhas. Quando te corre um arrepio daqueles que fazem da alma; uma geleira. Você tenta correr e proteger sua bolsa com os documentos importantes, daquele trabalho que se dedicou por dias. Seu pé ja ta em uma poça de água, seu sapato tá imundo. E você lembra que não fechou as janelas.

Anita era a tempestade que a escrivã não queria enfrentar, era tudo demais.
A Janete, lhe ignorava por hora. Ja estava uns bons 3 dias sem notícias. Algo estava errado, e ela sabia que estava.

Em casa, as crianças estavam cada dia mais distantes. Paulo, não parava de inventar viagens de última hora,a trabalho. Verônica sempre se lembrava de quando disse a Lila, que os lápis pretos nos olhos eram forma de coragem. E nem a própria Verônica tinha coragem de encarar a filha.
Uma puta covarde de merda, era exatamente assim que se via no espelho. Apesar de amar a menina, Lila revelava a raiva que Verônica tanto tenta guardar.

Do outro lado da delegacia, pouco cheia. Estava a loira, com a cabeça muitíssimo cheia. Anita perdeu as contas de quantas vezes reorganizou sua mesa, la pela 4 vez. Tentava se organizar, mas era algo impossível, não?

Toda vez começava na infância, todos os traumas, oque a própria mãe a obrigava a passar. É um pouco mais difícil não ter medo do escuro, quando sua própria mãe ta la para te assustar. Quando ela diz que você é a pior das escórias, quando ela te vende.

Sua adolescência, era apenas abusos e mais abusos. Curas, milagres, dores, vazios. Nessa época, uma garrafa de vinho e um maço de cigarro, preenchiam o vazio. De uma forma tão; tão; tão ilusória que hoje seriam necessários barris de vinhos.
Era tolo, e Anita se sentia tola.

No racional, Janete seria um dano colateral. Não deveria se ocupar tanto pensando em formas de ajudar a mulher, não deveria passar tão tempo pensando em Verônica. Maldita vez que Matias a mandou procurar Verônica, maldita vez.

Seria mais um dia normal na vida das duas, ate o Matias resolver aparecer.
Enquanto saia de toalha do chuveiro, a loira ouvia o celular tocar do quarto.

-Não se tem paz nem para tomar uma porra de um banho- Anita reclama em voz alta, soltando um longo suspiro depois.
O nome de Matias brilhando a cima da foto de perfil. Anita atende.

-Matias-.

-Pequena! Como está?- partes do Interior da loira sempre se reviraram com o "pequena".

-Tudo certo- Anita responde.

-Tenho um trabalho para você, pequena. Preciso de informações sobre a filha de Júlio Torres, hoje as 17h ela irá buscar os filhos na creche. Da uma olhadinha neles, vou te passar o endereço. Mas olha com os meus olhos!- Anita poderia jurar que ele estaria sorrindo, isso quase a fez vomitar.

-Ok, manda por mensagem- a loira diz fraco.

-Está bem mesmo, pequena? Tô te sentindo cansadinha- agora pronto.

-Estou ótima, só preciso de sossego e você não ta me dando. Manda por mensagem.- e fim da ligação. Era normal os foras diários, felizmente Anita nunca se deixou ser dominada, pelo menos não na personalidade. Ela havia prometido que isso ninguém a tomaria. E Matias aturava, apenas por precisar da loira.

Maldito dia, nunca mais a loira pararia de pensar em Verônica. No início era apenas odio genuíno, ela era filha do homem que a botou no inferno que vive. Com o tempo o interesse de Matias diminuiu, mas o instinto de Anita não a deixava esquecer. Era impossível.

O trabalho na delegacia só piorava, era insuportável ter que trabalhar com alguém como Verônica. Mandona, teimosa, no mundo da lua de vez enquanto, correndo para não se atrasar demais, viciada em matte gelado, intrometida, petulante. E por ai vai.

Por um breve segundo, a mente de Anita vagou para sala de Carvana, quando ela disse "essa escrivã é foda". Um sorrisinho leve a escapa, era mesmo, era a mais corajosa que Anita conheceu.

Oque a tirou dos pensamentos foi duas batidas na porta, quase que timidas.
Abrindo devagar, Verônica estava com as quase 15 pastas do dia.

-Doutora, licença. Terminei oque pediu-
Verô começa, Anita caminhava em passos lentos ate a escrivã, com a intenção de apenas pegar as pastas.
Verônica se perguntava, como a maquiagem de Anita durava tanto.

-Agradeço escrivã, apesar de ser o seu trabalho.- Anita diz antes de virar de costas, e começar a alinhar as benditas em sua mesa.

-Que milagre, vai chover. Ta me agradecendo e tudo.- Verô brinca, logo cruzando os braços.

-Me poupe, Verônica.- Anita rebate, virando de frente para Verônica e se encostando na mesa.

-Foi a moça hoje mais cedo que te amoleceu, não foi?- Verô pergunta.

-Ela é mais estressada do que eu, vai por mim.- Anita diz, ouvindo apenas um "uhm" como resposta.

-Perai, ta com ciúmes de mim escrivã?- a morena por sua vez, acaba engasgando com o ar, dando umas tocidas logo após. Anita não se aguenta e explode em risadas

-Nunca!- rebate Verô. Depois de se recuperar Anita diz.

-Ata, e eu sou burra. Mas não foi para isso que te chamei aqui, preciso conversar sério com você. Não aqui. Eu sei da Janete.- Verônica poderia sentir o calafrio que passou na espinha de Anita, ja que sentiu um arrepio.

-Sabe? E vai fazer oque? Quem são eles Anita? Vai me entregar para o Brandão?- descrusando o braço, Verônica mandava todas suas cartas a Anita.

-É isso que eu ia começar a falar, mas você sai atropelando tudo. Só cala a boca, porra. Vai na minha casa, eu te dou minha palavra que não vou te prejudicar. Aqui a gente corre risco.- Anita tentava de forma inconsistente, mostrar cooperação pela linguagem corporal.

-E como eu sei que você não vai me jogar para os leões?- Verônica buscava resquícios de mentira.

-Sei la, oque você quer de garantia?- Anita rebate.
Sem pensar muito, Verônica diz.

-Algo importante para você, se é que tem.- Anita poderia jurar que ouviria mais tarde da irmã, "que ridículo, vocês tem 5 anos?". Mas que se foda, por Verônica poderia voltar aos 5 anos. Anita retira o colar de algemas que sempre usava, nem ela poderia acreditar que estaria sendo tão irracional assim.

-Toma, eu uso com alguém especial. E é ouro, vê se não some com ele. Se sumir da teu cu para arrumar, se não quem te mata sou eu.- Anita estica sua mão na esperança que sirva.
Verônica estava incrédula, mas sentia que poderia confiar nela. Apesar do tom claro de ameaça.

-Você tem meia hora escrivã, te mando o endereço por mensagem- pegando sua bolsa, e largando Verônica confusa para trás. Anita saia de sua sala, dar carona ja era muito, e ja havia escancarado todos os limites.

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Oioi, voltei! Digam oque estão achando, e eu queria avisar que provavelmente vou postar sempre de noite/madrugada. Por hora é o horário que eu tenho para escrever.

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