Algo errado

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— Como ela tá?

— Aplicaram um medicamento forte, acho que vai dormir até amanhã e na próxima semana já vão começar o tratamento...

— Podia ter nos avisado antes viriamos pra cá rápido.

— Não deu tempo foi tudo de última hora, ela estava com tanta dor que nem se recusou a vir.

Meus pais e eu viemos correndo assim que soubemos sobre a Freya, ela parece tão abatida e não consigo entender até ontem ela estava bem... mesmo sabendo que seria assim é angustiante não saber quando as crises vão acontecer, ela está bem magra e com uma aparência de uma pessoa doente.

Sei que ela percebe isso porque já nem se arruma tanto quanto antes e não deixa que ninguém a veja se trocar e pra alguém que nunca teve vergonha do corpo isso dizia muita coisa.. Era como se o bebê estivesse consumindo ela de dentro pra fora, como se tudo que comesse fosse direto pra ele e nada pra ela.

— Vocês são os pais dela?

— Sim doutora, como está nossa filha?

— Senhora injetamos uma medicação forte ela vai ficar indisposta até amanhã, imagino que o namorado dela tenha contado sobre o tratamento.

— Um pouco, pode explicar melhor?

— Ela está perdendo nutrientes, o que vamos fazer é um coquetel de medicamentos... vamos repor tudo que está perdendo e garantir que ela fique forte o suficiente pro parto.

— Mas tantos medicamentos de uma vez não vai prejudicar ela ou o bebê?

— Não são medicamentos perigosos são apenas vitaminas e proteínas que ela já está perdendo vamos apenas repor. Em três meses ela vai estar bem melhor e as crises vão diminuir.

Eu realmente espero que isso funcione porque é a única opção que temos.

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Desde que acordou no hospital ela tem estado calada demais, apenas responde o que perguntamos mas não diz nada além e parece pensativa. Quando chegamos em casa ela quis ir direto pro quarto, imagino que esteja cansada mas isso não está normal eu conheço minha irmã.

— Te trouxe um sanduíche...

— Não estou com fome, obrigada.

— Não comeu nada desde cedo Freya, você pode não estar com fome mas o bebê precisa de nutrientes.

— Ele já tem nutrientes, olha pra mim esta até roubando os meus.

Além de fisicamente doente ela também estava mentalmente doente e essa é a pior parte, as dores físicas podemos controlar mas ela estava mentalmente cansada.

Sua vida agora estava girando em torno dessa doença e com a ideia terrível de morrer em poucos meses, nem consigo imaginar como ela deve estar não consigo me colocar no lugar dela..

— Conversa comigo, diz o que tá sentindo..

Me sentei a sua frente segurando sua mão encarando suas grandes olheiras profundas, seu olhar estava exausto e ela praticamente pedia ajuda ao olhar pra mim.

— Eu amo o bebê, mas odeio o que ele está fazendo comigo.

— Mas você sabe que não é culpa dele não sabe?

— Eu sei... porisso eu me odeio, porque é culpa minha.

— Freya isso não é culpa de ninguém, doenças acontecem... precisa ser forte e passar por isso, pensa que depois do parto você vai ter um bebê lindo e saudável que vai precisar de você... já imaginou como vai ser? O cheirinho e o rosto?

— Já sim..- ela disse sorrindo ao tocar a barriga.— Acho que vai ser como eu mas com os olhos do Victor... eu gosto dos olhos dele..

— Está ansiosa pra conhecer ele ou ela?

— Estou mas... Thom temos que ser realistas, e se eu morrer?

— Isso não vai acontecer.

— Mas se acontecer Thom?!... não falamos sobre essa possibilidade e ela existe eu preciso falar sobre isso pra ficar tranquila. Quero que cuide do meu bebê e que cuide do Victor..

— Freya eu não posso falar disso... não dá..

— Mas precisamos, faltam cinco meses pro parto e eu ainda não sei o que vai acontecer se eu morrer. Vou deixar uma conta em aberto com meu dinheiro pro bebê, vai ser o suficiente até a vida adulta dele.

Eu não podia ouvir isso sem querer chorar, meu coração estava apertado vendo ela fazer planos sem sua presença. Eu sei que essa conversa é importante mas eu não quero nem pensar nessa possibilidade.

— Quero que ele estude, e eu não ligo se ele quiser seguir os passos da família mas tem que estudar como nos dois estudamos. Nós pensamos igual então se você não concordar com qualquer coisa que Victor fizer quero que o repreenda, e nunca deixe meu filho sozinho..

Precisei abraçá-la porque não queria ouvir mais nada, isso era uma despedida eu podia sentir ela já nem chorava mais porque já tinha se acostumado com a ideia, nos momentos em que está bem ela aproveita o máximo o tempo com a família e sei que ela está tentando se despedir sem deixar um drama mas isso é impossível.

— Está tudo bem Thom, eu estou bem com isso... eu só...

Ela parou de falar derrepente me fazendo afastar e então tocou a barriga com um olhar assustado me deixando preocupado.

— Que foi?

— Me dá sua mão.

Ela colocou minha mão em sua barriga e eu não estava entendendo nada até que senti, ainda era fraco mas estava aqui com certeza. Era um pequeno chute e isso me fez rir entre minhas lágrimas, Freya começou a rir também descontrolada ao sentir e quanto mais ela ria mais o bebê se mexia.

— Ele é forte, qual a sensação disso?

— É estranha... meu Deus está mais forte...

Assim como eu ela não conseguia esconder a surpresa, o bebê ainda era bem pequeno mas esse chute forte só confirmava que estava bem e saudável apesar da situação.

— Eu não me importo em dar todos os meus nutrientes pra ele, só de sentir ele forte assim já compensa todas as dores.

— Já escolheu o nome?

— Ainda não, quero que combine com ele..

— Então acho que vai precisar esperar pelo parto pra decidir.

— Thom... você sabe que...

— Acho melhor fazer o impossível pra ficar viva, não vai querer que seu bebê fique sem nome não é?

— Está me persuadindo?

— Cada um joga com as armas que tem...

Não vou mentir eu estou com medo, vendo minha irmã tão decidida e reconfortada com essa ideia eu sei que ela tem certeza de que não vai sobreviver mas eu ainda confio nela, tenho fé que ela conseguir passar porisso.

Mas apesar da nossa conversa ainda tem alguma coisa que ela não está me dizendo, algo que tenho certeza de que é importante demais pra deixar passar. Ela está tremendo enquanto toca a barriga e sorri, parece ansiosa e inquieta... o que tem de errado com ela?

Obsessão parte IIOnde histórias criam vida. Descubra agora