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A noite do tão esperado festival finalmente chegou, e nos encontramos nos agitados bastidores, imersos na preparação para o show. Matuê, que foi uma escolha de última hora, estava prestes a entrar no palco ao som de sua música "Conexões de Máfia". A tensão pré-show era palpável, mas a empolgação e a expectativa permeavam o ar.

Enquanto caminhávamos pelos bastidores movimentados, absorvíamos a agitação e a ansiedade que antecediam um espetáculo desse porte. A luz pulsante dos bastidores e a movimentação frenética criavam uma atmosfera única. Clara, Teto e eu nos aproximávamos do local onde Matuê se preparava para entrar no palco. Clara, contagiada pela energia do momento, abraçava a emoção, enquanto Matheus soltava palavras de encorajamento.

O pessoal da equipe justava os detalhes finais antes de Tuê assumir o controle do palco. A música pré-show ressoava nos bastidores, criando uma atmosfera eletricamente carregada que antecipava a grandiosidade do show que se aproximava.

Ao chegarmos do lado do palco, os primeiros acordes da primeira música ecoaram, anunciando a entrada de Matuê. A multidão delirava em reconhecimento, e a tensão atingia o ápice.

No entanto, em meio à agitação, avistei-o de longe, uma sombra do passado que insistia em aparecer nos momentos mais inoportunos. Seus olhos penetrantes me encaravam de uma distância segura, mas o desconforto se instalou instantaneamente. Caio, com seu sorriso malicioso habitual, mantinha-me sob seu olhar, uma tentativa de exercer controle mesmo à distância.

Não era a primeira vez que ele usava esse jogo psicológico, e cada vez que ele escolhia me encarar de longe, eu sentia as feridas emocionais se reabrindo. Uma sensação de invasão tomava conta de mim, como se ele ainda tentasse manter uma presença tóxica em minha vida.

Tentei ignorar, focando na animação ao meu redor, mas o olhar persistente de Caio continuava a me incomodar. Cada vez que os nossos olhares se cruzavam, era como se ele quisesse transmitir uma mensagem não dita, uma tentativa de reacender o poder que ele já teve sobre mim.

Ao meu redor, todos notaram a minha expressão mudando sutilmente, percebendo a nuvem sombria que pairava sobre mim. Clara, sempre atenta aos detalhes, perguntou se eu estava bem, mas optei por sorrir e assegurar que estava tudo sob controle.

Enquanto a música vibrava ao fundo e a atmosfera do festival tomava conta do ambiente, uma urgência improvável me atingiu: a necessidade de usar o banheiro. Decidi afastar-me momentaneamente da agitação, buscando um pouco de privacidade nos corredores externos.

Ao entrar no banheiro, a melodia distante das performances ainda ecoava, criando um contraste peculiar com o ambiente tranquilo do local. Entretanto, ao empurrar a porta para sair, fui surpreendida pela presença inesperada de Caio bloqueando meu caminho. Seu olhar, como sempre, carregava uma mistura de malícia e controle, enquanto seu sorriso irônico adicionava uma camada de desconforto à cena.

- Achei que poderíamos ter uma conversa rápida, sabe? - provocou, inclinando-se ligeiramente para frente.

A sensação de encurralamento se intensificava, e eu buscava opções de escape. Tentei contorná-lo, mas ele parecia determinado a criar uma cena.

- Não tenho nada a conversar com você. - insisti, mantendo um tom firme, embora minha inquietação fosse perceptível. - Licença. - tento passar, mas ele novamente bloqueia meu caminho, agora com mais assertividade.

Seus olhos exibiam uma mistura de desdém e controle, uma lembrança desconfortável do relacionamento tóxico que compartilhamos no passado.

- Vamos, Sam, apenas um papo rápido. Afinal, somos adultos, não é? - sua voz sugeria uma falsa gentileza, mas eu reconhecia a manipulação.

Determinada a manter minha distância, empurrei-o firmemente, repudiando suas tentativas de reavivar o passado, mas. ele continuou no meu caminho. Era como se eu tivesse empurrado ele com um sopro.

- Não seja tão dura, Sam. Acho que podemos resolver algumas pendências do passado. - avançou para mim e eu senti o espaço ao meu redor encolher.

Empenhada em evitar qualquer contato, esquivei-me de sua tentativa de beijo. A repulsa estava estampada em meu rosto, enquanto a raiva fervia dentro de mim. Empurrei-o novamente, deixando claro que suas investidas eram indesejadas.

- Já disse para me deixar em paz! - exclamei, mantendo uma postura firme.

Caio, porém, não aceitava ser rejeitado tão facilmente. Ele tentou me agarrar com mais agressividade, intensificando a sensação de encurralamento. A música ao fundo tornava-se um mero eco diante da batalha de vontades que se desenrolava no corredor.

Antes que a situação pudesse escalar ainda mais, Teto apareceu, surpreendendo-nos. Seu olhar, inicialmente confuso, transformou-se em fúria ao perceber o que estava acontecendo. A atmosfera carregada ganhou um novo nível de tensão, e a música do festival se tornou um som distante.

- O que tá acontecendo aqui? - Sávio perguntou.

Caio soltou uma risada forçada e lançou um olhar provocador em minha direção.

- Minha namorada e eu estamos conversando. - pude perceber a expressão de Teto de surpresa, mas nada que o deixasse abalado.

- Namorada?! - dou uma risada irônica. - Vai se fuder, cara! - suas mãos agarram meus braços com força.

- Solta ela! - Teto ordenou, sua voz baixa e ameaçadora.

- Quem é você, criança? A nova 'chica' da 30? - ele me solta assim que percebe a aproximação de Sávio.

Minha primeira reação foi entrar na frente de Clériton.

- Por favor, não vale a pena. Vamos sair daqui. - pedi, segurando seu braço para impedir que a situação escalasse, mas ele estava hipnotizado de raiva.

Em uma última tentativa, pego seu rosto e o faço olhar para mim. Seus olhos encontram os meus e posso sentir o ar escapar de seus lábios.

- Por favor... - suplico.

Visivelmente furioso, pareceu considerar meu pedido. Antes que pudesse tomar uma decisão, Caio, desafiador, lançou uma última provocação.

- Você não deveria se intrometer, Sam. Parece que ele quer resolver suas pendências por você. - a voz carregava um tom zombeteiro.

- Vamos sair daqui, Teto, por favor. - sussurrei, meus olhos encontrando os dele mais uma vez.

Por um instante, seus punhos se afrouxaram, mas a raiva ainda reluzia em seus olhos. Em um último esforço, estendi minha mão para ele, buscando conexão na tentativa de dissipar a tormenta.

Teto lançou um último olhar ameaçador para Caio antes de concordar em se retirar do banheiro comigo. A expressão de Caio, no entanto, revelava uma mescla de raiva e confusão, enquanto eu tentava deixar para trás aquele confronto perturbador.

À medida que nos afastávamos do banheiro, a música do festival retomava sua intensidade, mas a sombra de Caio pairava sobre nós. Teto, ainda respirando fundo para controlar a raiva, me olhou com preocupação.

- Você está bem? - perguntou ele, sua voz suavizando diante da preocupação genuína.

Assenti, tentando dissipar a tensão do momento, mas sabia que as consequências daquele encontro se estenderiam além dos bastidores do festival. A sombra do passado havia ressurgido de maneira abrupta, e agora era preciso lidar com as emoções que ficaram expostas no corredor do banheiro.

Enquanto nos aproximávamos do local onde Matuê estava prestes a encerrar o show, eu não conseguia ignorar a sensação persistente de que o passado estava longe de ser enterrado.

Morfina • Teto • 30PRAUMOnde histórias criam vida. Descubra agora