𝐏𝐑𝐎𝐋𝐎𝐆𝐎

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TRÊS MESES APÓS O DESAPARECIMENTO DE CHARLOTTE MATTHEWS

Tudo parecia tão errado quando analisado de fora. Natalie levou o cigarro para os lábios na tentativa de se acostumar com o ambiente em que estava. Era uma festa, mas não uma que realmente gostaria de estar. Se tratava de uma comemoração inútil voltada para os alunos do último ano. E embora fosse esperado somente os veteranos, a zona de preservação da cidade de Toms River, se encontrava inundada por adolescentes que mal haviam colocado os pés no primeiro ano do ensino médio. O intuito da comemoração era deixar boas recordações do colegial, antes que muitos ali partissem para a vida adulta na universidade. Talvez esse fosse o motivo de Natalie se sentir tão desconfortável. Enquanto seus colegas sabiam exatamente o que fazer ao sair do high school, ela só queria ter a oportunidade de ir embora da cidade erguendo o dedo do meio como despedida.

É durante os últimos meses de verão, que os dias costumam ser escaldantes, enquanto as noites são mais frias. Contudo, a temperatura baixa não impediu que alguns adolescentes, aqueles que queriam se mostrar valentes, arriscassem acrobacias perigosas ao saltar da cachoeira para um lago traiçoeiro e profundo. Natalie se manteve distante, já que, primeiro, não sabia nadar, e segundo, podia fugir facilmente caso a polícia chegasse. Soprou a fumaça do cigarro, concluindo que não era seu problema se uma tragédia acontecesse ali. Desviou o foco dos garotos para a enorme fogueira. Avistou suas colegas de campo com copos vermelhos nas mãos, enquanto gargalhavam juntas de algo contado pela capitã do time. Natalie poderia confirmar que só estava naquela festa porque a presença das "The Storm" era fundamental para o encerramento de um ciclo, mas chegava ser hipócrita da parte delas a excluírem tão facilmente. Também repudiou em silêncio como suas companheiras de time pareciam ter aceitado muito bem o sumiço de um membro fundamental da equipe.

Era claro que Natalie se referia a Charlotte Matthews, ou Lottie — para os mais íntimos. Ainda no início das férias de verão, a herdeira de um império multimilionário desapareceu durante uma viagem para a Romênia com os pais. Aquele fora seu presente de aniversário de dezoito anos e desde então, Lottie nunca mais foi vista. Teorias e investigações, cresceram ao redor do seu desaparecimento. Não se falava sobre outra coisa na cidade a não ser ela, mas com o passar dos meses, seu sumiço caiu no esquecimento. Ainda que Natalie odiasse admitir, ela sentia falta da melhor integrante de defesa do time. Era estranho ter esses sentimentos por alguém que mal conhecia. Antes do ocorrido, qualquer nível de amizade que Natalie Scatorccio levava com Charlotte Matthews era baseada em futebol e nada mais. Ambas eram como água e óleo, até poderiam entrar juntas na mesma panela, mas jamais se misturariam.

Não era só a classe social que as distinguiam. Nat sabia que não tinha muito o que oferecer no quesito qualidades. Carregava a má fama pelos corredores da escola, sempre se envolvendo com problemas e pessoas erradas — e talvez frequentasse mais a sala do diretor do que a própria sala de aula. Ao contrário de Lottie, que além de uma exemplar aluna, era também a abelha rainha da escola, e tudo isso só servia para alimentar seu ego narcisista. Ser a filha do prefeito da cidade tinha lá suas vantagens, e Charlotte Matthews sabia usar todas ao seu favor.

Natalie jogou o cigarro para o chão quando o amargo a incomodou. Bebeu o último gole do uísque baleado que roubou de uma conveniência de um posto de gasolina e resolveu ir para casa. Ela não estava em clima de festa, mesmo que bebesse o dobro do que já havia bebido ou usasse todas as drogas que seus colegas de classe oferecesse. Também preferiu não se despedir das amigas, aliás, ela não tinha amigas. Contudo, optou por não ter que dar satisfação por querer sair mais cedo da festa para as colegas do time. O caminho até em casa não era longo, bastava pegar a trilha pela floresta que logo chegaria a parte mais pobre da cidade, o bairro em que nenhuma de suas colegas se atrevia pôr os pés.

𝐇𝐀́ 𝐀𝐋𝐆𝐎 𝐄𝐑𝐑𝐀𝐃𝐎 𝐂𝐎𝐌 𝐂𝐇𝐀𝐑𝐋𝐎𝐓𝐓𝐄 𝐌𝐀𝐓𝐓𝐇𝐄𝐖𝐒Onde histórias criam vida. Descubra agora