Dúvidas são mais leves que a realidade.

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Durante todo o café da manhã, uma coisa martelava na cabeça de cada um na mesa, igual aquela coceirinha que aparece do nada e você aluga seu dia inteiro para repensar e pensar naquilo. Você fica em terceira pessoa, o mundo ao seu redor acontece, você está lá. Respirando; dando respostas no automático; olhando para a sua volta e mesmo assim, tudo oque você consegue raciocinar é aquela bendita pulga na orelha.

Verônica pensava em seu presente, sempre foi prática nunca pensava muito no futuro, sua esperança era no agora e sempre fez juz a frase "não deixe para amanhã oque pode fazer hoje". Não seria logo nesse momento que faria diferente, não tinha nem 48hrs em solo estrangeiro, e ja se sentia agoniada. Com a mesma sensação de roupa pinicando no corpo depois de um dia cheio, que só se resolve com banho; hidratantes corporais e um bom sono.

Mas não tinha muito oque fazer, Verônica sempre foi da ação, não participar da investigação e muito menos saber dos detalhes, a corrói. Não confiava em Anita ainda, apesar de ter entendido numa velocidade grande, onde estava pisando, onde era aquele lugar de dor. A única coisa que a impedia de metralhar perguntas sobre isso, além da empatia como mulher, era não saber oque Anita era capaz e não conhecer o outro dalo da moeda. Pensava no desfecho que acontecia no Brasil, será que deu tudo certo? Também não confiava em Júlia, mas não gostaria de vê-la morta.

Anita estava exausta, e nunca teve a sensação que estava provando naquele café, que era família na mesa de casa em um dia normal de suas rotinas. No orfanato tinha horário de comer, e sempre foi dividido por alas e idades. Se você foi classificado como bom em luta corporal, ia na frente por gastar mais energias. Se você passava a manhã com armas e bombas, iria depois, e assim sempre foi.

No refeitório, ficavam de um lado as meninas e do outro os meninos, de 5-10, 10-15, e 15-18. Depois de algumas tentativas de trocar comida ou dividir, as regras foram impostas e nem do lado podiam se sentar. O único barulho era dos talheres, nada de falas, no que era para ser horário sagrado. Mais velha com a irmã, sempre era assim também, falavam pouco e davam prioridade a comer, arrumar a mesa e seguir suas vidas.

Talvez por costume, talvez inconsciente, talvez era só uma mania adquirida com o tempo. Lila e Rafa trocavam farpas, falavam do que fazer durante o dia e filmes para maratonar. Se sentiam de férias, justamente por não imaginar oque estava por trás. E isso não assustava Anita, ela apenas ansiava pela inocência de não saber. Oque gritava para ela era, a vida não foi justa. Mas implorava no silêncio para que desse certo para a irmã, pelo menos uma vez.

Rafa notava as mulheres distantes, sempre foi um menino de se importar com o seu redor e se preocupar com as coisas, aprendeu a notar sinais inconscientes das pessoas. Rafa sentia que algo não estava certo, mas via também as interações. Sabia que a mãe não negaria ajuda a nenhuma mulher, oque o encucava era o brilho no olhar de Verônica. Seria curiosidade? Séria admiração? Carinho?

Não sabia, porém acreditava que todo aquele odio que a mãe sentia pela delegada se dissipava. Quantas vezes ouviu a mãe resmugar da quantidade de trabalho recebida, das farpas e ofensas, do sarcasmo e até da forma "arrumada demais" que Anita fazia questão de ir trabalhar. Rafa tinha esperança que a mãe o entendesse, ja que imaginava Anita ser lgbt também, se compreendia ela, não poderia compreender ele?

Lila surpreendente pensava na irmã da delegada, a menina nunca foi do tipo vaidosa, nunca foi a atenção dos meninos da escola, nunca se sentiu desejada. E isso machucava, justamente por ouvir comentários regularmente sobre seu corpo. Fingia que não afetava, que não era nada, não se sentia a vontade em dizer ao pai por ele ser um dos que faziam comentários. E não havia tido tempo de conversar com a mãe, o mais próximo foi na natação e no quarto na conversa sobre o lápis de olho. Lila no fundo sabia que a mãe ficaria tão irritada quanto ela com os apelidos de baleia, e sabia que seria apoiada, mas a mãe não vivia isso na pele.

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