Capítulo 33 - Morado

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Saltei do carro com ele ainda em movimento, era uma rua adjacente, também bloqueada por altas chamas de pneu pegando fogo, enquanto andava rumo ao fogo, tirei a camisa e a amarrei na cabeça, cobrindo todo o rosto com exceção dos olhos.

A temperatura era alta como o inferno, eu estava ali, pedindo passagem mesmo assim.

- É o morado, deixa ele passar.

Não esperei resposta, avancei passando entre dois montes de pneu, aquele calor ardeu minha pele, nos dois segundos que durou.

Aquele era o principal cruzamento da cidade, uma larga avenida com duas pistas de cada lado e um canteiro no centro para separar, cruzava com outra avenida um pouco menor, bloquear aquele pedaço, parava a cidade.

Além dos pneus, haviam dois ônibus e uma caçamba de lixo grande, todos com o fogo subindo alto. No centro do bloqueio, uma faixa feita de lençol era pichada com o nome de Brenda e Thuany.1

- Do que precisam? – perguntei prestativo ao homem que me reconheceu?

- A polícia tá forçando entrada daquele lado, estão resistindo.

Olhei na direção apontada, um grupo grande empurrava de dentro do bloqueio enquanto a polícia empurrava de fora, com escudos grandes á prova de bala.

- Preciso de óleo de carro, ácido sulfúrico, gasolina e garrafas vazias.

Ele concordou e correu para longe, passei pelas faixas e cheguei ao confronto da barreira bem a tempo de segurar um cacetete que estava para acertar a cabeça de uma mulher.

Empurrei o policial com força, esse desequilibrou e caiu, criando uma falha que logo usamos para afastar os outros. Longos minutos se passaram até alguém me puxar para trás.

- Pegamos tudo, ali no Ragazzo.

Corri passando de novo pelas faixas, estavam sendo levantada.

- Preciso disso, meninas – rasguei uma parte, apenas o símbolo de hashtag e corri para o lugar indicado.

Era um estabelecimento aperta e pequeno, um balcão e um estreito corredor, a porta levantada também estava arrebentada e notei que tinha gente na cozinha, fiz sinal para não entrarem, não estávamos ali para assustar trabalhadores.

- Ácido, combustível, óleo, tudo o que você pediu.

Apontei para as bags de entrega no alto de uma prateleira.

- Peguem o isopor, vamos fazer queimar mais.

Observei as garrafas e peguei só as que estavam secas, comecei a mistura os líquidos com muita atenção e cuidado, lentamente. Alguém começou a bater nas câmeras de segurança e quase perdi a cabeça.

- Hei, nada que possa fazer faísca, ou vamos explodir esse lugar.

- Desculpa, Morado. Só queria ajudar.

- Deixe que elas capturem tudo.

Terminei a mistura e coloquei pedaços de isopor dentro, rasquei tiras de tecido, as usando como pavio, peguei duas nas mãos, ficaram cinco.

- Tomem cuidado.

Corri de volta a barreira, a polícia estava ficando mais violenta, o da frente se abaixava com o escudo e um pulava em suas costas acertando o cacetete com toda a força.

Mirei nos carros e joguei, o molotov estourou na porta aberta e começou a queimar, o fogo atingiu o banco, em segundos o carro todo estava em chamas, joguei o outro na viatura maior, mais um acerto, mais fogo.

Busquei os outros e vi mais bombas sendo arremessada, uma delas passou por um policial que devia estar no comando, ele cochichou para um homem com rifle de assalto e esse colocou a arma sobre o ombro.

- Corram, eles vão atirar.

Nem todos me ouviram, os que ouviram obedeceram, partindo em direção á barreira por onde eu entrei, eu não estava nem um pouco a fim de estragar outras tatuagens então corri também, os tiros ecoaram, na hora não reparei nada estranho no som, somente quando um rapaz sem camisa que corria ao meu lado foi atingido, seu corpo arremessado mais para frente, a bala atravessou seu corpo saindo com um jato de sangue denso, que eu percebi que não eram balas de borracha.

Saquei a pistola na minha cintura e parei atrás da caçamba em chamas, eram poucos tiros, mas precisava tentar. Comecei a gritar para correrem. Notei o a caravana que me acompanhou até o leilão, invadindo o bloqueio, eles começaram a atirar, metralhadoras e rifles, me dando cobertura para correr.

Haviam pessoas machucadas pelo caminho, sendo amparadas por outros, ajudei com o que podia, eu estava machucado também, nem sei quando ou como mas haviam hematomas e sangue pela minha pele.

Um carro parou ao meu lado, a porta abriu e me deixaram entrar.

- Tá ferido, chefe?

- Não, como estão os outros.

- Perdemos dois. Mas tem alguns feridos. A sua mina tá fazendo um trabalho e tanto no hospital, não deixou levar ninguém pro central, todos sendo tratados no morro.

Não posso dizer que fiquei surpreso, eu confiava e admirava o poder de liderança e raciocínio rápido da Ceci, mas tenho que dizer que fiquei orgulhoso dela.

O caminho era curto, apenas alguns minutos até a entrada do morro, deitei a cabeça no vidro, meu pensamento reviveu a noite desde o início dela, o que mais me preocupava era a reação do povo no morro.

Minha atitude por impulso nos fez perder pessoas, não só do lado deles, mas do nosso também, o carro entrou na primeira viela.

- Espera, eu vou subir andando.

Desci do carro e olhei para cima, tirei a camisa do rosto, estava suja de fuligem e sangue, mas a vesti mesmo assim, como sinal de respeito. O carro vinha atrás e mim, me escoltando enquanto meus pés se arrastavam pelo asfalto.

A madrugada mais parecia com dias de festas, os que não estavam pela rua, olhavam das janelas das casas, ouvi um som de estalo do meu lado e notei que era uma palma ao olhar para um dos meninos portando fuzil.

Cumprimentei com um aceno de cabeça, mas a medida que eu subia, mais palmas começaram a surgir, das casas, das ruas. Levantei a cabeça, o alívio relaxando meu corpo, eles me aprovavam, nenhum ataque, nenhuma bala pronta para atingir minha cabeça.

Cheguei ao meu destino, o hospital de campanha, passei pelas pessoas que enchiam a rua e a entrada do hospital. Não demorei para encontrá-la.

Ceci levantou o rosto para mim, seu sorriso era de alívio, ela se aproximou trazendo uma garrafa de água gelada, eu não sabia que queria tanto aquilo até ela me entregar. Sequei em um gole só.

- Está devendo mais de oitocentos reais na farmácia.

- Essa é a primeira coisa que vai me dizer?

- O resto é complicado demais.

Ofereci minha mão a ela e Ceci pegou sem discutir.

- Você vem comigo?

Ela assentiu, segurei sua mão com firmeza, tomando o caminho para o topo do morro, um caminho árduo, mas necessário. Não havia uma só pessoa que não me viu naquela noite, exausto, machucado e de cabeça erguida.

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