𝐂𝐀𝐏𝐈𝐓𝐔𝐋𝐎 (𝟎𝟎𝟏)

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Ela não tinha controle sobre o próprio corpo. Natalie tentou parar no meio do caminho, mas seus pés não a obedeceram. Os galhos secos que se encontravam no chão e nas árvores, arranharam sua pele ao ponto de abrir cortes profundos. Seu vestido, antes branco, agora se encontrava vermelho devido ao sangue fresco. Se sentia exausta, como se tivesse enfrentado a maior das batalhas e perdido. Com lágrimas queimando nos olhos, ela soube que seu fim estava próximo. O terror apossou-se do seu corpo quando seus pés se moveram para dentro da água fria e de correnteza forte. Estava na reserva, enfrentando seu maior medo ao notar que caminhava para beira da cachoeira, onde uma queda a esperava ávida pelo seu fim. Natalie perdeu o fôlego, principalmente quando sentiu seu corpo ser arrastado pela correnteza. Ela ia morrer, agora tinha certeza disso.

— Natalie! — Ouviu seu nome ser dito em meio a escuridão, mas já era tarde demais para poder responder. Seu corpo afundou nas profundezas do lago, e mesmo que batesse os braços e as pernas para voltar à superfície, a correnteza era mais forte.

Gradualmente, Natalie deixou de lutar, assim como sentiu o corpo mais leve e os pensamentos mais limpos. A essa altura, a água nos pulmões não a incomodava mais, nem quando sentiu o corpo chegar a borda e despencar cerca de sete metros para uma parte ainda mais funda do lago. Talvez essa fosse a sensação de morrer: deixar de sentir tudo.

E só o que via era a escuridão...

Aterrissando violentamente no chão, Natalie acordou com o coração disparado. O corpo se encontrava encharcado de suor e a sensação de afogamento parecia ainda mais real agora do que antes. Há anos não tinha pesadelos tão reais como esse, mas no fim era só isso, um pesadelo. Quando percebeu que a luz do dia penetrava através das cortinas, amaldiçoou tudo ao seu redor, assim como prometeu a si que nunca mais beberia. Claro que a última parte só valeria até a próxima festa que participasse ou quando se sentisse deprimida o suficiente para se afogar em um mar alcoólico. Arrastando seu corpo até o minúsculo e bagunçado banheiro, Natalie deixou que a água fria a acordasse definitivamente. Com isso, lembranças da noite passada vieram como uma enxurrada. Charlotte Matthews esteve em sua casa da maneira mais assustadora e confusa possível. Sem saber se de fato havia vivido aquele aterrorizante momento com a — até então — garota desaparecida, Nat preferiu acreditar que só tivera um sonho lúcido.

Após escolher a roupa para a escola, disfarçou as olheiras escuras com corretivo e pó compacto em frente ao espelho manchado. Marcou o olhar com lápis preto e beliscou as bochechas para ganhar um ar de saúde. Na cozinha bagunçada, uma pilha de louça suja da noite passada estava causando um mau odor, mas o que revirou seu estômago foi tomar o café requentado de vários dias. Natalie ouviu a mãe murmurar enquanto espiava pela janela. Vera já estava no terceiro cigarro e usava a mesma roupa que escolheu no início da semana.

— É verão, mas os pássaros não cantam. Pássaros ficam em silêncio quando há algo ruim. — Murmurou Vera. Natalie franziu o cenho para o que a mãe dizia. Para sua felicidade, seu pai já não se encontrava em casa. — Os pássaros sempre sabem quando há perigo.

— Mãe? — Natalie foi cuidadosa ao se aproximar de Vera. Os olhos verdes e cansados, se voltaram aos olhos mais novos e obstinados. Vera via seu reflexo em Natalie, e talvez por isso, não conseguia encarar a filha por tempo longos demais. A mais velha encarou o chão, encolhendo-se ao toque da filha. — Não há pássaros cantando porque o Bill e o capeta do filho dele espantam todos com aquela espingarda.

— Não... — Vera balançou a cabeça em negação. Então fumou o cigarro. Não importava o que saísse da sua boca, ninguém acreditava em suas palavras, mesmo quando ela sempre acertava o que previa. Talvez se a ouvissem mais e desenhassem menos, muitas tragédias em sua vida teriam sido evitadas. Ela recorreu à cadeira, onde se sentou ainda com os olhos baixos.

𝐇𝐀́ 𝐀𝐋𝐆𝐎 𝐄𝐑𝐑𝐀𝐃𝐎 𝐂𝐎𝐌 𝐂𝐇𝐀𝐑𝐋𝐎𝐓𝐓𝐄 𝐌𝐀𝐓𝐓𝐇𝐄𝐖𝐒Onde histórias criam vida. Descubra agora