Isso é um adeus?

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Aloana Helena

A empresa recebeu um pedido para ser finalizado até o final desta semana. Precisamos costurar 120 calças para um vendedor do norte do país. Meus dedos já estão doendo e mal comecei, às vezes a costura sai torta porque minha máquina está velha e quase acabada. Lembro que ganhei ela quando tinha 16 anos, quando minha avó ainda era viva.

Eu morava com ela desde que meus pais morreram em um acidente de trânsito. Meus outros primos e tios foram todos para o exterior com a grana que receberam da herança depois que a velha também partiu. E eu? Ela me deixou apenas uma máquina de costura que tanto me ensinou a usá-la. Eu queria muito entender, porque fui a menos recompensada da família? Logo eu, que sempre trabalhei duro para ajudar a velha nos afazeres domésticos, a levava para passear, enquanto o restante tampouco lhe fazia conta.

A vida já era injusta comigo desde que nasci, desde que meus pais mostraram ser a vergonha da família. Eles não sabiam fazer negócios, eles acumulavam dívidas atrás de dívidas, a gente já chegou a viver debaixo da ponte por causa disso. Meus tios riam de nós, eles diziam que merecíamos, mas eu não entendia, era jovem demais para entender.

Eu tive um irmãozinho, mas ele morreu de pneumonia com apenas 5 aninhos. Aquilo foi um verdadeiro inferno, meus pais ficaram depressivos e eu quase os sustentei sozinha. E como se não bastasse, ainda jovem me envolvi com um homem errado, o que me obrigou a fugir com minha filha para cuidar dela sozinha.

Esta vida me ensinou o que é batalhar, o que é sofrer. Agora encaro esta máquina de costura como a única coisa que restou de minha história, mesmo que ela estrague, a guardarei longe da chuva e do calor. Vovó, você foi terrível comigo. Como poderia me odiar tanto?

E agora cá estou eu, tão perto de perder a vida. Me pergunto se as coisas estariam melhores se eu tomasse outras escolhas. Minha preciosa Raely está quase chegando da escola, então volto para casa para preparar o almoço. Me sinto no dever de fazer tudo diferente, não quero que ela viva como eu vivi, desejo que conquiste o mundo, que seja feliz! O arroz e o feijão os tempero com carinho, tudo para que fique extremamente delicioso. Desejo que minha filha possa desfrutar do melhor que eu possa fazer.

Ouço a porta da sala bater, já deve ser ela chegando.

- Com licença.

Mas... que voz é essa?

Não a reconheço, parece a voz de um rapaz. Caminho até a sala para ver quem é e me espanto com a cena. Minha filha está em seus braços, bastante machucada, ele a solta e a mesma caminha até mim cambaleando.

- Raely! O que aconteceu?!

Minhas mãos trêmulas passam por seu rostinho ferido, mas a danada ainda sorri olhando para mim. O que é que está havendo?!

- Quem é você? E o que fez com minha filha?! - questiono a puxando para meu lado.

- Mamãe! - ela exclama alegremente. - Ele é meu treinador!

- Como?

- Me desculpe chegar sem avisar. - responde o rapaz estremecido, mas o encaro com enorme desconfiança. - Me chamo Alsel e vou ser direto ao assunto. Encontrei sua filha pelo caminho, estava brigando com alguns moleques da escola. Eu a trouxe para cá, bastante ferida. Ela me disse que está disposta a lutar em um torneio para ajudar no tratamento do seu câncer, então ofereci a ela o meu treinamento, mas obviamente só executarei com sua autorização.

Eu não estou entendendo nada.

São muitas informações ao mesmo tempo. A minha filha estava apanhando? Não, ela provocou uma briga! Ela está buscando ser forte, ela deseja participar de um torneio de luta... Para me ajudar? Como? E este rapaz, porque ele quer treiná-la? Porque se ofereceu facilmente? De onde ele veio?

The Last GardenOnde histórias criam vida. Descubra agora