𝐂𝐀𝐏𝐈𝐓𝐔𝐋𝐎 (𝟎𝟏𝟕)

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O inferno era real, mas não era vermelho ou quente. Aos quinze anos, Gregory Smith leu "Divina Comédia", onde Dante descrevia com uma riqueza de detalhes os nove círculos concêntricos que se afunilavam até o centro da Terra, onde os humanos eram castigados de acordo com seus pecados no mundo dos vivos. Por muito tempo, acreditou que aquilo fosse a descrição mais próxima do lugar que ninguém gostaria de pisar. Contudo, o que via agora era completamente diferente do que leu. Não havia nenhuma divisão, embora tivesse certeza de que, em algum lugar ali, poderia encontrar facilmente uma pessoa sendo esquartejada viva. De joelhos no chão, deu uma boa olhada ao redor, deparando-se apenas com uma imensidão vazia, exceto pelas dunas escuras, como as de cemitério. O odor também não era dos melhores. Greg sabia que era enxofre, o que faria total sentido. Era o inferno, e ele sentia isso em cada átomo e partícula do seu corpo.

Apoiando-se na perna direita, levantou-se de onde estava. O céu, escuro, parecia sereno, mesmo com uma sutil ameaça de chuva — e só deduziu isso graças aos estranhos raios vermelhos que brilhavam por trás das nuvens. Não sentia calor, mas frio. O inferno deveria ser quente, barulhento e perigoso, mas tudo o que via era uma calmaria tenebrosa. Sentia-se observado, mas ao tentar enxergar algo ou alguém no deserto, fracassava. Ele estava sozinho. Talvez aquele fosse seu inferno. Cada humano estava fadado a um inferno particular, mas seria justo o dele ser tão... sem graça? Com uma pontada de desespero, ponderou como sairia daquele lugar. Porém, primeiro, deveria lembrar-se de como havia chegado ali.

O garoto passou a mão pelo cabelo, e uma pontada de raiva atravessou seu peito. Ele estava morto. Fora enganado e usado como isca. Esfaqueado e forçado a beber sangue de vampiro. Greg fechou as mãos em punho e rangeu os dentes. Outra dor perpetuou em seu corpo, dessa vez vindo do estômago. Ele estava com fome e muita sede. Lembrou-se vagamente do que viveu até aquele ponto e do que ouviu há poucos dias. Ligando os pontos, concluiu que não só estava morto, como provavelmente estava se tornando algo que só acreditou existir em filmes de terror: um vampiro. Riu com um toque de desespero, segurando o choro na garganta ao lembrar-se de que nada dali em diante seria como antes. Greg nunca se imaginou como um vampiro, pensava que viveria pelo tempo de um humano comum. Iria para a faculdade, namoraria uma garota e talvez até se casasse. Queria ter dois filhos e um cachorro de estimação. Contudo, a vida era injusta, e o destino, uma grande máquina de piadas. Ele teve que ver seus planos mudarem devido a uma idiota garota recém-chegada à cidade, com sua sede de vingança. Agora, ele estava prestes a se tornar o que jamais imaginou que existiria.

Se Natalie odiava Charlotte Matthews por assassinar pessoas, ele odiava Lilian Clark pelo seu próprio assassinato. Ódios iguais, motivações semelhantes. Greg não sabia mais o que faria quando voltasse à superfície, se é que voltaria. Decidiu caminhar, tremendo pelo que encontraria no caminho. Após cinco minutos de subida e descida das dunas, um caminho revelou-se à sua frente. Os paralelepípedos negros estavam parcialmente cobertos pela areia da mesma cor. Sem perder tempo ou ter opção melhor, prosseguiu pela estrada.

"Venha até mim, querido." Uma voz aveludada e feminina o seduziu. Greg se interessou de imediato, deixando que seus pés fizessem o caminho até onde deveria ir. Ele pigarreou, sentindo a garganta seca. Tão seca que, se encontrasse algo à sua frente, o mataria só para se saciar. O quê? O garoto arregalou os olhos, horrorizado com os pensamentos intrusivos. Nunca em toda sua vida havia pensado algo do tipo. Só de imaginar ver algo morrendo em sua frente, já sentia vertigens. "Venha, doce criança", a voz o chamou novamente. Ela parecia tão acolhedora que ele percorreu mais alguns minutos, até se deparar com as ruínas do que antes fora um castelo. Parou no meio do caminho, inclinando o rosto para ter certeza do que via. "Não tenha medo, venha até mim."

E foi exatamente o que fez. Caminhou até a entrada. Atravessou um portal, que ainda se mantinha de pé por alguma graça divina. Percebeu que a areia preta invadia algumas partes do interior. Talvez fosse por aquela parte ser mais ventilada ou simplesmente por não haver um teto sobre sua cabeça. Ouviu o sibilar de cobras e, ao encarar os pilares solitários no meio do salão, notou a presença das mais perigosas espécies de serpentes. Greg tropeçou e quase caiu. Essa pequena confusão fez com que um sorriso ecoasse pelo local. O garoto olhou à sua frente, notando um altar e um trono adornado com crânios e flores negras. Os vampiros só eram o que eram por conta de um sacrifício. Um demônio. Então era isso? Ele estava na presença de um demônio maior?

𝐇𝐀́ 𝐀𝐋𝐆𝐎 𝐄𝐑𝐑𝐀𝐃𝐎 𝐂𝐎𝐌 𝐂𝐇𝐀𝐑𝐋𝐎𝐓𝐓𝐄 𝐌𝐀𝐓𝐓𝐇𝐄𝐖𝐒Onde histórias criam vida. Descubra agora