Alsel Qiang
É noite e está frio.
Sinto o relento seco impregnado em meu rosto.
Nabad, cidade bem conhecida por seu clima desagradável.
Não há vento, as pequenas árvores do campo pastoril parecem assombrações e o canto das corujas ecoam como a canção da morte.
Estou sentado sob uma cerca de madeira, afiando minha Tai chi com uma pedra de quartzito, enquanto espero o ponteiro do meu relógio de pulso terminar seu trajeto das dez horas. Ao primeiro sinal de luz se aproximando, um carro vindo em baixa velocidade, num som quase silencioso de motor, sou obrigado a me afastar e buscar esconderijo atrás de uma tapera velha.
Analisando daqui, consigo ver o carro estacionando na garagem da mansão, o casal também já está saindo dele. Agora fecharam a porta e ligaram as luzes. Deveriam ser uma 19:00 horas quando chegaram na boate, acredito que aproveitaram pouco para terem retornado tão cedo.
Preciso esperar só mais um pouquinho...
A lâmina da minha espada já está afiada o bastante.
Meu coração dispara, mas não consigo entender. Não é a primeira vez que o faço, eu já devia ter me acostumado. Perdi minha humanidade tão jovem... Mãe, me perdoa. Sei que não queria que eu me tornasse isso... Mas eu preciso mãe, esse é o meu destino, ele já foi traçado e não haverá mais volta.
A mansão está escura por dentro, todos já foram dormir, assim espero. Deixo meu cabelo preso, como um rabo de cavalo e cubro minha face com a máscara preta. Sorrateiramente eu me aproximo, procurando por câmeras escondidas em todos os ângulos da residência, mas há um cachorro deitado na área, aproveitando um tranquilo cochilo.
Caminho com passos silenciosos, usando a técnica Siwang de yibù, o passo da morte. Mesmo que não me escute, o cão ainda pode sentir meu cheiro. Para isso também carrego comigo porções de ervas, algumas podem ajudar a ocultar minha presença de olfatos aguçados. Não quero fazer mal algum para o animal, então o deixo em paz e sigo em direção ao lado direito da casa. Todas as janelas têm trava de segurança e grades, entrar por elas não vai ser fácil.
A porta dos fundos é feita de madeira, mas qualquer tentativa de quebrá-la fará barulho, então falharei em minha missão. Consigo avistar uma câmera, está virada na direção da entrada, só preciso atirar um dispositivo caseiro que eu mesmo fiz e explodir a lente do objeto sem fazer grandes ruídos.
É tudo tão fácil para mim, devo agradecer aos poucos anos de preparo que tive para chegar até aqui. Não demora muito, logo consigo adentrar a mansão e fazer o segurança de casulinho, o amarrando numa cadeira sem nenhum arranhão, o impossibilitando de falar ou se mover. Não se esqueça Alsel, o seu trabalho é matar somente aqueles que merecem, sem dó, nem piedade, mas jamais ferirá algum inocente... Eu preciso manter a calma para não cometer erro algum.
O quarto do casal está em minha frente, eu pego na maçaneta para abrir a porta vagarosamente.
— Seu nome é Alsel Qiang, correto? — me pergunta Christina, enquanto descia de um Porsche, com a ajuda de um mordomo e dois seguranças os acompanhando.
Me caio neste flashback de dois dias atrás, quando essa senhora elegante, de sobretudo carmesim me encontrou, não sei como, no fim de uma tarde treinando supino nas grades de um campo de futebol abandonado. Seu rosto abrigava um sorriso bonito, mas aterrorizante. Não a conheço, mas certamente eu diria que é esposa de um cafetão.
— Como sabe meu nome e onde estou? — questionei retirando as fitas brancas de meus punhos.
— Eu sei tudo sobre você, que foi um aluno bastante esforçado na academia Zandaka, que perdeu sua mãe muito novo e muitas outras coisas... Bom.. dizer a fonte dessas informações é impossível, eu realmente sinto muito.
Saquei minha Tai chi e imediatamente os seguranças levantaram suas armas em minha direção.
— Calma rapazinho... — ria ela, enquanto eu sentia o desgosto de estar na pele de uma provável megera. — Estou a sua procura por um serviço de confiança. Vim a pedido de um homem, pelo qual devo manter sigilo de sua identidade, mas digamos que... Ele é um chefe honorado e almeja por suas técnicas de combate.
— Quem é você? E diga logo qual a desse serviço, porque eu não suporto explicações desnecessárias.
— É assim que eu gosto. — sorriu maliciosamente e gesticulou para seu mordomo, que foi ao carro e voltou com uma maleta em mãos. — O valor máximo que podemos lhe pagar é de 10 mil wanes. Se achar que está pouco, podemos negociar de outras maneiras.
— Sou casa de caridade por acaso? — respondi embainhando a espada.
— Hum, se considera muito, por mim está perfeito! — E nesse tom, ordenou que o mordomo abrisse a maleta e revelasse as cédulas novinhas. — Verifique por gentileza, a autenticidade delas.
Assim que o fiz, ela prosseguiu:
— Você recebe metade antes e metade depois. Quando terminar de executar a missão, não precisará nos informar. Saberemos por onde anda e como te encontrar, estaremos sempre a vigia. Você tem apenas uma semana para realizá-la, caso contrário sua cabeça se juntará na cova aos demais dividendos do nosso patrão.
Depois ela me disse o que eu deveria fazer, agora estou aqui, abrindo a porta do quarto e desembainhando novamente minha espada. Se for para retirar a vida de um ser desprezível, estou fadado a carregar este pecado eternamente.
Um tiro! Me pegou de raspão! Preciso ter mais cuidado, eu não devo cometer erros como este. O homem já estava à minha espera, ele sabia que eu viria. A mulher se ajoelha no canto do quarto, enquanto o empresário sem camisa dispara vários tiros em minha direção. Me abaixo, me inclino, desvio das balas com uma velocidade incrível e giro minha espada para reter outras que quase se aproximam de minha cabeça.
O homem está sem balas, desolado. A mulher grita, mas eu lamento, a minha lâmina já está na garganta de seu amante, que jorra sangue pelas parede do quarto e mancha o lençol da cama.
— Morte rápida e sem dor... — sussurro, após trabalho concluído com sucesso.
— SEU MONSTRO! DESGRAÇADO!
Por favor, mulher, para de gritar. Eu já tenho que ir embora, não me dê motivos para usar a espada novamente. Mas ela insiste em me atacar com seu salto alto, eu a seguro pelas mãos impedindo que algo de ruim nos ocorra, mas ela grita novamente:
— Jandira! Leve o Dudu para fora de casa! Por favor!
Quem? Então há mais alguém neste lar?
Droga, errei mais uma vez, deveria ter analisado melhor o local antes de agir. Jogo a mulher na cama e saio correndo, descendo as escadas. A pessoa deve ter acionado a polícia, vejo na sala que é uma empregada tentando escapar com uma criança. Mas que caralhos! Eu matei um pai de família?!
Fujo pela porta dos fundos e corro pela floresta o mais rápido possível. Mais uma noite mal dormida, eu deveria procurar um emprego melhor. E depois de um dia de tanta pesquisa, eu descobri... Havia algo que não se encaixava... O que eu realmente precisava saber... Eu fui enganado?!
— Aqui está a outra metade! — sorri Christina, gananciosa.
Hoje é o dia em que ela me pagará o restante, ao me encontrarem caminhando por um setor pouco movimentado. Entramos em um beco afastado.
— Parabéns, Alsel. O chefe se encontra admirado com seu trabalho, suas técnicas de combate são exempla-
Me atrevo a tocar minha lâmina sob seu pescoço. Sinto seu corpo estremecer e sua boca falhar ao gemer baixinho. Enfurecido, a observo profundamente, mesmo com duas armas apontadas em minha direção. Christina apenas espera preocupada, eu sinto um cheiro podre vindo dela.
— Quem é seu chefe! Vamos, responda!
— Garoto, se afaste dela se não quiser morrer! — grita um dos homens.
— Eu já encarei a morte diversas vezes, suas pistolas não passam de brinquedinhos idiotas! — Então aperto um pouco mais a lâmina, deixando um pingo de sangue escorrer de seu pescoço. — O empresário que matei não era quem você me disse que era, não é?!
Anteriormente ela me disse:
— Seu trabalho é ceifar a vida de um empresário, responsável por cometer estelionato e abuso de poder. O homem possui ficha criminal, já cometeu coisas terríveis com menores de idade, inclusive com a filha do meu patrão. Portanto, o mesmo deseja uma vingança plausível.
Depois disso, quando realizei o que deveria ser feito, entrei em contato com um amigo que conseguia informações sigilosas de quaisquer pessoas deste país. Como eu suspeitava, era tudo mentira... Exceto na parte do abuso de poder.
Sabiam do meu passado, conheciam minhas motivações. Usaram como artifício o falso desejo de vingança do chefe para me cativar a fazer o ato. O que eles queriam de verdade com a morte daquele homem? O que me escondem?
— É uma pena ter descoberto tão cedo... — Christine me responde balbuciando. — Mas bem, você já recebeu sua recompensa. Por que se preocupa tanto com um caso que não lhe diz respeito?
— Por quê? Por quê!? — minha voz se altera. — O garoto perdeu um pai! Você por acaso sabe qual é a dor de perder alguém que ama?!
— Mas o sangue não está em minhas mãos. — ela sorri, percebendo meu desespero interno. — Olhe para as suas e aceite sua culpa.
Me afasto encarando o chão. Me sinto um frangalho.
O mordomo coloca um curativo no pescoço de Christine, entram no carro e vão embora, deixando os dois seguranças para trás. E agora? O que desejam? Já me sinto destruído o bastante.
— Você sabe demais, garoto. — diz um deles, sacando uma espada curta. — Fez um bom trabalho, mas sua vida agora significa ameaça para o chefe.
— Enfiem então aquela recompensa no cu dele!
O outro segurança fez o mesmo. Suspiro fundo e inicio a dança Jianzha, a técnica traiçoeira chinesa que me foi passada, dos meus antigos ancestrais. Gire em alta velocidade, faça clones falsos de sua existência e engane os adversários, pensarão que ainda estou girando em sua frente, mas estou atrás de suas nucas, as perfurando como carne macia num açougue de domingo.
Então eles caem como lixos e sou obrigado a limpar a lâmina com o que restaram de suas roupas limpas. É este o preço que pago, por escolher caminhar numa estrada perigosa. Vou sair dessa cidade o mais rápido possível e mudar para a capital. Acho que já está na hora de preencher minha carteira de trabalho, ou talvez, eu venda artefatos na rua. Quando conseguir, retornarei para minha cidade natal. Sinto saudades de Hyoto e do cheiro de macarrão quente pela manhã.
Nathalia Condona
O oceano pacífico é conhecido por seus terremotos e tsunamis.
É considerado por muitos, o mais terrível dentre os quatro existentes. Os países banhados por ele estão suscetíveis a cenários catastróficos, incluindo vulcanismo. Interessante, acho que é por isso que estou começando a gostar de Geografia.
Depois da aula, me encontro com as meninas no corredor, decidimos tomar um sorvete fora do colégio. Groover no mostra o novo celular que ganhou de seu pai, é o modelo mais recente já lançado. Eu não entendo muito disso, mas parece menos legal que o meu.
— Ele me disse que se eu me esforçasse nas aulas de francês, ganharia um. — sorri o exibindo e tirando fotos com a gente.
— Legal! — exclama Nicole, ao meu lado. — Queria um, mas meu pai me disse que só vou ganhar quando completar quinze...
— Eu não preciso disso. — respondo com as mãos na cintura, saindo do prédio da escola. — Compro eu mesma, com a mesada que recebo da minha família.
— Ah. — Groover me cutuca. — Mas você é uma...
— Shiiii!
Quando a mando silenciar, ambas param de caminhar e olham para mim com receio.
— Não fale alto, algumas pessoas não sabem...
— Claro, me desculpe. Esqueci disso.
Haviam coisas que eu gostaria de não fazer, mas manter alguns segredos é importante para minha segurança. Ao atravessamos a rua, observamos os alunos do colégio público, estão em horário de intervalo e muitos saem para comprar salgadinhos. Coitados, a escola não oferece nem comida para eles? Quando na verdade muitos só vão para poder se alimentar...
Depois de comprar os sorvetes, Groover me aponta para alguns garotos em específico.
— O que foi? Não vai me dizer que está apaixonada por um classe baixa. — Lá vou eu com minha hipocrisia.
— Não, nada haver, Nathalia! É aquela garota de cabelo lilás!
Meu coração salta pela boca sempre que a vejo. Eu deveria odiá-la por suas provocações baratas, pois não há outra escolha a não ser revidá-las. Mas sempre que ela está perto, eu não me sinto bem, as coisas saem do rumo que eu espero seguir. Eu acho que gosto dela.
— O que aconteceu com ela? — Nicole se preocupa, deixando seu sorvete cair no chão.
Meu deus, toda vez isso acontece com ela. Como pode ser tão desastrada?
Mas quando observo o semblante de Raely distante, a vejo sentada num banco com seu amigo idiota. Ela está triste, parece desanimada. Estranho, sempre a vejo sorrir ou ficar zangada. Pelo menos isso a fará menos travessa hoje.
— Se está tão preocupada com ela, por que não vai perguntá-la então? — provoco minha amiga. Eu prefiro que outra pessoa vá no meu lugar, em uma situação como essa.
E não é que a dondoca vai mesmo?
Só pode ser a Nicole. Eu e Groover já somos bem diferentes quanto às nossas atitudes, mas aquela ali consegue ser a pior de nós. Ela obedece e faz tudo que eu mando, sem nenhuma reclamação ou desabafo.
É lamentável também a situação de Raely.
Vive uma vida de lixo, pobre e faminta.
Que culpa possuímos por haver pessoas assim neste país? As pessoas não trabalham, são vagabundos, por isso não sobem de vida. Se eles soubessem... Se eles soubessem como mudar, não estariam assim!
O meu sorvete é de chocolate, o da Groover é de baunilha. Compramos um de morango para a Nicole, mas ela ainda está conversando com Raely e Loren. Desse jeito o sorvete vai derreter e a coitada não poderá tomar nenhum hoje! Mas não demora muito, ela logo retorna ao nosso encontro e caminhamos direto para a rua da escola.
Vejo Nicole triste, acho que a conversa foi uma má ideia.
— E então? Você levou alguma rechaça dela? — pergunto, lambendo meu sorvete.
— Nathalia, Groover... Vocês não sabem... Mas a Raely está passando por um momento muito difícil.
— Isso não é novidade. — responde Groover.
— Acho que deveríamos parar de zoar ela...
— Quem deve parar é ela! — Me sinto nervosa.
Nicole se encolhe lambendo o sorvete. Que droga, fala logo menina! Esse suspense chato... Como eu odeio.
— A mãe dela... Está com câncer...
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The Last Garden
Roman pour AdolescentsRaely é uma jovem sonhadora, animada e divertida, que almeja mais do que tudo, salvar sua mãe de uma doença terminal. Para isso ela encara um torneio perigoso ao lado de seu amigo Loren, um garoto rejeitado pela própria família, tímido e que deseja...