As palavras tem peso. E pesam toneladas. Pt 1

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"É este o problema com a bebida, pensei, enquanto me servia dum copo. Se acontece algo de mau, bebe-se para esquecer; se acontece algo de bom, bebe-se para celebrar, e se nada acontece, bebe-se para que aconteça qualquer coisa" – Charles Bukowski.

***

Point of view: Samanun.

Andávamos lado a lado pelas ruas movimentadas da zona teatral de Manhattan. Passos despreocupados pelas calçadas de concreto; olhares, sorrisos e piadas baratas – que para nós, eram as mais hilárias das piadas existentes no mundo.

Éramos um cardume de dois peixes nadando contra a correnteza de pessoas apressadas. Porém, essa tal movimentação de rotinas ambulantes não nos incomodava em nada. Posso afirmar que se não fossem os esbarrões que ocorreram por vezes seguidas por estarmos distraídas uma olhando para a outra, jamais teríamos conhecimento de que outros humanos estavam a vagar pelas ruas também.

Acima de nossas cabeças, o céu era inteiramente azul e invicto de nuvens, o sol brilhava sua glória, mas não fazia calor. Era um dia de abundante beleza e frescor, que refletido na íris castanha, soava melodiosamente como um milagre da natureza.

Há anos não me recordava de ver um dia tão lindo num simples olhar.

- Uau! – Kornkamon deslumbrou-se, apontando para a fachada do New Amsterdam Theatre, o teatro mais antigo e mais famoso de Nova York. – Que prédio incrível!

Foi quando, desavisada, resolvi olha-la de repente, sendo quase que fatalmente golpeada por seu sorriso e seu olhar. Concluí, depois de tamanha violência, que precisaria de mais atenção e fôlego sempre que fizesse isso. Pobre de meus pulmões acostumados com belezas simplórias!

As palavras evaporaram de minha boca, fez silencio em minhas ideias.

O brilho do majestoso sol tocou as feições dela como uma caricia suave, iluminando seu rosto, clareando seus cabelos e transformando seus olhos e gotas de mel claríssimo. Kornkamon olhava para mim, ainda encantada, seus olhos cor de alma brilhavam e um sorriso aberto transformava seus lábios em finos traços rosados.

Perdi o chão, a respiração e creio que até o pulsar por alguns segundos.

Eu realmente precisaria ter mais cuidado ao me permitir contempla-la.

- Você acredita que esse prédio tem quase 113 anos? – Comentei animada, depois de me recuperar de seus efeitos, claro. Meu olhar era direcionando ao enorme e rústico prédio de concreto, que apesar de antigo, mantinha sua imponência.

- Sério?! – Korkamon se encostou em mim, ficando de braços dados comigo.

Por questões de segundos permiti que meus olhos se derramassem e contemplassem aquela união tão singela. Ao final, o que me restou foi sorrir feito uma tola.

Essa mais nova capacidade de ser feliz com algo tão simplório que em mim se iniciava, era de extrema preocupação. Não me restavam boas lembranças das vezes em que pude sentir isso. Em contrapartida, nada fiz em oposição. Apenas me deixei sentir.

- Sim, muito sério! – Finalmente falei, retomando o assunto anterior. – Sua inauguração foi no dia 23 de outubro de 1903, com uma produção de Shakespeare chamada Sonhos de uma Noite de Verão. – Pontuei, vendo pelo canto dos olhos que ela estava a observar atenta cada traço daquele prédio; outra vez sorri.

Inquietante era como as primaveras a mais de Kornkamon não lhe surtiam efeito algum na aparência. Mesmo tendo alguns anos a mais que eu, a mulher parecia ainda uma menina de rosto delicado e bem desenhado. De vista, parecia ser tão inocente quanto a brisa ao fim da tarde. Mas, ao mesmo tempo em que exalava pureza, deixava o alerta de que também era uma mulher de roubar o fôlego. Me era assombroso aquele misto de mulher que acontecia em tempo real, diante meus olhos tão humanos e miseráveis. Jovial e sorridente, angelical e infernal. Tudo ao mesmo tempo. Sem sombra de dúvidas, uma doce e pura mulher fatal.

The Last CoffeeOnde histórias criam vida. Descubra agora