Barganha de Sangue

17

CAPÍTULO DEZESSETE

Indignação lhe deu a onda de energia de que precisava para sair da sala com toda a delicadeza de um touro furioso. O peito de Wangji  arfava, cada respiração cheia de raiva quente e irracional. Usando ambas as paredes do corredor para se empurrar para frente, ele alcançou o vampiro no vestíbulo, derrubando uma cadeira em seu desajeitado ataque através do pequeno quarto. Wuxian  congelou ao vê-lo, com os olhos arregalados com a raiva no rosto de Wangji .
Wangji  tentou se controlar para poder manter uma conversa racional. Ele não deixaria Wuxian  ditar essa situação, e especialmente não deixaria o idiota ir sozinho para uma reunião da qual ele poderia não voltar.
— Como diabos você está me deixando aqui.
A boca de Wuxian  se formou em uma linha sombria.
— Wangji , você mal consegue ficar de pé. Volte para a cama.
Wangji  balançou a cabeça.
— Eu não serei uma incumbência.
As sobrancelhas do vampiro se juntaram, sua própria paciência se esvaindo em face da atitude teimosa de Wangji .
— Droga, cara, você não me ouviu? Você não pode lidar com isso.
Muito ignorante, muito fraco. Wangji  rosnou e o empurrou, uma reação infantil. E como uma criança empurrando um adulto, Wuxian  não se moveu um centímetro.
— Não se atreva a assumir o que eu posso e não posso lidar. — O calor dentro dele se intensificou. Ele agarrou o tecido da camisa de Wuxian . Um lampejo de pena veio e atravessou o rosto do vampiro, alimentando ainda mais a raiva de Wangji .
— Grande e mau caçador que você é, — disse Wuxian , sua voz perigosamente suave enquanto ele envolvia uma mão ao redor do pulso de Wangji . De repente, ele apareceu forte e rápido, com um estalar de dentes que forçou Wangji  a recuar um passo.
— Você não pode nem mesmo lidar comigo.
O estalar de dentes ecoou na mente de Wangji . Calor explodiu dentro dele. A dor em seu ombro desapareceu quando Wangji  pegou Wuxian  e o jogou contra a parede ao lado da porta da frente, forte o suficiente para quebrar o gesso. Wangji  o prendeu ali, os pés balançando a vários centímetros do chão, a respiração fumegante em seus pulmões.
— Nunca mais estale os dentes para mim.
— Cristo, eu não esperava isso, — o vampiro ofegou. Ele gentilmente apertou os pulsos de Wangji .
— Wangji , me desculpe. Eu não quis dizer isso. Por favor, coloque-me no chão.
Wangji  não respondeu. Seus olhos estavam focados na boca de Wuxian , onde as bordas dos dentes afiados eram visíveis através dos lábios entreabertos. Um tremor percorreu seus membros. O sabor acobreado do sangue floresceu no ar. Wuxian  inalou e se encolheu. Seu aperto nos pulsos de Wangji  aumentou.
— Você precisa me colocar no chão, Wangji . — Havia uma nota desesperada e de pânico naquela voz.
Wangji  olhou nos olhos do vampiro. As pupilas de Wuxian  se dilataram até que o azul prateado de suas íris era uma fina faixa ao redor de um poço preto.
— Coloque-me no chão. — A mandíbula de Wuxian  estremeceu.
Um suspiro suave e abafado soou pela sala. Os olhos de Wuxian  dispararam sobre o ombro de Wangji , e Wangji  soube pelo olhar contorcido de vergonha no rosto do vampiro que Yanli estava atrás deles.
Wangji  o deixou cair e balançou para trás enquanto Wuxian  praticamente se empurrava pela porta da frente, fechando-a com um estalo determinado.
Yanli não foi atrás dele, nem ofereceu ajuda a Wangji  quando ele se virou e caiu contra a parede, escorregando para apoiar os joelhos. Wangji  a ignorou na esperança de que ela seguisse seu amante e deixou cair a cabeça entre as mãos. Ele se sentiu como um bastardo. Ele sabia exatamente o que Wuxian  estava fazendo com aquela pequena façanha; salvando Wangji  de sua própria teimosia, mas seu corpo simplesmente reagiu, impulsionado por velhos medos. Em um estalar de dentes, ele tinha dez anos novamente, Sir Harry em sua garganta. A pior parte foi Wuxian  deixar Wangji  jogá-lo ao redor. Não havia como ele ter levantado o vampiro do chão em seu estado atual, não importa o quão bravo ele estivesse. Certo?
Ele franziu a testa para suas mãos. A queimadura de raiva finalmente esfriou em seu intestino, deixando-o dolorido e vazio.
Yanli se virou para ele.
— Você tem sorte que meu pai levou as crianças para trabalhar no jardim, então eles não testemunharam esse pequeno show —, disse ela, seu tom beirando a raiva. — Por que diabos você fez isso?
Claro que ela ainda estava aqui. É claro que ela não poderia deixá-lo bem o suficiente sozinho. Embora Wangji  estivesse envergonhado, ele esqueceu suas maneiras tão rapidamente em sua casa.
— Yanli, não é apropriado você estar na mesma sala com um homem seminu.
— Você é o único que saiu do seu quarto vestido até a pele, idiota. — Um par de calças deu-lhe um tapa na cara. Ele cerrou os dentes e lutou para vestir as calças enquanto Yanli fervia de costas para ele. — Agora você se preocupa com o decoro.
— Ele estalou os dentes para mim...
— Ah, o grande caçador de vampiros malvado ficou com medo. — As palavras de Yanli ecoaram as de Wuxian , mas desta vez Wangji  se encolheu de vergonha. — Wuxian  cuidou de você a maldita noite inteira. Eu nunca o vi tão abalado, nem uma vez nos cinco anos de nossa associação, nem mesmo quando aquele primeiro grupo da Society veio farejando por aqui.
Wangji  se virou para olhá-la. Sua mente tropeçou sobre qual detalhe daquela frase carregada abordar primeiro, mas aquele que o fisgou, que por sua vez o sacudiu, foram as últimas palavras a deixar sua boca.
— A Society já enviou Caçadores aqui antes?
Yanli piscou para ele.
— Há pouco mais de um ano. Havia três deles. Eles não te contaram quando te mandaram para cá?
Eles deveriam ter. Por que não? Wangji  não sabia o que pensar ou como responder.
Yanli suavizou com o olhar perdido em seu rosto.
— Você não sabia, — ela murmurou, mordendo o lábio. — Você está, ah, sangrando novamente de seu ombro. Você me deixaria curar sua ferida? Eu trabalhei muito duro nesses pontos.
Apesar da perda de sangue, um rubor prontamente aqueceu sua nuca. Yanli continuou a perturbá-lo, mas ele não podia se dar ao luxo de recusar sua ajuda. Ele assentiu, não confiando em sua voz para conter uma vacilação. Yanli o conduziu até uma cadeira e pegou um pano limpo. Ele manteve o olhar baixo enquanto ela cuidadosamente desembrulhava o linho sujo com um assobio simpático.
— Você pode ter rasgado seus pontos, — ela o repreendeu. Seu toque era leve e fresco contra sua pele febril.
— Um curativo fresco terá que ser suficiente —, disse Wangji . Ele tinha a sensação de que Wuxian  não voltaria para ele. Ele teria que ir atrás do vampiro por conta própria; o vampiro estúpido, faminto e superprotetor que tentou assustá-lo ao invés de arriscar sua segurança com qualquer moinho de vento que aquele demônio tolo perseguisse como um Dom Quixote envaidecido.
— Como você se concilia com o que ele é?
As mãos de Yanli pararam. Ele prendeu a respiração enquanto olhava para ela. Seu olhar era afiado e sério, a quilômetros de distância da convenção predominante da recatada dama do campo. Ela o lembrou das outras mulheres que ele conhecia da cidade, que viviam de acordo com sua inteligência e sua vontade, embora Wangji  suspeitasse que a “recatada senhora do campo” era um mito maior do que os velhos deuses e espíritos da floresta.
— Essa não era a pergunta que eu esperava de você —, disse ela.
— Que pergunta você esperava de mim?
Yanli deu de ombros e voltou a amarrar suas bandagens.
— Como eu conheci Wuxian ? Por que eu confio tanto nele? Por que eu ainda moro na casa do meu pai ao invés de ficar com um vampiro? Faça sua escolha.
As pontas das orelhas de Wangji  queimaram, o rubor amaldiçoado revelando a profundidade de sua inexperiência.
— Meu Deus, por que eu perguntaria qualquer uma dessas?
Yanli bufou.
— A impiedade da juventude?
Ele se mexeu, desconfortável além da crença com essa linha de conversa. — Eu não tenho o direito de fazer essas perguntas, Yanli, embora você deva ter ouvido antes.
Um pequeno sorriso iluminou o rosto de Yanli.
— Cuidado, Wangji , você parece quase se importar com a minha reputação.
Wangji  fez uma careta para ela. Ela tossiu para cobrir uma risada, o humor abafado por seu suspiro.
— Wuxian  é Wuxian  —, disse ela. — Eu não penso sobre o estalar de dentes, ou que ele ainda estará aqui muito tempo depois que eu virar pó. Há apenas o agora, e todo o tempo que eu puder ter com ele enquanto ele estiver aqui. — Ela sorriu, tingida de tanta tristeza que Wangji  prendeu a respiração. — O que ele é não significa nada para mim. Apenas quem ele é.— Ela apertou um punho sobre seu coração.— Eu não precisava de uma confissão de sua afeição eterna por ele, Yanli, — disse Wangji , tentando ignorar a pontada incomum de inveja que atingiu seu peito. — trocadilho intencional.
Ela revirou os olhos.
— É um milagre eu não ter estrangulado você ainda. Você é muito parecido com meus irmãos mais novos.
Ela teve a coragem de bagunçar o cabelo dele.
— Você vai atrás dele? ― Havia uma pitada de encorajamento e esperança em seu olhar.
— Você deve. Acho que você quer.
Wangji  engoliu em seco com o aperto repentino em sua garganta. Ele queria. Por mais razões do que ele conseguia reconhecer.
— Você sabe para onde ele foi? — ele perguntou.
Ela franziu a testa.
— O que ele disse antes de você assustá-lo?
— Eu não o assustei, — Wangji  retrucou. — Ele disse que deveria ter perguntado primeiro, quem quer que sejam.O rosto de Yanli perdeu a cor.
— Oh.
— Ah? Ah o quê? Por que todo mundo sabe mais sobre esses misteriosos do que eu? — Wangji  inalou. Isso soou muito perto de choramingar.
— Talvez ele estivesse certo em mantê-lo aqui, — ela disse, sua voz baixa.
— Eu vou, quer você me ajude ou não. — Seu tom foi mais agudo do que ele pretendia.
As mãos de Yanli torceram o tecido de suas saias.
— Você vai encontrá-lo na floresta. Ele provavelmente pegou a estrada para fora da cidade.
— Por que fora da cidade? Há muitos bosques por aqui.
Sua cabeça deu uma sacudida afiada.
— Eles não gostam da cidade. Eles não vão chegar muito perto.
Ele piscou surpreso. A perspectiva de seguir o vampiro com aquelas criaturas vagando em plena luz do dia foi suficiente para dar uma pausa a Wangji . Por mais que negasse ser um obstáculo, ele sabia que estava longe de estar em forma.
— Yanli, no que exatamente estou entrando aqui?
Ela prendeu a respiração por um longo momento antes de soltá-la em um suspiro.
— Eu não posso te dizer, Wangji. Não ouso mencionar o nome deles. Sou filha da minha mãe tanto quanto do meu pai. Apenas mantenha seu juízo e ouça tudo o que Wuxian  lhe diz.
— Seu pai tem uma pistola?
Outra sacudida de cabeça, mais vigorosa que a anterior.
— Pistola não vai te fazer muito bem, — ela disse.
Ele franziu a testa, com a intenção de perguntar mais quando ela levantou a mão.
— Ouça Wuxian , e não... não confie em todos os seus sentidos.
Levantando as saias, Yanli saiu correndo do quarto antes que Wangji  pudesse questioná-la mais. Droga. Agora ele tinha que localizar suas botas e esperar que Wuxian  não estivesse muito à frente dele. Ele franziu a testa para seu torso nu. Uma camisa também não faria mal. Ele olhou para os pés descalços. A bola prateada que Wuxian  puxou de seu ombro descansou entre os dedões dos pés. Ele o arrancou do chão e o enfiou no bolso da calça.
Yanli reapareceu com um pacote de tecido, suas botas e um pedaço familiar de metal em uma mão.
— Eu levaria isso com você. Apenas no caso de realmente precisar.
Wangji  olhou para ela.
— É um gancho de madeira. Não é exatamente um sabre confiável.
— Não —, disse Yanli, deixando cair as botas a seus pés. — Mas é ferro, não é? É a sua melhor defesa contra eles.
As sobrancelhas de Wangji  se ergueram em uma pergunta silenciosa. Yanli manteve seu silêncio, com o rosto pálido, mas ela agarrou o gancho de madeira como um talismã para afastar a ameaça que ela se recusou a nomear. Ele refletiu sobre as reações dela e de Wuxian , encolhendo o ombro ferido na camisa que ela trouxe para ele. Quando ele estava completamente vestido, ela ofereceu solenemente o gancho de madeira.
— Cuide dele, Wangji , — disse Yanli.
Wangji  não sabia o que o humilhava mais, sua preocupação óbvia de que o vampiro não pudesse cuidar de si mesmo, ou que ela confiasse em Wangji  para trazê-lo para casa.