Ódio?

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Ambas dentro de casa, Anita sentia vergonha de estar tão exposta, mas não tinha muito oque fazer e nem sabia quanto tempo demoraria ali, trancafiada.
Verônica sentia seu lado carinhoso dar as caras, queria proteger a loira a todo custo. Nunca viu a delegada tão exposta, sem xingar e agir como uma pedra. Era estranho, mas estava gostando de ver a loira se abrir.

-Vai deitar? Ou posso preparar um café?- Verônica pergunta, observando Anita. A loira estava parada no meio da sala, com o olhar baixo e envolta no cobertor.

-Aceito o café.- Anita responde, num tom mais grave que o normal. Um pouco aérea com seus pensamentos, uma parte pendia a só desabafar e deixar sair, sabia se proteger e isso não ia mudar muita coisa. E do outro pendia que era desnecessário, que não era importante.

-Oque tanto pensa que nem perguntou se vou envenenar seu café?- Verônica pergunta, enquanto dava a volta para por a água no fogo.

-Quer mesmo saber? Vai usar isso contra mim?- Anita pergunta, apreensiva. Evitava olhar para direção da morena.

-Prometo que nunca usaria seus sentimentos contra você, Anita. Nem mesmo quando der uma dessa de filha da puta implicante, que você é.- Verô responde, voltando a sala e se sentando no sofá. A loira respirou fundo e resolveu se sentar, em uma distância segura.

-Sabe Verônica, minha irmã gostava de muitas coisas, e a principal delas era café. E o café hoje vai me servir de serotonina.- Anita começa, demonstrando um certo pesar.

-Ela trabalhava com a morte e seus grandes mistérios, as vezes chegava contando histórias que para umas pessoas era a unica solução, para outras o maior medo. Eu nunca soube oque pensar, acho que deve ser o aconchego de um banho gelado, em fim de tarde no verão. Um chá no meio da noite gélida, um beijo na testa de alguem amado depois de um dia cheio, o cheiro doce de tulipas. Quase uma velha amiga que ainda se lembra do seu sonho de criança, que sabe todos os detalhes da sua tão sonhada festa de 15 anos. Acho que é um soprar de vida no fundo do mais fundo abismo, isso soa engraçado e contraditório.- Anita riu sem muito humor, seu olhar era mais escuro, suas pupilas levemente dislatadas.

- Mas genuinamente acredito que a morte não vem como inimiga, longe disso, creio que a morte é um abraço em meio toda a dor, um que você pode chorar e desabar sem medo, ela sabe sua dor e te conhece melhor que você mesma. Ela pode sim ser traiçoeira, mas lhe pergunto, quem nesse tão vasto mundo nunca foi?- a loira mirou os olhos de Verônica, mas não esperou por resposta.

-Você com certeza ja reclamou de alguma senhorinha andando devagar na calçada enquanto você estava atrasada, e nem passou por sua mente que aquela senhora é apenas uma estante cheia de livros da sua própria vida, e sabemos que carregar peso não é facil. Xingou alguem no trânsito sem nem se preocupar se a pessoa ta em um bom dia, riu de alguem que tropeçou e nem chegou a pensar que aquele momento vai ficar ali com a pessoa por semanas ou meses até sumir no vazio.- Verônica acompanhava o pensamento da loira, e seu peito começava a ter um peso nostálgico.

-Eu realmente não te culpo, em algum momento ja fizeram com você, é a lei da vida. Mas isso é uma merda e a única coisa que sabemos é que em algum momento o sopro de primavera vem, o banho vem, o chá esquenta e tudo para. O sopro vira um inverno, o banho fica estranhamente muito molhado, o chá fica gelado, a tulipa se perde em meio a rosas e o abraço finalmente chega. O tão almejado aconchego, e sejamos sinceros ninguém conseguiria ser tão aconchegante como o silêncio, o sossego. Eu gostaria de dizer isso a ela antes de alguma coisa acontecer.- Anita baixou a cabeça, para evitar o choro de voltar.

-Ela gostava das estrelas, e eu falava sem parar sobre elas. As estrelas são tamanhas, umas maiores, outras menores. Sempre em bandos, varias constelações, nomes, idades, tamanhos, superfícies. Elas brilham, e nós adimiramos mesmo de tão longe, admiramos. Com toda nossa distância ja vemos elas mortas, a milhares de anos mortas, e mesmo assim queremos quando criança ter uma, ou ser uma. O único problema é que quando crescemos, a maioria de nós ainda quer brilhar no céu.- Anita toma coragem e olha nos olhos de Verônica.

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