capítulo 33: Nós Trilhos da Memória

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Depois daquela noite, as visitas ao hospital se tornaram nossa rotina. Minha mãe passava a maior parte do tempo lá, enquanto eu e meu pai a visitávamos depois da escola e do trabalho. Karina era uma coisinha tão pequena, enrolada em cobertores macios e com tubos e fios saindo dela.

Eu sempre me sentia um pouco desconfortável em hospitais, mas ver minha irmãzinha ali, lutando pela vida, me fazia esquecer tudo isso. Cada vez que eu a via, uma mistura de medo e admiração surgia em mim. Ela era tão frágil e, no entanto, tão forte.

Um dia, durante uma dessas visitas, aconteceu algo que nunca vou esquecer. Karina estava acordada, seus olhos pequeninos vagando pelo quarto. Quando a vi, me aproximei e coloquei meu dedo perto da mãozinha dela. Para minha surpresa, ela agarrou meu dedo. E então, ela sorriu. Foi um pequeno sorriso, mas foi o sorriso mais lindo que já vi.

Corri para chamar minha mãe, que estava conversando com o médico. Quando ela viu o sorriso de Karina, seus olhos se encheram de lágrimas. Foi um momento de alegria pura em meio a uma situação tão difícil.

Eu disse que Karina era igual aos outros bebês, mas eu percebi que ela tinha um sorriso que parecia com o sorriso da minha mãe, mas também vi que ela tinha olhos que lembravam o meu padrasto.

Os meses se passaram e a saúde de Karina continuou a piorar. Os médicos fizeram tudo o que podiam, mas sua condição cardíaca era muito grave. Mesmo assim, ela continuou a lutar.

°°°

E então, veio o dia em que tivemos que dizer adeus. Foi o dia mais difícil da minha vida. Ver minha irmãzinha partir foi como ter um pedaço do meu coração arrancado.

Foi em uma tarde fria de inverno que o inevitável aconteceu. O coraçãozinho de Karina, que tão bravamente lutara, não aguentou mais. Eu estava na escola, mas minha mãe estava com ela. Ela disse que Karina tinha um olhar sereno quando partiu, como se soubesse que sua luta havia acabado e agora ela estava em paz.

A dor que senti naquele dia é indescritível. Foi como se o mundo tivesse parado e tudo ao meu redor perdesse a cor. Lembro-me de ver minha mãe, com lágrimas escorrendo pelo rosto.

E agora, cada vez que vejo uma criança sorrindo, não posso deixar de pensar em Karina. E em como, apesar de sua curta vida, ela deixou uma marca indelével em todos nós. E isso, de alguma forma, torna a dor de sua perda um pouco mais suportável.

Porque mesmo que ela tenha partido, o amor que sentimos por ela nunca irá. E isso é algo que ninguém pode tirar de nós.

Vinte anos depois...

Vinte anos depois, me encontrava sentado em um banco de uma movimentada estação de trem, minha mente perdida em pensamentos e memórias de tempos que pareciam tão distantes, mas ainda vívidos em minha mente.

- E foi assim que minha irmãzinha morreu - sussurrei para mim mesmo, um eco silencioso da dor que ainda habitava meu coração.

- Ei, cara, o que você está murmurando aí? - Mike, meu irmão, interrompeu meus pensamentos, sentando-se ao meu lado.

- Nada, Mike, só estou pensando. O próximo trem vai demorar uns vinte minutos, né? - respondi, cruzando os braços.

- É, e vamos chegar atrasados no aniversário da nossa mãe por sua causa. Você demorou demais para chegar aqui na estação.

- Lá vem você me culpando, como sempre - revirei os olhos - Se você tivesse me avisado mais cedo sobre o horário da festa, eu teria saído mais cedo.

- Aff, Nathan, você sempre tem uma desculpa.

- Não são desculpas, Mike. Você simplesmente me avisou em cima da hora. Você precisa ser mais responsável.

Após um tempo, Mike levantou, colocou a mão no bolso e olhou para o relógio.

- Falta só um minuto - ele disse, se aproximando um pouco mais da faixa amarela.

De repente, um grito irrompeu na estação. Um homem acabara de roubar o celular de uma mulher e estava correndo em nossa direção. Antes que Mike pudesse reagir, o ladrão o empurrou nos trilhos. Meu coração parou.

- Mike! - gritei, correndo em direção à borda da plataforma. O mundo ao meu redor parecia ter parado, e tudo o que eu podia ouvir era o som do meu próprio coração batendo em meu peito.

       

                                      Fim.

AS LÁGRIMAS NUNCA VÃO PARAR DE CAIR Onde histórias criam vida. Descubra agora