𝐂𝐀𝐏𝐈𝐓𝐔𝐋𝐎 (𝟎𝟎𝟖)

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Os gritos de socorro eram tão altos que facilmente chamariam atenção de qualquer um que passasse pela rua, mas ela gostava assim. O desespero, medo e a dor, eram também suas fontes vitais e tornava tudo muito mais interessante. Como poderia caçar se não tivesse uma emoção sequer? Sentiu a adrenalina percorrer pelo corpo quando se deslocou com facilidade da área da piscina coberta para o quarto de paredes rosa no segundo andar. Sua presa suplicou de joelhos, mas ela não se importou. Estava com fome, tanta, que se ousasse sair de casa sem se alimentar ao menos um pouco, causaria um massacre brutal na escola. Sua língua se chocou contra os dentes pontiagudos e sibilou como um felino pronto para atacar. Em questão de segundos, seu corpo deslizou com sutileza pelo chão e suas presas afundavam na carne humana, enquanto os gritos e gemidos de dor eram amenizados conforme a vida em seus braços deixava de existir.

A garota arfou, sentindo todo o sangue pingar aos seus pés, escorrendo generosamente pelo seu queixo. Ela jogou o corpo sem vida para o lado, e o avaliou enojada. De tudo que poderia comer naquela semana, jamais imaginou recorrer a um mendigo. Seu rosto formigou, retornando a forma graciosa de antes. Ela deu um passo para longe do cadáver, mas uma tontura a pegou desprevenida. Uma dor sufocante pareceu atravessar seu peito, enquanto uma enxurrada de imagens borradas surgiam em sua mente como flash. Viu um garotinho se tornar um adolescente problemático e depois um adulto infeliz. Eram muitas informações, mas todas se resumiam a brigas de rua e o uso excessivo do álcool e drogas. A sua vítima não havia sido um sujeito de sorte. Seu fim chegou no momento em que um carro preto parou ao seu lado e o levou a uma mansão, onde foi caçado como um animal e devorado sem piedade.

Ela gritou, levando as mãos para a cabeça quando todos os sentimentos de angústia e aflição da sua vítima se misturaram aos seus sentimentos naquela hora. Era isso que sempre acontecia quando se alimentava. Esse era o tormento que deveria viver a cada vida humana que decidisse tirar. E infelizmente, deveria suportar isso por toda eternidade, talvez em algum momento iria se acostumar. Quando se recuperou, andou até o espelho e encarou o demônio refletido. Era o próprio mal encarnado que agora habitava abaixo da sua pele. Humanos não podiam vê-lo, mas ela estava fadada a ter essa visão aterrorizante sempre que algo a refletisse. Ele tinha desejos difíceis demais para serem reprimidos, mas nem tudo em tê-lo era ruim. Ele lhe dava força, beleza, poderes e tudo que ela deveria fazer era apenas conviver com o que era agora. Para quem crescera presa em um antro de regras rígidas sobre o que poderia ou não fazer, carregar uma força sobrenatural em troca de sacrifícios de sangue não parecia tão ruim.

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Charlotte Matthews costumava adorar o verão, mas foi ao retornar para casa que essa adoração caiu para o fundo do poço. Agora, os dias quentes eram o seu maior problema. Os odores ficavam mais fortes e sua fome ainda mais incontrolável. Caminhando até o banheiro, ignorou todas as superfícies refletivas espalhadas pelo cômodo. Espelhos também haviam se tornado seu pesadelo particular. Após um banho gelado e demorado, percorreu o caminho até seu closet, onde escolheu as peças que julgava serem apropriadas para a escola, e claro, o dia quente. Tudo bem para ela usar um vestido preto que mal cobria suas coxas sobreposto com uma blusa branca de mangas curtas. Ao sair do closet, saltou sobre o corpo em decomposição que se encontrava debruçado em seu tapete felpudo rosa. Ela torceu os lábios, chateada por ver o sangue seco manchando todo seu piso. Odiava quando sua bagunça não era arrumada.

Pela janela, viu a grama morta e seca ser aparada e os pássaros e outros animais, que insistiam morrer ao redor da casa, serem queimados. Enquanto você estiver em um lugar, irá se alimentar até não restar mais nada, e fará isso inconscientemente também. Tudo à sua volta morrerá lentamente. Todas as vidas que cruzarem seu caminho irão definhar até o fim. E realmente estava acontecendo isso, todas as plantas da casa estavam mortas. Os animais que ousaram adentrar em seu terreno e sobrevoar sua casa morriam subitamente. Não havia dom sem sacrifícios, e esse era também um preço ao qual ela deveria pagar.

𝐇𝐀́ 𝐀𝐋𝐆𝐎 𝐄𝐑𝐑𝐀𝐃𝐎 𝐂𝐎𝐌 𝐂𝐇𝐀𝐑𝐋𝐎𝐓𝐓𝐄 𝐌𝐀𝐓𝐓𝐇𝐄𝐖𝐒Onde histórias criam vida. Descubra agora