Capítulo 14 - Crepúsculo

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Naquela noite em que Tamlin precisou me carregar em seus braços até meu quarto, eu sonhei com ele pela primeira vez.

As luzes feéricas me guiaram pelos corredores da mansão, flutuando na minha frente como uma horda de vagalumes de brilho etéreo, sendo acompanhadas pelas heras que serpenteavam pelas paredes e teto, subindo por cima dos adornos e derrubando as pétalas vermelhas de suas rosas por onde passavam. Eu avançava com o vento correndo em meus pés descalços, sentindo-o me carregar como uma folha em sua brisa morna pela mansão.

Me sentia livre, viva e primaveril.

        Como se cada parte do meu corpo e essência estivesse diretamente conectada à vida a redor, permitindo que eu pudesse ser o vento atravessando as janelas, a terra sobre a qual repousava a mansão, as árvores farfalhando pelo bosque e os lobos correndo em suas matilhas pelo solo úmido. Era como se estivesse viva pela primeira vez em décadas de tormenta. E Tamlin estava lá, ao meu lado, correndo em passos sincronizados com os meus, sorrindo até que seus olhos ganhassem rugas de uma maneira que nunca havia feito antes. Coberto por heras que cresciam, subindo pelas maçãs marcadas do seu rosto até se enrolarem em finas raízes no topo da sua cabeça. As rosas floresciam, desabrochavam e murchavam, apenas para começarem todo de novo. E ele brilhava como o sol, seus cabelos envoltos em luz dourada resplandecente; devastadoramente lindo.

Paramos de correr antes de chegar a qualquer lugar, e o vento se intensificou, sacudindo as janela e fazendo seus cabelos voarem sobre seus ombros, enquanto suas mãos vinham até meu rosto, trazendo suas heras para minha pele. Elas passaram dos seus dedos para minhas bochechas e nuca, enrolando-se pela minha garganta e subindo pelas minhas têmporas. E acima de nós, no teto, se amontoavam em um emaranhado de rosas e espinhos, cada vez mais próximo, prestes a nos engolir.

Eu acordei atordoada naquela manhã. Buscando as heras pelo teto do meu quarto e esperando que começassem a se mexer como haviam feito antes. Mas estavam silenciosas, oscilando suas folhas no ritmo do vento vindo das janelas; derramando seus galhos inertes pelo dossel da cama ao meu redor.

Chutei os lençóis, fazendo as pétalas saírem voando de cima deles, como faziam todo dia assim que me levantava. Elas caiam sobre mim durante a noite inteira, criando um despertar digno de poesia na manhã seguinte.

        No entanto, havia muito mais pétalas desta vez, pois já passava do meio-dia quando acordei, com a boca seca e o estômago roncando graças à minha negligência do dia anterior. Zaya me encheu de perguntas sobre meu bem-estar enquanto prendia meus cabelos no penteado meio solto que costumava fazer, certificando-se que eu estava realmente me sentindo bem antes de me deixar sair do quarto.

        Almocei sozinha, ouvindo o som das lâminas se chocarem do lado de fora da mansão e me lembrando que aquele era o último dia da aposta e que não havia chances de eu ganhar. A comida se tornou insossa, ganhando um sabor de fracasso e ego ferido, mas a engoli mesmo assim, lembrando da sopa e do pão duro que costumava comer nas forjas.

Eu vivia... eu era prisioneira naquele lugar, forçada a forjar por dias inteiros os mais variados utensílios de guerra, desde lâminas até armaduras complexas, mas havia sido derrotada por uma mera porta de cofre. Um pedaço de metal fundido enorme que eu poderia transformar em diversos pedacinhos afiados com um único pensamento, mas não era capaz de abrir mesmo assim.

E eu havia tentado. No quarto dia, foi a última coisa que fiz antes de sentir a fraqueza que me derrubou no chão me tomar. Eu tentei destruí-la.

Mas não funcionou.

Nada funcionava.

Era ainda mais frustrante pensar nisso sabendo que existam apenas doze travas naquela porta, um número relativamente pequeno para o tamanho da complexidade que envolvia abri-las. Eu fiz 48 esboços delas, cinco em papel manteiga, todos marcados com rabiscos de minhas inúmeras tentativas de desvendar sua ordem de abertura. No final do terceiro dia da aposta, eu já sabia a sequência de dez delas, mas não fui capaz de abri-la mesmo com essas descobertas.

𝐂𝐨𝐫𝐭𝐞 𝐝𝐞 𝐏𝐫𝐢𝐦𝐚𝐯𝐞𝐫𝐚 𝐞 𝐋𝐮𝐚𝐫Onde histórias criam vida. Descubra agora