capítulo 3: A Bagunça Escondida

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Miguel se acostumou com a nossa casa de tal forma que, todas as vezes que eu voltava da escola, lá estava ele, com a música nas alturas e se drogando.

Eu já não aguentava mais todo aquele barulho vindo do quarto da minha mãe. Mesmo estando no terceiro ano do ensino médio, não curtindo a escola e com notas que não eram tão boas, eu ainda me importava com os estudos. Mesmo que minhas notas fossem na média de seis, cinco ou sete.

O final do ano letivo estava se aproximando e eu precisava passar no quarto bimestre, já que minhas notas estavam baixas. Mas desde que o namorado da minha mãe se mudou para cá, minhas notas despencaram ainda mais. Com as músicas dele rolando a noite toda, eu não conseguia nem dormir direito, quanto mais estudar. Ele me tratava como se eu fosse a faxineira da casa.

Numa dessas vezes que cheguei da escola, a casa estava uma bagunça. As janelas tremiam com a música estrondosa. Olhei para a escada e percebi que estava vazando água do andar de cima. Miguel deve ter esquecido o chuveiro ligado o dia todo.

Joguei minha mochila no sofá e subi as escadas com todo cuidado para não escorregar. Quando abri a porta do quarto, me deparei com a pior cena possível.

Fiquei chocada ao ver o quarto todo desorganizado. Roupas boiavam no chão encharcado. E lá estava Miguel, deitado na cama, sem camisa, suado e com um cheiro forte de bebida.

Desliguei o som e corri para o banheiro para desligar o chuveiro. Miguel acordou na mesma hora, com um olhar furioso.

- Por que você desligou o som? - ele perguntou, se levantando da cama.

- Não é você quem paga as contas de luz e água daqui. - respondi, irritada.

- E você também não paga. É a sua mãe que banca tudo aqui. E você nem deveria se preocupar, já que ela ganha bem sendo prostituta. - ele disse, num tom de deboche.

- VOU CONTAR TUDO PRA MINHA MÃE! TUDO QUE VOCÊ E AQUELA VADIA FALAM DELA!

Eu só queria que minha mãe terminasse logo com ele, quanto antes ele saísse daqui, melhor. Só minha mãe em casa já é o suficiente, ter ele morando aqui com a gente só piora minha vida cada vez mais.

Ele me empurrou contra a parede, acho que não deveria ter ameaçado ele. Senti uma dor forte na cabeça, mas logo depois meus olhos se fecharam.

°°°

Quando despertei, as dores ainda persistiam e, ao me olhar no espelho do banheiro, vi os hematomas que cobriam meu rosto. A dor aumentava a cada minuto e minha respiração se tornava mais ofegante ao perceber cada marca em meu corpo.

Um nó se formou em minha garganta, dificultando minha respiração. Eu não conseguia chorar, pois estava em choque, tentando processar tudo o que havia acontecido.

As dores nas pernas se intensificaram e, ao perceber o que havia ocorrido, senti um nojo profundo e uma vergonha imensa de mim mesma. Lembrei que, enquanto estava desacordada, acordava por alguns instantes e tinha flashes de algumas cenas horríveis.

Corri para o meu quarto, me joguei na cama e me cobri com o lençol. Chorei silenciosamente, abafando o som no travesseiro. Eu queria desaparecer, na verdade, desejava que nunca tivesse nascido.

Adormeci novamente e fui despertada por alguém gritando meu nome.

- kelly... kelly! - Miguel estava me chamando, provavelmente para jantar. Não fazia ideia de como ele tinha conseguido limpar toda a bagunça que estava pela casa. E como ele conseguia agir como se nada tivesse acontecido? Eu não esperava que ele me pedisse desculpas, o que obviamente ele não ia fazer, mas era surreal vê-lo agindo como se a normalidade tivesse retornado.

Ao descer as escadas, vi minha mãe na porta. Ela me olhou com uma expressão de horror ao ver meu estado. Eu não conseguia encará-la. Só queria que aquele pesadelo acabasse.

- Por que você está toda machucada assim? - perguntou ela, durante o jantar. Mas Miguel me lançou um olhar intimidador.

- Eu... eu escorreguei no banheiro e caí - respondi, tentando manter o olhar firme, mas minha voz saiu mais trêmula do que eu gostaria.

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