Capítulo 17

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Houve uma briga naquela manhã. As crianças encontravam-se no intervalo entre as aulas, que dividia o período matutino do período vespertino, naquele curto intervalo de tempo que tinham para conversar e descansar após o almoço, antes que os treinos da tarde começassem. Natalia não viu nada, só ouviu os gritos e a correria das crianças dos lavatórios em direção ao pátio, animadas como se estivessem recebendo presentes. Dotados ou não, crianças eram crianças e adoravam ver uma pancadaria gratuita. Atraída pela balbúrdia ela secou as mãos (estava escovando os dentes quando tudo começou) e dirigiu-se também ao pátio. Uma roda de crianças, algumas altas e outras baixas, não permitia que visse o que estava acontecendo, mas nem precisava: os que conseguiam enxergar, narravam tudo que acontecia aos que estavam ao seu lado e a notícia passava adiante.

— Parece que foi o Jonatas que provocou o pequeno Meebo de novo, chamando-o de sangue de traidores.

— E ele revidou? Ele só tem seis anos! Mal saiu das fraldas!

— Mas é filho do tenente Rivaille e da tenente Tsuhara! Eu que não mexeria com ele!

— É verdade que ele possui controle tanto do elemento fogo quanto do elemento vento? Isso é muito raro, não é?

— É sim. Normalmente quando dois elementais se cruzam, cria-se uma nova categoria de poder. No caso dele, ele ficou com os dois elementos. Por isso veio pra escola tão cedo.

— Sim, ele é o mais novo dos estudantes!

— Mesmo assim eu tenho medo dele. É esquisito, nunca fala com ninguém.

— Não se sabe nem qual sobrenome ele vai assumir — o da mãe ou o do pai.

— Acho que o correto nesses casos é criar um novo sobrenome, pois com ele nasce uma nova família.

— Isso não é importante. Lá está ele, vejam!

E eles viram o pequeno garoto, de cabelos pretos com os olhos puxados da mãe, mas a expressão séria e invocada do pai, ser escoltado por dois educadores. O outro menino, Jonatas, que já tinha dez anos e dava quase dois dele, vinha atrás, com um olho roxo e um pouco da camiseta chamuscada. Os alunos acompanharam a procissão com espanto, entre uma e outra exclamação de admiração. Meebo era o neném do grupo mas já começava a criar uma reputação. Encrenqueiro, malcriado, solitário, eram muitos os adjetivos e nos corredores sórdidos da vida social ele estava obviamente sendo deixado pra trás, rejeitado como algo que simplesmente não se encaixa. Natalia sentiu pena dele e lembrou-se da profecia da irmã. Se ela se casaria com o pai dele algum dia, isto os tornaria parentes, como um sobrinho de segundo grau ou alguma coisa assim. Imediatamente sentiu-se responsável por ele e ao final daquele dia foi procurá-lo.

Encontrou-o no bosque do lado de trás da escola, atirando pedras em pequenos esquilos que se aproximavam só o suficiente para escaparem tranquilamente de suas investidas, tal como se estivessem o provocando. Natalia era uma garota amável, tinha muita facilidade em gostar das coisas, mas sentia que seria muito difícil pra ela gostar daquele menino.

— Por que você agrediu o Jonatas mais cedo? — perguntou, fazendo o menino levar um susto

— Por que você quer saber?

— Olha, todo mundo aqui se sente sozinho e assustado a maior parte do tempo. E alguns meninos...eles são apenas idiotas.

— Ele ofendeu a família do meu pai. — o menino enfureceu-se e atirou mais uma pedra, que ricocheteou num tronco de árvore — Disse que eu tenho sangue de traidor.

— Não dê ouvidos a ele. Você sabe que não é nada disso.

— Eu não sei — a voz ficou chorosa e aí ele se parecia com um garotinho de seis anos de novo — não sei porque ele disse isso pra mim. Às vezes escuto as outras crianças falando que a família do meu pai fez alguma coisa ruim, mas não consigo entender o que é.

Deuses e HomensOnde histórias criam vida. Descubra agora