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CAPÍTULO DOZE

“ — Senhora Mary, ao contrário, como cresce seu jardim? Com sinos de prata e conchas de berbigão, e sinos femininos todos enfileirados. — Sir Harry passou as unhas pelos cabelos  de Wangji  enquanto cantava em um barítono baixo e ofegante.
— Veja todas as mulheres sinos, Wangji, para cima e para baixo na fileira. Qual deles devemos arrancar esta noite?
Wangji  estremeceu, resultado do hálito frio e rançoso de Sir Harry e do toque gelado. O vampiro se ergueu acima dele, uma sombra gelada que eclipsou seu mundo em um abraço como uma tumba. Sir Harry apertou Wangji  contra ele, o gesto possessivo não passou despercebido pelo menino que ele era uma vez, ou o homem que ele era agora.
— Que tal essa, Wangji? Aposto que ela tem gosto de frutas cristalizadas.
Sir Harry riu quando a jovem o viu. Ela escondeu seu rubor atrás de um guarda-sol, seu ritmo acelerando, embora seus olhos demorassem. Seus olhares muitas vezes se demoravam em Sir Harry até que realmente o vissem. Ele era um belo monstro. Mas uma vez que viram o predador olhando para eles, eles correram para longe.
Eles nunca viram um predador quando olharam para Wangji .
Ele se mexeu no aperto de Sir Harry, uma débil tentativa de afastar o frio, mas o aperto só aumentou.
— Ou aquela, Wangji meu querido? — disse Sir Harry, apontando. — Ela deve ter gosto de um bom clarete.
Uma mulher mais velha e bonita atravessou a rua sozinha, levantando as saias da lama, alto o suficiente para revelar suas meias puídas. Era um detalhe no qual Wangji  se concentrava, um sentimento de parentesco para uma mulher que exalava uma fachada de riqueza para esconder a pobreza de suas roupas íntimas. Ele entendia uma máscara como aquela, a necessidade dela. Quanto mais ele vivia na sombra de Sir Harry, mais rachada sua máscara ficava.
— Oooh, Wangji, doce menino, como meu jardim cresce? — Uma voz feminina soou em seu ouvido.
Aquele não era Sir Harry.
Imagens piscaram diante dele. O sonho mudou da memória para algo novo e muito mais sinistro. O braço que o envolvia não era mais o braço de um homem, mas o de uma dama, pálida e delicada, sua pele quase translúcida na luz, então parecia brilhar. Pequenos seios pressionados contra suas costas enquanto ela se debruçava sobre ele, até que seus cachos brilhantes caíram em uma onda escura sobre seu ombro.
— Com cinzas finas e sangue de homem morto sob a lua nova, — ela ronronou em seu ouvido.
Wangji  estremeceu, incapaz de se mover. Seus olhos se concentraram no rosto meio revelado sob a cortina de cabelos escuros. Mary Elizabeth curvou os dedos sobre o peito dele, as unhas incrivelmente afiadas, como garras. Ele pulou quando eles espetaram sua pele. Ela inclinou a cabeça para olhá-lo, seus olhos opacos, sem um vislumbre de vida enquanto sua mão livre acariciava o lado de seu rosto.
— Por que você está com tanto medo de mim, doce menino? Eu não sou o monstro aqui. — Ela acenou com o queixo do outro lado da rua. Ele não queria desviar o olhar dela, aterrorizado com o que veria.
Ele não conseguia parar. Os músculos de seu pescoço estalaram com sua resistência. Ele respirou fundo. Uma criatura esperou por seu olhar nas sombras, observou-o com olhos como carvões em chamas, grandes como ameixas. Ele soube então, proporcionalmente, que algo estava errado com este, a criatura de seu pesadelo muito, muito maior do que o que ele encontrou do lado de fora do necrotério.
O medo fechou em um punho em torno de seu coração. Aqueles olhos brilhantes se ergueram, mais alto, muito mais alto do que aquele com quem ele lutou, mais alto do que Sir Harry. Um pé com garras deformado emergiu das sombras. A respiração de Wangji  veio em ofegos curtos. O pé deslizou para a frente, arrastando as sombras com ele, de modo que ficou meio obscurecido. Os pedestres que passavam não notaram a monstruosidade, seus caminhos se curvando em torno dela, indiferentes à sua presença.
Quanto mais ele olhava, mais detalhes Wangji  via, mas eles piscavam dentro e fora de sua mente porque ele ainda tinha que processar o todo. A criatura era distorcida, irreal, mas distintamente lupina, o eco de um lobo deformado.
— Oh não, querido, um lobo responde à sua matilha. Não precisa de mestre — disse Mary Elizabeth em seu ouvido, arrancando os pensamentos de sua mente. Seus dedos acariciaram seu pescoço. Ela deixou um conjunto de linhas ardentes na esteira de seus dedos. Sangue quente escorria por seu pescoço.
Um som saiu da escuridão, como um trovão estalando sobre o rugido de um incêndio na floresta. Mary Elizabeth fez um som de resmungo.
— O que... o que é isso? — Ele perguntou a ela.
Ela riu, uma gargalhada em tom de sino tingida de loucura.
— Ele tem o seu cheiro agora.
Sua mão estalou para baixo e agarrou seu pulso em um aperto punitivo. Wangji  gritou. Os ossos de seu pulso se juntaram quando ela forçou seu braço para cima. No centro de sua palma, um símbolo brilhava, um semicírculo cruzado por uma linha, de modo que se assemelhava a chifres. O mesmo que ele viu dentro da caixa torácica arruinada de Mary Elizabeth. O fogo lambeu a parte inferior de sua pele.
— Você é forte o suficiente, doce Wangji? — Seus lábios roçaram sua bochecha.
A criatura abriu sua boca e se lançou.”

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