Capítulo 20 - Maria Cecília

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The Topper era um restaurante conceitual no topo de um dos mais altos de São Paulo, bem famoso no começo pela sua parte arborizada no terraço, mas que com o tempo havia caído nos esquecimentos. Seus clientes passaram dos jovens mais abastados da região para novos ricos e homens com mais de quarente que ainda se sentem com vinte.

Não que isso me incomodasse, eu gostava de brunch e almoço com pessoas próximas em qualquer lugar.

O problema foi a forma como Hugo Castanho olhou para mim quando aparecia na porta. Ele era amigo do meu pai, chegava a ser nojento. Respirei fundo e sorri enquanto era levada até o bar, ele nem se importou em pedir uma mesa, não era um brunch, era uma desculpa para beber ás dez da manhã.

- Olha só pra ela – ele sorriu de canto – linda como sempre.

- Obrigada, e você continua com o mesmo charme – bem próximo a zero, pensei.

Ele era péssimo com cantadas e pior para conversar, embora tenha enriquecido porque sabia as pessoas certa, eu estava enjoada, tentando empurrar o Sex on the Beach que pedi apenas para provocá-lo, ainda que não tivesse nada sexy no drink. Eu preferia o gosto de cerveja que provava na boca de Alan.

Não sei como me saí bem durante aquela conversa, como ele estava envolvido pelos meus falsos sorrisos, mas estava. Fácil, fácil.

- Como anda a campanha?

- Muito bem, eu acho.

- Não parece se importa muito.

Eu e concordei. Semanas antes eu estava em todos os jantares de família e eventos políticos, ouvindo tudo sobre campanha, mas se me perguntassem naquele momento o número para digitar nas urnas, eu nem me lembrava mais.

- Acho que tenho sido uma menina má.

Sorri, Hugo passou os olhos pelo meu corpo com malicia nítida, ele queria que nos vissem flertando, mesmo que fosse apenas o barman.

- E o que tem feito como uma menina má?

- Pouca coisa, ninguém nunca me leva nos lugares legais.

- Eu conheço alguns lugares legais.

- Podia me levar.

Hugo me olhou de cima a baixo, cruzei as pernas na tentativa de deixar o vestido de trabalho mais curto. Certamente ele estava avaliando se valia o risco.

- Já esteve em uma casa de swing? Sabe o que é um gloryhole?

Respirei fundo para manter a bebida no estômago.

- Eu posso lamber desconhecidos, não é nada novo. Eu queria alguma coisa mais... baixa.

- Vou pensar em algo.

Ele estava esquivando, eu não podia deixar a oportunidade escapar.

- Na verdade, tem um lugar no centro, em frente ao Pallace.

- O que sabe do lugar?

- Não muito, mas sei que é diferente de outros bordéis, não pela clientela, mas pela mercadoria - senti a boca do estomago estourar - com licença, preciso ir à toalete.

Me levantei na parte da conversa que mais me interessava, mas aquela palavra que usei foi demais para mim, entrei no banheiro e tranquei a porta, um segundo antes de esvaziar o estomago no vaso, me senti uma idiota, fraca e covarde.

"Anda, Ceci. Você consegue"

Afirmei as palavras em pensamento, fixando os olhos no espelho, eu sabia que precisava fazer por elas, por Alan e por mim. Percebia o quando isso era importante e grandioso.

Me recompus, levantei a cabeça e saí pronta para conseguir o que eu havia ido buscar.

- Está bem?

- Acho que a bebida foi um pouco forte para mim.

- Você precisa ser corrompida logo, foi só um drink.

- Onde estávamos? Ah sim, aquele prédio no centro, você conhece?

- Estive lá algumas vezes.

- Por onde é a entrada? Pelo restaurante? – fingi a dúvida.

- Ah não, pelo estacionamento, mas não é só entrar, você precisa ser levada.

- Que pena, eu estava louca para conhecer.

- Só precisa de um homem com os contatos certos.

- Você é esse homem?

Ele ficou sério, virou para frente e deu um grande gole em sua bebida escura, Hugo já tinha passado do limite há tempos, eu não sabia quanto mais poderia insistir antes que se irritasse.

Passei os dedos pelo seu ombro lentamente, ao menos eu tentei uma última jogada.

- Tudo bem, a gente se vê por aí.

Me levantei devagar, ele olhou por cima do ombro.

- Tem uma senha e um cartão, não consegue entrar sem ele e não vou te emprestar o meu.

- Obrigada.

Desci daquele bar muito mais rápido do que subi. Tinha outro lugar onde eu podia encontrar um cartão.

Dirigi até em casa onde encontrei o quarto do meu irmão vazio, não me importei em deixar tudo no lugar, abri as gavetas do guarda-roupa jogando tudo para o chão, fiz o mesmo com as caixas no guarda-roupas e tenho certeza que encontrei mais drogas ali do que no morro.

Olhei embaixo do colchão e até levantei a cama box, mesas de apoio, escrivaninha, banheiro. Não encontrei nada, eu quis negar, mas precisava tentar mais um lugar.

Precisava olhar no escritório, Victor o usava ás vezes e até tinha a chave da gaveta na escrivaninha, mas ao passar em frente ao quarto dos meus pais, me lembrei de ser uma menina exploradora, entrar no seu quarto um dia e quando percebi que seria pega, me escondi em baixo da cama, enquanto esperava tudo estar limpo para poder sair, percebi um celular preso entre o estrado e o colchão.

Me lembro de estragar para minha mãe e ela brigar com ele por semanas depois de encontrar fotos e mensagens de uma amante.

Engoli em seco, entrei no quarto convencida de que seria apenas para ter certeza, que não encontraria nada ali. Não era a mesma cama de minha infância, era uma box, me ajoelhei e passei a mãos por baixo dela, alguma coisa me cortou, puxei a mão e vi uma pequena e fina linha vermelha, um corte de papel. Tomei mais cuidado ao tocar o mesmo lugar, era realmente um cartão, o peguei e precisei segurar a respiração para olhar.

Era vermelho com um escrito branco que dizia "Suite 18", havia um carimbo na parte de trás. Não podia ser outra coisa. O coloquei no bolso e o levei para o meu quarto.

Eu precisava fazer aquilo naquela noite, não podia correr o risco de descobrirem o que eu achei. Voltei para o quarto doo meu irmão e peguei todos os entorpecentes que havia encontrado e os enfiei na privada até que entupisse.

Peguei um marcador e escrevi no espelho "Diga adeus a sua droga". Uma pequena vingança entre irmãos para mascarar o que eu realmente estava fazendo.

Mandei uma mensagem para Alan, tentando parecer mais casual e brincalhona, embora eu não soubesse o que esperar, dele, do lugar, de mim.

Meninas do MorroOnde histórias criam vida. Descubra agora