A porta da cozinha bateu com estrondo na parede oposta com a força que empreguei nas mãos ao abri-la. Era ela ou a cara do homem que entrou atrás de mim.
- Que porra foi essa, Mané? É a segunda vez esse mês.
- Não sabia que tava rolando roubo não.
Não era a primeira vez que as lojinhas do morro estavam sendo saqueadas, vez ou outra a molecada perdia a cabeça e acaba tirando uns pacotes de bolacha das prateleiras e enfiando embaixo da camisa. Mas pela segunda vez em pouco tempo, uma onda de roubos do tipo chega nos meus ouvidos.
- Tolerância zero, Mané. Pode ser um bolo de dinheiro do caixa ou um chiclete, a gente trata do mesmo jeito. Tu é ou não é o chefe da segurança?
- Sou sim, Morado. Na moral, as tias num falaram nada dessa vez.
O silêncio dos comerciantes podia significar que estavam perdendo a confiança em mim.
- Some da minha frente, Mané – levantei o queixo em direção a porta e ele saiu de cabeça baixa – e resolve essa merda – gritei para que ele e qualquer um parado do lado de fora ouvisse.
Finalmente me virei para o outro homem no cômodo, mais velho, mais alto, mais forte e ainda assim, um pacifista.
- Não diz nada - apontei a garrafa de cerveja recém tirada da geladeira e ele a pegou.
- Qual é, negão? Tô aqui na minha.
- Mas sei o que vai falar.
Abri a cerveja e dei um longo gole a fim de esfriar minha mente turbulenta já que andar de um lado a outro na cozinha não estava ajudando.
- Se sabe o que vou falar, então me poupa esforço.
- Não sou burro, sei que querem me tirar.
- E fica andando por aí com a cabeça descoberta, pronto para levar uma bala.
Soltei um riso fraco, mas muito sincero.
- Ninguém tem coragem de meter o cano na minha cabeça, Falcão. Não quando todo mundo confia em mim.
Eu era mais que o dono do Morro da Barra, para os moradores, eu era um salvador, mantinha os conflitos longe e agia com justiça. Por isso, a única forma do traidor me tirar do pedestal era tentando me desacreditar, colocar o povo contra mim era o jeito de me derrubar e depois sim, cancelar meu CPF.
- Se lembra que foi assim que você chegou onde está.
- Não é a mesma coisa, o Dadá era um merda, deixava as meninas entrar aqui com os crias, depois elas acabavam tendo o cabelo raspado.
- Lei do morro.
- Comigo não tem essa de lei do morro, tem as minhas leis. E acho bom achar quem tá armando pra mim, cê pode ser o irmão mais velho, mas aqui, você trabalha pro morro.
- Falando nisso – Falcão se esticou, pegou uma folha de papel no bolso e abriu com uma lentidão que me irritou – acho que você devia ver isso.
Falcão ou Alisson, como nossa mãe o batizou, só tinha idade e tamanho. Além de uma enorme vontade de me provocar. Três anos antes ele saía da academia onde trabalhava como instrutor, quando o garra passou atirando, a bala se alojou na espinha e ele nunca mais saiu da cadeira de rodas. A partir daí, passou a vigiar o morro de cima e o filho da puta via tudo.
- Me dá isso aqui – arranquei a folha da sua mão com um puxão que a partiu em dois.
Coloquei sobre a mesa e juntei as partes, se tratava de um cartaz de desaparecida. Thuany Silva Martins, treze anos, vista por último na sexta feira na viela 25, usava shorts jeans e um cropped preto, óculos Juliet.
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Meninas do Morro
Storie d'amoreQuando adolescentes começam a desaparecer no maior baile funk de São Paulo, o dono do morro Morado e a assistente social Maria Cecília, começam a trabalhar juntos para descobrir o que houve com elas.