Capítulo 9 - Morado

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Era o começo de um dia bom, sexo antes de sair da cama, café da manhã pronto, meus homens não trouxeram nenhum problema a meu conhecimento e tinha acabado de receber a informação dos lucros da última leva quando veio a mensagem de Ceci.

Me levantei para ir atrás dela quando ouvi a vinheta do noticiário urgente na tv, parei para ver, acreditando que seria apenas algo político ou algum acidente envolvendo um famoso. A ancora anunciou um corpo encontrado na zona industrial, a imagem cortou para o repórter e ao fundo a perícia trabalhando, não dava para ver nada além do corpo coberto e o cabelo trançado para fora do tecido, eu não daria muita atenção no momento se não fosse pelos óculos Juliet caído próximo ao corpo.

A menina do cartaz de desaparecida usava um exatamente igual, senti uma pontada aguda na cabeça e abri a geladeira atrás de uma cerveja.

- Acharam a menina – Falcão desviou o olhar do binóculo para mim.

- Você viu?

- Tá rolando nos grupos, alguém filmou antes da perícia chegar.

- Droga, a mãe dela já viu?

- Não soube de nada ainda, uma prima pediu pra pelo amor de Deus apagar o vídeo.

Peguei o celular e abri o grupo geral do morro.

"Quem compartilhar, manter ou salvar o vídeo da menina Thuany, vai ser o próximo a subir pro tribunal"

- Vou sair.

- Não é uma boa hora.

- Por quê?

- Não devia ir ver a mãe da menina?

- Vou fazer isso, mas preciso pegar a Maria Cecília.

Ele me olhou desconfiado, eu não tinha tempo para isso,

Coloquei o boné para trás e saí. Ceci já me esperava no alto da escadaria quando cheguei.

- Sem moto hoje?

- Não é longe pra andar, a moto foi só...

- Pra me provocar? – ela deu um sorriso de canto que eu teria adorado em outro momento.

- Não é hora, acharam a menina.

- A Thuany? Isso é ótimo - ela se animou, claramente não fazia parte desse mundo.

- Morta, acharam ela morta.

O rosto de Ceci congelou em meio ao sorriso que ela tinha começado a abrir e percebi seu queixo tremer.

- Como?

- Não dá pra saber ao certo com o estado de decomposição, mas parece que foi assassinada.

- Abusada? – sua voz embargou, ela tentava não chorar e manter o profissionalismo.

Não sei que diferença faria, mas pela entonação da pergunta parecia algo muito importante para Ceci.

- Não sei.

- Não! Deus – ela colocou as mãos na cabeça, como se essa precisasse ser sustentada, parecia desesperada.

- Talvez não. É, não. Ela estava vestida, não acho que teriam o trabalho de arrumá-la depois.

- Foi o que encontraram na zona industrial?

Me lembrei da conversa dela com o delegado que ouvi pela escuta e assenti.

- Eu vou até lá – ela se virou para descer, mas a segurei, Ceci despencou em meus braços, seu soluço quase me deixou surdo.

A abracei com força, amparando sua dor e esquecendo a minha. O que mais ia dizer? Que toda essa situação mexia com traumas que há muito tempo eu tentava enterrar?

- É culpa nossa, se estivéssemos mais preocupados em encontrá-la do que brincando um com o outro, isso não teria acontecido.

- Não, Cecília. Ela já estava morta.

- A outra? Brenda, eu acho. Ela estava lá?

- Não. Mas não vou alimentar esperanças, é uma questão de tempo.

Eu não queria fazer mal a ela, mas quanto antes Ceci superasse, melhor. Eu realmente havia perdido as esperanças com as meninas desaparecidas e estava convencido de que algo grande estava acontecendo, então precisava proteger as que ainda estavam no morro.

- Vamos pra casa, temos muito pra conversar.

- Tá bem – ela fungou, ainda em meu abraço.

A guiei pela cintura através das vielas, ela com o rosto manchado, tentava aos poucos limpar a maquiagem borrada com as mãos, não deixava ela menos bonita. Mantivemos silêncio pelo caminho de poucos minutos por vielas estreitas até cairmos em uma rua semi asfaltada.

Faltava poucos metros até em casa, quando vi em cima de um dos telhados do lado esquerdo, um pequeno brilho refletido, não tive tempo de muita coisa, empurrei Cecília para um carro estacionado quando o som dos tiros reverberou pelo morro.

Cecília se abaixou enquanto a empurrava para trás do carro estacionado, parecia treinada.

- Atrás do pneu, atrás do pneu.

Ela se afastou, se sentou com as costas na roda, vi sua calça rasgada na altura do joelho e me perguntei quando ela fez aquilo, o pânico em seu rosto era palpável, diferente da adrenalina que corria em minhas veias.

Estendi o braço junto a lataria do veículo e ela fez o mesmo, entrelaçando nossos dedos firmemente.

- Não me solta - suplicou

- Não vou soltar.

Foram apenas dois ou três minutos de tiroteio, eu sabia que eu era o alvo, isso estava nítido desde o primeiro disparo. De dentro de uma casa na minha frente, vi um fuzil aparecer na janela e atrás dele um garoto levantou o queixo, gelou minha espinha, mas ele não disparou.

Fiz sinal para que ele esperasse, não valia a pena devolver o ataque, não podia deixar Ceci no meio disso tudo, ouvi o som alto do motor quando um furgão se aproximou pareando com o carro que nos protegia.

- Chefe? – Mané gritou de dentro da van.

- Vem, Ceci.

Agarrei ela pelo braço, mas precisei arrastá-la para dentro do veículo, Mané fechou a porta e disparou rua acima, ninguém falou nada dentro do carro, Cecília mantinha a cabeça baixa entre os joelhos, me inclinei para frente a fim de ver o caminho. O motorista estava despistando mesmo que não tivesse mais tiros.

Senti meu braço direito esquentar ao máximo, olhei brevemente percebendo a laceração em uma das minhas tatuagens, a pele em carne viva e escorrendo sangue.

- Tá machucado?

Cecí levantou o rosto rápido ao ouvir Mané.

- Não, foi de raspão.

Ela apertou minha coxa, firme e acolhedor, dei um breve sorriso e passei o braço em seus ombros, se eu pudesse escolher, ela jamais teria passado por isso, mas essa era a minha vida.

Ela tinha conhecido o Alan e naquele momento, estava conhecendo o Morado, rei do morro,

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