Barganha de Sangue

18

CAPÍTULO DEZOITO

Wuxian  colocou a mão sobre a boca de Wangji . Ele olhou ao redor com movimentos bruscos e nervosos. Wangji  o empurrou, perturbado pela sensação de carne fria, apertando o pulso do vampiro com tanta força que a atenção de Wuxian  voltou para ele.
Wuxian  franziu a testa.
— O que você tem?
— O que há de errado, você nos arrastou em uma caçada selvagem por malditas fadas, — Wangji  estalou. Seu peito arfava, muito zangado e desequilibrado para lidar com esse absurdo. Vampiros, ghouls, até mesmo as bestas estranhas aqui eram ameaças tangíveis. Mas fadas?
— Não é... — Wuxian  fez uma pausa para olhar ao redor. — Não é bobagem, Wangji . — Ele fez uma careta. — Tirando isso, você insistiu em vir, meu caro idiota.
Wangji  não estava ouvindo porque através das árvores ele viu a visão de chifres, mergulhando e tecendo entre os galhos.
— Por favor, seja um veado.
— O que? — Wuxian  se virou para seguir seu olhar. — Merda.
— Agora é um bom momento para admitir minha má condição de luta?
A mão de Wuxian  disparou, esmagando os botões de madeira do casaco do pastor Jiang em sua tentativa de impedir que Wangji  se movesse.
— Se você tentar lutar contra um deles, estaremos em condições piores do que ruins.
Wangji  revirou os olhos.
— Se essa é sua maneira inteligente de dizer que as fadas vão nos matar...
— Eles não vão nos matar —, disse Wuxian .
Wangji  olhou para ele.
— Você fala sério.
— Tem certeza de que não quer ficar aqui? Eles podem precisar de um animal de estimação.
Wangji  apertou a mandíbula.
— Não aceite qualquer comida. Aceite uma dança, mas não dance por muito tempo. Recusar mais convites por minha própria vontade.
— Você ouviu, — Wuxian  disse suavemente.
— Por mais ridículo que eu ache todo esse exercício, nunca é sábio ignorar a instrução.
— Acho que o treinamento da Society tem seus méritos.
— Cala a boca —, disse Wangji . Ele olhou para trás através das árvores, mas a sugestão de chifres havia desaparecido.
— Pode ter sido apenas um cervo.
— Duvidoso, — Wuxian  murmurou.
— Pastor Jiang ficará chateado com a destruição de seus botões. Comentou Wangji . Ele franziu a testa. — É meio-dia.
— A última vez que olhei.
— As fadas não esperam até a luz da lua azul ou algum outro absurdo antes de se revelarem aos mortais?
— Essas são histórias, Wangji . Esta é a coisa real, e eles seguem suas próprias regras. — Wuxian  inalou profundamente por paciência. — Você é de Boston, sim? Muitos irlandeses lá. E você obviamente já ouviu uma ou duas histórias.
Wangji  pensou no Dr. Wen. Ele era filho de um imigrante chinês mas era casado com uma irlandesa e, às vezes, depois de muitas bebidas, ele divagava histórias da terra natal de sua esposa.
— O que faz você pensar que suas lendas não são tão reais quanto vampiros? — Wuxian  continuou. — Cada terra tem sua tradição, Wangji , mas entenda que os habitantes de tais lugares não são limitados por linhas de mapa. Assim como as fadas são acessíveis nos montes de pedras da Irlanda, elas também são acessíveis aqui, em uma floresta assustadora no Maine.
Wuxian  soltou o casaco muito maltratado do pastor e seguiu um caminho invisível, reto e verdadeiro. Wangji  seguiu seus passos, cauteloso e mais do que um pouco cético em relação à floresta ao redor deles. Flashes de movimento passaram pelos cantos de sua visão, voos de penas de cores vivas, formas em flecha com bordas estranhas, mas quando ele virou a cabeça para olhar, nada estava lá.
O primeiro fio de verdadeiro desconforto deslizou por ele. Os passos de Wangji  aceleraram para alcançar Wuxian .
— Quando você disse que tinha uma pista para rastrear no outro dia, era a quem você estava se referindo?
— Eles são difíceis de encontrar—, disse Wuxian , — mas você pode, se souber como procurar.
— Você os encontrou? — A floresta se encheu de sons abafados, palavras infundadas e sussurros que se misturavam com o vento farfalhando entre as folhas.
Houve um bufo do vampiro ao lado dele.
— Não. Eu sei que eles estão aqui, mas eles estão sendo difíceis.
O vento provocou os sentidos de Wangji , carregados com aromas doces e perfumados; lilases frescos desabrochando, madressilvas, musgo após a chuva, cortados com o cheiro limpo e frio de neve recém-caída e algo mais, cru e afiado, que deixou um gosto de metal na língua, ao mesmo tempo repelente e tentadora. Ele ergueu o rosto, tentando encher os pulmões com o cheiro, virando-se para segui-lo.
— Eu pretendia passar dias aqui fora... se necessário, — disse Wuxian . — Eu vou encontrá-los de uma forma ou de outra.
A tensão se esvaiu dos músculos de Wangji , tão relaxados que a dor em seu ombro se desvaneceu para uma dor surda. Isso foi um canto?
— O problema é... — disse Wuxian , sua voz sussurrando suave.
Wangji  estava apenas ouvindo pela metade. Ele se afastou de Wuxian  enquanto procurava por aquela música distante. Se ele ouvisse com atenção, poderia entender a melodia, uma canção de ninar meio lembrada de uma mãe cujo rosto ele não conseguia lembrar. Suas pálpebras caíram, seu corpo balançando com a música há muito esquecida.
— Eles gostam de jogar duro para conseguir. Eu vou levá-los ao chão eventualmente, — Wuxian  continuou. — Se eu fosse humano, seria um pouco mais fácil, mas... — O vampiro respirou fundo. — Wangji , pare!
Wangji  cambaleou. A música oscilou e morreu, substituída por um rugido em sua cabeça. A irritação ferveu lentamente quando ele olhou para o vampiro.
— Você me usou como isca? Novamente?
Wuxian  deu um passo para trás, um olhar perplexo de alarme em seu rosto.
— Não! Eu não esperava que eles aparecessem tão rápido. — Ele franziu a testa.
— Normalmente, eles ainda nos levariam em círculos por horas.
As sobrancelhas de Wangji  se ergueram.
— Isso faz disso uma armadilha ou um convite?
Wuxian  fez uma careta, claramente inquieta.
— Nenhuma das opções é boa. Eles não convidariam livremente alguém como eu para o meio deles. Eu teria que forçar minha entrada.
As sobrancelhas de Wangji  se juntaram.
— Por causa do que você é?
Wuxian  desviou o olhar, um leve rubor tingindo suas bochechas.
— Eu te disse. Eles não gostam do meu tipo. Não sou vulnerável ao glamour deles, portanto sou chato, mas eventualmente eles viriam atrás de mim, fariam disso um jogo. Para você, eles deixaram a porta aberta. — Ele gesticulou com um pequeno floreio para a esquerda de Wangji .
Wangji  olhou. As árvores eram tortas, dobradas em um semicírculo que formava uma pequena clareira. A luz do sol descia sobre um anel de cogumelos selvagens. Cogumelos, suas cabeças largas ainda brilhando com o orvalho da manhã. Os pais advertiam seus filhos em rimas divertidas para não dançar em um anel de fadas para que as fadas não os roubassem. Nada mais do que uma história de ninar ou um conto de advertência para evitar que seus pequeninos vagassem muito longe na floresta, mas enquanto Wangji  estava ali, um zumbido físico vibrou contra sua pele, fazendo os pelos de seus braços se arrepiarem.
A música o trouxe aqui.
— Eu encontrei isso —, ele sussurrou.
— Sim. E agora, você deve voltar, — disse Wuxian . — Eu não gosto disso. Eles estão muito ansiosos com você aqui.
Aquele aviso novamente. Ele se virou para dizer a Wuxian  para parar com isso e parou. O vampiro parecia aterrorizado. Ele escondeu bem, mas Wangji  e o medo eram velhos amigos. Ele viu esse medo nas próprias linhas do corpo de Wuxian . Ele viu isso onde a tensão queimava em pontos brancos esbranquiçados sobre nós dos dedos firmemente curvados e lábios apertados. Havia uma vulnerabilidade perigosa ali que fazia Wuxian  parecer ainda mais jovem, os ângulos delicados de seu rosto mais suaves.
Wangji  desviou o olhar, desconcertado pela mistura de emoções que tal visão despertava dentro dele.
— Nós vamos juntos —, disse ele. — Cuidamos um do com o outro.— Ele olhou para cima. Wuxian  olhou para ele como se nunca o tivesse visto antes.
— Wangji , — ele disse, uma nota hesitante em sua voz. — O que você vê aqui, eles são cruéis e cheiram a segredos. Eles dirão coisas, sobre você, sobre mim. Eu deveria te dizer que meu passado...
— Você demora muito, — uma voz sibilante sibilou. Ele estremeceu através das folhas em uma onda de escuridão gelada. Wangji  não viu as mãos que o agarraram, ofegantes enquanto se enrolavam em sua cintura e o puxavam pelo ar cintilante. O portal imediatamente se uniu em seu rastro como uma porta se fechando. Eles pretendiam separá-lo do vampiro.
— Wuxian ! — Wangji  gritou.
Ele estendeu os dois braços, ficando cego. O pânico drenou sua dor. Um Wuxian  de olhos arregalados passou pela abertura e se chocou contra Wangji , rosnando para qualquer criatura que o segurasse. Uma temível reação predatória, mas a criatura invisível respondeu com uma risadinha estridente que fez o cabelo da nuca de Wangji  se arrepiar.
O ar solidificou atrás de Wuxian e a compreensão afundou. Eles estavam presos, e agora Wangji  podia ver os braços ao redor dele.
Ele fez um som no fundo da garganta ao ver escamas lisas e prateadas, como pele de peixe cobrindo braços finos. Dedos crus pressionados em sua barriga, pontas em garras longas que chegavam a finos pontos negros. Os braços o puxaram contra outro corpo, frio, muito mais frio que o vampiro. Uma mão com ponta de garra soltou seu meio para acariciar sua bochecha.
— Que brinquedo maravilhoso você nos trouxe, pequeno mentiroso,— ronronou a criatura, um sussurro sibilante que fez as palavras deslizarem como folhas secas sobre água congelada. Uma garra se arrastou ao longo da garganta de Wangji  em uma linha fina e ardente que perfumava o ar com seu sangue.
— Eu me pergunto que gosto ele tem. — Um toque de gelo esvoaçou contra o corte.
A mão de Wuxian  disparou sobre o ombro de Wangji .
— Eu não o trouxe aqui para compartilhar, — ele disse entre dentes.
A coisa riu, liberando Wangji . Ele praticamente caiu em cima de Wuxian , que o pegou com graça e o girou para ver. Ele desejava muito que Wuxian  não tivesse se incomodado. Vagamente, ele ponderou as histórias que ouvira sobre fadas serem bonitas. Embora ele suponha que houvesse uma espécie de beleza terrível na fada, da mesma forma que uma cobra do rio era linda enquanto seu corpo serpentino se movia na água. Uma vez que sua visão se ajustou a tal visão, ele notou os outros de pé ao redor em uma assembleia áspera, uma audiência esperando de feições de pesadelo e elegância, fixada em seus convidados.
A assembleia reunida era tudo o que havia para este lugar, este pedaço de outro mundo, sem saída à vista.
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