AQUILO QUE PASSOU

2 0 0
                                    


Doze meses antes de Cassandra ser sequestrada.

Rodolfo observava a cidade de São Paulo através do vidro blindado do luxuoso escritório bem localizado. Era mais fácil cuidar de uma parcela dos negócios estando por ali, na grande metrópole, principalmente quando o assunto era lidar com burocracias e encontros. Jataí, apesar de ser sua terra natal e refúgio, não oferecia estrutura suficiente para toda a cultura executiva que o capitalismo criou. E ele preferia que continuasse assim.

Naquele momento era assolado pela vontade de comer frango com pequi, preparado especificamente por uma das funcionárias que trabalhavam em uma de suas inúmeras fazendas. Ela era quase da família. A jovem senhora fazia parte de uma linhagem que o servia havia muitos anos. Anteriormente os ascendentes dela serviram a seus ascendentes, desde a escravidão. Bem, sem meios de sair do ciclo de servidão, as pessoas raramente tinham como partir de algum lugar.

A paciência de Rodolfo já tinha se esgotado. Todos aqueles que compartilhavam a mesma posição que ele sabiam a regra para se manter estável, além de usar o próprio poder financeiro para manipular o Estado: era necessário passar despercebido para que o povo não se revoltasse. Ele evitava ao máximo negócios mais escusos do que aqueles de costume, para não ter problemas, para não dar aos adversários a oportunidade de derrubar seu império.

Aconselhava a família e os agregados para que seguissem o mesmo caminho de cautela. Era garantia de prosperidade para todos. Ele era o chefe de tudo, estava relacionado com tudo, fosse como sócio ou proprietário, então também vigiava para que todos andassem na linha. Assim como, exigia que colocassem "bom" ou "boa" nos nomes dos estabelecimentos, pois era um tanto supersticioso e acreditava que essa ação atraía prosperidade. Bom fluxo de energia não era o que acontecia por aqueles tempos, e isso irritava a ilustre figura.

Já fazia um tempo que Rodolfo monitorava um núcleo da família que ele considerava secundário. Não estava nada indo bem até onde sabia. Só precisava de confirmação para começar a ser mais enérgico.

— Chefe. — A assessora chamou outra vez. Tinha liberdade de ir e vir, por isso não pediu permissão para entrar. — Senhor Rodolfo?!

Finalmente o velho, vestido em seu terno elegante do melhor tecido do ano e com o melhor corte, se virou para ela. Ele viu nas mãos da mulher o envelope grosso de papel pardo e presumiu o que era, mas esperou ela falar.

— Já temos todo o material sobre Sebastião, Virgínia, Rogério, Leila e Pablo. Creio que você não vai gostar. — Ela soltou um muxoxo de desgosto. Estava enojada com tudo o que leu e queria, de fato, que eles sumissem do mundo.

Sabia que seu chefe não era santo, mas ele cometia crimes que para ela eram aceitáveis. Pelo menos até onde sabia.

— Resume. — Ele estendeu a mão para pegar o envelope.

A moça preta, de longos dreadlocks, vestida em terno caro e usando óculos de grau de armação quase inexistente, entregou o envelope do alto de seus saltos altos com solado vermelho. Ela era uma das favoritas de Rodolfo, então ganhava um salário muito bom.

— O resumo é que a polícia está em cima dos assuntos de tráfico humano. Essa bomba vai explodir a qualquer momento e eu acredito que vem pela frente um efeito em cadeia. Ao que tudo indica, Sebastião mandou muito dinheiro para fora do país e pretende fugir antes de pagar o que deve para você. Em um panorama geral, falta pouco para que as autoridades comecem a mexer nas vidas de todas as pessoas da família. E, eu soube através de uma garçonete, que o Drazinski esteve conversando sobre elos fracos sob seu comando. — Disse. Sabia bem o que o chefe ia dizer, mas as palavras teriam mais impacto quando saíssem da boca dele.

Assassinato no Parque Brito (postando)Onde histórias criam vida. Descubra agora